A pequena sala 3 do Cine Topázio, em Campinas (o único da região a exibir os chamados "filmes de arte"), estava cheia. Ao final da sessão, muitos espectadores, confusos, sussurravam comentários a respeito do filme que acabara de terminar. Uma senhora se virou para a colega e, em voz alta, declamou: "Eu sou feliz e não sabia!".
A nova obra do diretor austríaco Michael Haneke (de "Violência Gratuita" e "Caché"), de fato, não é um filme de entretenimento. Haneke é um realizador frio como gelo, preciso, metódico em seus movimentos de câmera, e misterioso em seus roteiros. "A Fita Branca" se passa no início do século XX, às vésperas da I Guerra Mundial, em uma pequena vila na Alemanha. Tem uma bela fotografia em preto e branco de Christian Berger, que infelizmente não estava boa na cópia digital apresentada no cinema, cinza e sem contrastes. A trama é narrada pelo professor primário da vila (Ernst Jacobi na narração, como um idoso, e interpretado por Christian Friedel como jovem) que, a bem da verdade, não conhece todos os fatos da história que está contando. O caso é que estranhos "acidentes" começam a acontecer na vila. Um médico se fere gravemente quando seu cavalo tropeça em um arame colocado entre duas árvores. O filho do Barão, o empregador de metade dos habitantes da vila, é sequestrado e surrado por desconhecidos, e encontrado vivo na floresta. Karli, um garoto portador de síndrome de Down e filho da parteira, também é atacado e quase fica cego. Quem estaria por trás destes crimes? Quem teria motivo para cometê-los? Por que, em todas as ocasiões, as crianças da vila são vistas por perto?
O desenvolvimento da trama pode sugerir um filme de suspense, em que o espectador tem que descobrir o "culpado", mas não é tão simples. Assim como no enigmático (e, para alguns, insolúvel) enigma de "Caché", Haneke não está preocupado em entregar respostas prontas. Os crimes são pontos culminantes de longas sequências de acontecimentos aparentemente cotidianos que vão montando um quadro de abusos, autoritarismo e fanatismo religioso. O pastor da vila (o ótimo Burghart Kasner) amarra os braços do filho durante a noite para que ele "não ceda às tentações de seu corpo jovem". O médico, quando volta do hospital, trata com crueldade extrema sua amante, a parteira, e aparentemente abusa sexualmente da filha. O Barão trata mal sua esposa e empregados. A todo momento há a sensação de que algo terrível está para acontecer. Há quem diga que este "algo", na verdade, é a própria história da Alemanha no século XX, prestes a entrar em duas guerras mundiais e viver para sempre com o estigma do Nazismo. O elenco orquestrado por Haneke é ótimo, e vale ressaltar a interpretação das crianças. O que dizer do diálogo em que a irmã mais velha tenta explicar o que é a morte para seu irmão mais novo? Ou o pavor da garota que conta a seu professor um sonho premonitório que ela teve? Ou a felicidade de um garoto ao conseguir convencer seu pai de que pode cuidar de um passarinho doente? Poderiam estas crianças, símbolos tradicionais de pureza e esperança, serem capazes do que o filme sugere?
Haneke não responde. Apenas mostra, no último plano, a vila reunida na igreja, os adultos em baixo, confusos e, no balcão acima, confiantes e cantando uma canção, os alemães do futuro. Eles eram felizes e não sabiam.
A nova obra do diretor austríaco Michael Haneke (de "Violência Gratuita" e "Caché"), de fato, não é um filme de entretenimento. Haneke é um realizador frio como gelo, preciso, metódico em seus movimentos de câmera, e misterioso em seus roteiros. "A Fita Branca" se passa no início do século XX, às vésperas da I Guerra Mundial, em uma pequena vila na Alemanha. Tem uma bela fotografia em preto e branco de Christian Berger, que infelizmente não estava boa na cópia digital apresentada no cinema, cinza e sem contrastes. A trama é narrada pelo professor primário da vila (Ernst Jacobi na narração, como um idoso, e interpretado por Christian Friedel como jovem) que, a bem da verdade, não conhece todos os fatos da história que está contando. O caso é que estranhos "acidentes" começam a acontecer na vila. Um médico se fere gravemente quando seu cavalo tropeça em um arame colocado entre duas árvores. O filho do Barão, o empregador de metade dos habitantes da vila, é sequestrado e surrado por desconhecidos, e encontrado vivo na floresta. Karli, um garoto portador de síndrome de Down e filho da parteira, também é atacado e quase fica cego. Quem estaria por trás destes crimes? Quem teria motivo para cometê-los? Por que, em todas as ocasiões, as crianças da vila são vistas por perto?
O desenvolvimento da trama pode sugerir um filme de suspense, em que o espectador tem que descobrir o "culpado", mas não é tão simples. Assim como no enigmático (e, para alguns, insolúvel) enigma de "Caché", Haneke não está preocupado em entregar respostas prontas. Os crimes são pontos culminantes de longas sequências de acontecimentos aparentemente cotidianos que vão montando um quadro de abusos, autoritarismo e fanatismo religioso. O pastor da vila (o ótimo Burghart Kasner) amarra os braços do filho durante a noite para que ele "não ceda às tentações de seu corpo jovem". O médico, quando volta do hospital, trata com crueldade extrema sua amante, a parteira, e aparentemente abusa sexualmente da filha. O Barão trata mal sua esposa e empregados. A todo momento há a sensação de que algo terrível está para acontecer. Há quem diga que este "algo", na verdade, é a própria história da Alemanha no século XX, prestes a entrar em duas guerras mundiais e viver para sempre com o estigma do Nazismo. O elenco orquestrado por Haneke é ótimo, e vale ressaltar a interpretação das crianças. O que dizer do diálogo em que a irmã mais velha tenta explicar o que é a morte para seu irmão mais novo? Ou o pavor da garota que conta a seu professor um sonho premonitório que ela teve? Ou a felicidade de um garoto ao conseguir convencer seu pai de que pode cuidar de um passarinho doente? Poderiam estas crianças, símbolos tradicionais de pureza e esperança, serem capazes do que o filme sugere?
Haneke não responde. Apenas mostra, no último plano, a vila reunida na igreja, os adultos em baixo, confusos e, no balcão acima, confiantes e cantando uma canção, os alemães do futuro. Eles eram felizes e não sabiam.
2 comentários:
eu assisti o filme e adorei!
o mais incrível é a intenção do diretor de mostrar que essa sociedade marcada pelo autoritarismo acabou sendo a precursora de um grupo que mais tarde apoiaria Hitler.
e eu gsotei do blog. vi na comunidade Jornalistas Blogueiros :]
Obrigado pela visita, Anna. Apareça sempre.
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