O ciúme foi tema de grandes obras de arte. Do Otello de Shakespeare, envenenado com as fofocas de Iago, ao Bentinho de Machado de Assis, para sempre condenado pela suposta traição de Capitú, o assunto sempre gerou polêmica e interesse. O cineasta francês Henri-Georges Clouzot quis usar do tema para criar o que seria sua obra prima. Apropriadamente chamado de "O Inferno", o filme trataria do ciúme doentio de um homem chamado Marcel (Serge Reggiani) por sua esposa, Odette (Romy Schneider). Clouzot estava determinado a fazer um filme como nunca havia sido produzido antes e contava com o apoio financeiro internacional da Columbia Pictures, que lhe deu carta branca no orçamento. Não há nada mais noçivo a um criador do que recursos ilimitados. Clouzot mergulhou em experimentalismos visuais que pretendiam passar as sensações doentias do marido ciumento para a platéia. O filme teria cenas em preto e branco, representando o mundo "normal", e cenas de um colorido forte, representando os delírios de Marcel. O problema é que "O Inferno" nunca foi terminado. O perfeccionismo do diretor, aliado aos maus tratos aos atores (particularmente Reggiani), culminaram com o abandono do ator do set e até no enfarto do diretor, em plena filmagem.
O documentário foi produzido por Serge Bromberg e Ruxandra Medrea. Tudo teria começado casualmente, quando o elevador em que Serge estava ficou parado entre dois andares, em Paris. Junto com ele estava a viúva de Clouzot, e os dois passaram horas conversando sobre a obra-prima perdida do cineasta. O documentário conta com depoimentos de técnicos envolvidos com o projeto, como o cineasta Costa-Gravas, e farto material visual recuperado das horas de filmagem realizadas por Clouzot antes de abandonar o filme.
O que provavelmente aconteceu, dizem os entrevistados, foi uma combinação de genialidade misturada com megalomania, recursos ilimitados e um tema talvez pessoal demais para o realizador. Clouzot tinha manias de deixar qualquer um maluco, como acordar todos às duas da manhã para anotar suas idéias, ou exigir que trabalhassem aos domingos. Ele tinha o roteiro meticulosamente decupado, com story-boards de todas as cenas, detalhando até que lentes seriam usadas em cada plano. Costa-Gravas diz que este tipo de preparação não era bem vista pelos outros diretores franceses da nouvalle vague, adeptos de um cinema mais livre e improvisado. O documentário mostra dezenas de testes visuais feitos pela equipe de fotografia e efeitos visuais, que usaram lentes especiais, espirais, espelhos d´água e vários outros recursos para tentar recriar a mente doentia de um homem ciumento. A sensação que passa é que, por mais interessantes que algumas cenas sejam, o filme seria muito pesado visualmente, sem espaço para sutilezas. Talvez esta preocupação com o visual contribuiu para a perda de rumo do cineasta, que tinha três equipes de câmera à postos para filmar, mas que, geralmente, ficavam paradas à espera de cenas para rodar.
Documentário interessante para quem gosta dos bastidores do cinema e para conhecer este curioso episódio do cinema francês. Em pré-estréia no Cinema Topázio, em Campinas.
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