Por décadas, os grandes estúdios de Hollywood, Paramount, MGM, Universal, 20th Century Fox, entre outros, mandavam e desmandavam nos filmes criados sob seus domínios. Os diretores eram considerados apenas uma engrenagem na longa lista de técnicos responsáveis por uma produção, não mais importantes do que uma figurinista, e o produtor era a principal figura em um set. Com a chegada dos anos 60 tudo isso mudou. O público já estava cansado das fórmulas prontas dos estúdios, e fatos históricos como o festival de Woodstock e a Guerra do Vietnã pediam dos filmes uma visão mais realista do mundo. Os jovens cineastas americanos viam com inveja a liberdade desfrutada por diretores europeus como François Truffaut e Jean-Luc Goddard, e queriam fazer o mesmo nos Estados Unidos. Segundo o jornalista Peter Biskind, deste cenário teria nascido a última "era de ouro" do cinema americano. Jovens como Francis Ford Coppola, Brian de Palma, Peter Bogdanovich, Paul Schrader, George Lucas, Martin Scorsese e Steven Spielberg, entre outros, chegaram ao poder em Hollywood, mudaram as regras e produziram a última safra de filmes inteligentes e desafiadores do cinema americano, antes que a era dos "blockbusters" destruísse tudo novamente.
O livro é extremamente detalhista. Biskind se baseou em dezenas de entrevistas feitas por ele mesmo e coloca o leitor em contato direto com os bastidores de uma Hollywood distante do glamour costumeiro. A Hollywood de Biskind é habitada por pessoas talentosas mas extremamente egocêntricas, viciadas em vários tipos de drogas e capazes de tudo para ter seu nome nas telas. O título do livro faz menção a "Easy Riders", que no Brasil se chamou "Sem Destino", filme dirigido pelo ator Dennis Hopper, estrelando Peter Fonda, Jack Nicholson e o próprio Hopper. A produção foi uma bagunça. Hopper não tinha idéia de como se fazia um filme, era extremamente violento e egocêntrico e tão viciado que tinha marcado, no roteiro, que tipo de droga usaria para interpretar cada cena. Hopper não conseguia finalizar o filme e os financiadores tiveram que tirá-lo dele, cortando-o para uma duração apropriada. O filme acabou sendo um sucesso inesperado e deixou os estúdios sem saber o que fazer. Peter Fonda diz que os executivos antes pareciam confusos e faziam "não" com a cabeça. Depois do sucesso, eles passaram a fazer "sim" com a cabeça, mas continuavam confusos. Hopper se tornou cada vez mais viciado e fora de controle e nunca mais repetiu o sucesso.
"Ego" é uma palavra que aparece muito no livro. Peter Bogdanovich, que era um "nerd" viciado em cinema e crítico, dirigiu "A Última Sessão de Cinema" e foi chamado de "novo Orson Welles". Ele seguiu a carreira com outro sucesso, "Essa Pequena é uma Parada", com Barbra Streisend, e a fama lhe subiu à cabeça. Tornou-se igualmente odiado por toda a indústria, mas achava que era invencível. Acabou indo à falência após uma série de fracassos e por se envolver com uma coelhinha da Playboy que foi violentada e morta pelo ex-namorado.
Outros exemplos de cineastas destruídos pelo ego foram Francis Ford Coppola e William Friedkin. Coppola se achava um "artista", mas o diretor de fotografia Haskell Wexler o chama de "ladrão". Coppola é famoso por gastar muito o dinheiro dos outros, tendo como filosofia deixar os estúdios tão endividados que eles não poderiam mais cancelar seus filmes. Recusou fazer "O Poderoso Chefão" por diversas vezes, porque achava que estava "se vendendo" ao adaptar um livro comercial para o cinema. Fundou uma companhia chamada American Zoetrope e "emprestou" 300 mil dólares da Warner Brothers, dinheiro que nunca pagou de volta. Apesar de vários Oscars e filmes como a trilogia "O Poderoso Chefão" e "Apocalipse Now", Coppola acabou se tornando uma sombra de si mesmo. Hoje prefere fazer vinhos na Califórnia e assinar autógrafos para quem o visita na fazenda. Já William Friedkin ficou famoso com "Operação França" e teve como próximo projeto adaptar o livro "O Exorcista" para as telas. Friedkin era tão perfeccionista que passou dias e gastou milhares de dólares em uma cena em que tinha que filmar um pedaço de bacon fritando. Quando um padre de verdade, que estava atuando no filme, não conseguia transmitir a emoção que ele queria, Friedkin lhe perguntou: "Você confia em mim?". Quando o padre disse "sim", Friedkin lhe deu um tapa na rosto, conseguindo a interpretação que queria. "O Exorcista" foi um sucesso, mas Friedkin nunca mais conseguiu fazer nenhum filme bom.
Martin Scorsese era um garoto católico e asmático de Nova York que aprendeu com o professor a fazer filmes pessoais, sobre coisas que conhecia. "Caminhos Perigosos" deu ao mundo Robert DeNiro, com quem fez vários filmes juntos, como "Taxi Driver" e "Touro Indomável" (Raging Bull, também citado no título do livro). Scorsese se tornou viciado em cocaína e teve que ser internado vários dias em um hospital após ter um colapso nervoso. Está na ativa até hoje, talvez o melhor diretor americano das últimas décadas, mas longe da forma de outrora.
E há George Lucas e Steven Spielberg. É patente o esforço do autor em desacreditar estes dois cineastas e até em culpá-los pelos problemas do cinema americano dos anos 80. Pessoalmente, acho isso um pouco injusto. O caso é que Spielberg e Lucas não tinham tantas ambições "artísticas" quanto seus companheiros. Spielberg, especificamente, era um "nerd" que fazia filmes desde os 13 anos de idade, quando convocava os colegas da escola para fazer pequenos épicos em 8 mm. Um amigo emprestou dinheiro suficiente para que ele fizesse um curta em 35mm chamado "Amblin´", que impressionou tanto Sid Sheinberg, executivo na Universal, que ofereceu a Spielberg um inédito contrato de sete anos. "Encurralado", um filme feito para a televisão, era tão bom que foi exibido nos cinemas do mundo todo e levou Spielberg a fazer "Tubarão", o primeiro filme a arrecadar mais de 100 milhões de dólares na bilheteria. George Lucas até tinha idéias artísticas em seu primeiro longa, "THX 1138", uma ficção científica "cabeça" que poucos entenderam e o estúdio detestou. Lucas mudou de estratégia e fez "Loucuras de Verão", um filme leve sobre os anos 50 que rendeu muito dinheiro e agradou aos críticos. E foi então que Lucas fez um "pequeno" filme de ficção científica sobre um garoto que se junta a uma rebelião para lutar contra o Império, na figura de um vilão chamado Darth Vader. Quando Lucas apresentou um corte inicial para os amigos, Spielberg foi o único a lhe dizer que ele iria fazer muito dinheiro. Até a mulher de Lucas, Marcia, achava o filme bobo e infantil. Era "Guerra nas Estrelas", ou Star Wars, que quebrou todos os recordes de bilheteria. Quando foi relançado 20 anos depois, ainda arrecadou 250 milhões de dólares nos cinemas do mundo e já era parte da cultura popular.
O autor sugere que as obras de Lucas e Spielberg transformaram o cinema americano em uma fábrica de filmes infantilizados, sem nenhuma pretensão artística, focados apenas na bilheteria. Até certo ponto é verdade, mas é complicado culpar os dois por terem feito filmes tão bons e populares. É verdade que, depois, Lucas e Spielberg acabariam se tornando caricaturas deles mesmos. Lucas adulterou a própria obra nas "edições especiais" de Star Wars e cometeu três filmes anteriores da série que em nada lembravam os originais. Spielberg ainda fez bons filmes, mas tem a tendência a terminar todos com o inevitável final feliz hollywoodiano.
O fato é que o cinema dos anos 70 acabou sendo destruído por seus próprios criadores. O ego inflado e o acesso a grandes quantidades de dinheiro, sexo e drogas acabou com as idéias libertárias daqueles jovens e os transformaram em tiranos piores do que os estúdios contra os quais lutavam. Hoje, infelizmente, a maioria dos filmes americanos almeja apenas a bilheteria, baseando-se em histórias em quadrinhos ou antigas séries de televisão, sem se arriscar muito e lançados em milhares de salas ao mesmo tempo. Mas ainda há espaço para cineastas como Tarantino, os irmãos Coen, Soderbergh, Jason Reitman, entre outros.
Livro: "Easy Riders, Raging Bulls - Como a geração sexo-drogas-e-rock-´n-roll salvou Hollywood". Autor: Peter Biskind Editora: Intrínseca. 502 páginas. Tradução de Ana Maria Bahiana.
Abaixo, video realizado por mim em 2006 sobre Martin Scorsese e o cinema dos anos 70, similar ao tema do livro:
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