domingo, 31 de janeiro de 2010

Invictus

Nelson Mandela foi uma das figuras mais importantes do século XX. Após anos preso sob o regime de segregação na África do Sul, ele foi solto e eleito Presidente da República em 1994 na primeira eleição multirracial do país. Muitos projetos cinematográficos sobre sua vida foram imaginados, vários deles envolvendo a figura do ator Morgan Freeman, mas o filme que chega às telas agora através das mãos do diretor Clint Eastwood tem um recorte diferente do esperado. Ao invés de uma biografia tradicional de Nelson Mandela, o filme de Eastwood (baseado no livro de John Carlin) mostra o líder negro através de um esporte pouco conhecido no Brasil, o rugby.

A primeira cena explica muita coisa. De um lado da rua há uma escola rica para brancos, que treinam rugby no belo gramado. Do outro lado da rua há um pobre campo de futebol onde jogam os negros. Brancos e negros são atraídos por uma carreata que passa na rua. Um dos carros carrega Nelson Mandela, recém libertado da prisão. O rugby era o jogo preferido dos brancos da África do Sul. As cores verde e ouro do time estavam associados ao regime racista do aparthaid e eram odiadas pelos negros. Com a vitória de Mandela nas urnas, esperava-se que o time de rugby (chamado Springbok, que é uma espécie de antílope, símbolo do time) mudasse suas cores, seu emblema e seu nome. Mandela, político inteligente, foi contra. "Não vamos nos tornar aquilo que os brancos esperam de nós", diz ele. Ao invés de dissolver o time, Mandela se tornou um fã do esporte e viu na Copa do Mundo de Rugby, que aconteceria em 1995 na África do Sul, uma oportunidade de unir brancos e negros e mostrar ao mundo o que o país era capaz de fazer. Mandela então pede a ajuda do capitão do time, François Pienaar (Matt Damon), para tornar o esporte mais popular entre os negros e servir de inspiração para o país.

Clint Eastwood dirige de forma competente, mas a verdade é que o filme é de Morgan Freeman. Ele está tranquilo como Nelson Mandela, de quem empresta o carisma e devolve sua calma dignidade como ator. O filme é lento e por vezes calmo demais. As melhores cenas, curiosamente, acontecem entre os coadjuvantes, os seguranças brancos e negros que são obrigados a conviver e planejar juntos a segurança do presidente. Matt Damon está bem como o capitão do time, embora um tanto distante do personagem, sem estar de corpo e alma no filme. Há várias cenas de jogos de rugby, com suas regras relativamente desconhecidas pelos brasileiros, em cenas passadas em estádios lotados por torcidas geradas em computação gráfica.

"Invictus" é uma curiosa mistura de biografia política com filme de esporte, com suas fórmulas conhecidas, cenas em câmera lenta e final festivo. Serve também como curiosidade, em pleno ano de Copa do Mundo (de Futebol), na África do Sul, ver um time ser campeão usando uniforme verde e amarelo.

"Invictus" - Clint Eastwood. Com Morgam Freeman e Matt Damon

Câmera Escura


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Coco antes de Chanel

O visual de "Coco antes de Chanel", a biografia dos primeiros anos da famosa estilista francesa, é impecável. A direção de fotografia de Christophe Beaucarne compõe planos que mais parecem tirados de quadros de Monet ou Renoir. Igualmente notáveis são o trabalho de figurino e direção de arte, nos transportando para a França no começo do século XX, na mudança das carruagens para os carros a motor, dos lampiões para as lâmpadas elétricas. É uma produção extremamente caprichada, sem dúvida.

Já o roteiro, infelizmente, deixa a desejar. A intenção é mostrar os anos anteriores ao sucesso alcançado pela estilista Gabrielle "Coco" Chanel (interpretada por Audrey Tautou), de origem pobre, uma órfã abandonada pelo pai em um orfanato católico. Coco e sua irmã se tornam cantoras em uma casa de shows em que convivem com prostitutas e tentam evitar ser confundidas com elas. Coco é uma moça inteligente mas, aparentemente, "sem sal". Vê o mundo com os olhos práticos e cínicos de quem não espera ajuda de ninguém. Ela atrai a atenção de um nobre rico chamado Étienne Balsan (Benoit Poelvoorde) e, em uma relação prática de troca, ela passa a viver sob seu teto como sua amante e "divertimento" particular. Diferente das mulheres da época, Coco não gostava de usar as roupas apertadas e cheias de enfeites da moda e nem cavalgava sentada de lado, como "apropriado" para uma mulher. Na enorme casa de Balsan a vida é uma sucessão de festas e atividades fúteis, com amigos e parasitas convivendo com jockeys e suas amantes. Coco trava amizade com Emilienne (Emmanuelle Devos), uma atriz que adora as roupas de Coco e seus chapéus, feitos por ela mesma. Coco também se apaixona por um inglês chamado Arthur Capel (Alessandro Nívola), que está com um casamento de conveniência marcado (o que faz com que Chanel prometa que nunca irá se casar com ninguém).

Dirigido por Anne Fontaine, o filme é extremamente "agradável", mas nunca chega a decolar. Tautou (que me lembrou Audrey Hepburn), tenta dar um pouco de humanidade à fria Coco Chanel, mas creio que o roteiro não faça justiça à vida da estilista. Para uma mulher aparentemente tão à frente do seu tempo, ela parece depender demais da ajuda de um homem para sobreviver, seja como amante de Balsan ou, mais tarde, de Arthur Capel. Seu lado estilista é visto de forma superficial, como mera criadora de chapéus para as amantes e frequentadoras do castelo de Balsan. Mais para o final ela subitamente já é vista como a que viria ser uma das estilistas mais influentes do mundo da moda e o filme termina. Mas, repito, os méritos técnicos e o elenco do filme o fazem parecer melhor do que realmente é. Vale mais como um retrato de uma época do que como a biografia de uma pessoa.


segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Partir

"Partir" não é exatamente uma história de amor. É mais sobre a violência da tentativa de mudança, principalmente quando ela é inesperada, não planejada. Suzanne (a ótima Kristin Scott Thomas) é uma mulher aparentemente bem casada, com dois filhos adolescentes, que mora do sul da França. Fisioterapeuta, ela resolve voltar a trabalhar e o marido devotado (um médico muito bem sucedido) constrói para ela um consultório particular.

Acontece que Suzanne acaba conhecendo Ivan (Sergi Lopes), um pedreiro espanhol , e uma paixão avassaladora acontece entre os dois. As cenas de sexo do filme lhe renderam uma censura de 18 anos, embora não seja nada de pornográfico. Suzanne, descontrolada pela paixão, acaba contando tudo para o marido que, obviamente, não fica feliz com a situação. Ela até lhe promete terminar tudo, e ele a aceita de volta, mas a atração por Ivan é mais forte e ela volta a procurá-lo. O que acontece a seguir pode ser descrito como uma sucessão de exageros da parte de todos os envolvidos e, a bem da verdade, o filme se transforma rapidamente em uma tragédia que me pareceu um pouco forçada. Suzanne parece possuída por uma força maior do que qualquer razão e provoca no marido um misto de descrença, desespero e por fim sentimento de posse e orgulho ferido. Ela abandona o lar e chega a passar dias de sonho com Ivan e com a filha pequena dele na Espanha, mas então descobre que o marido não vai lhe facilitar a vida de forma alguma. Influente, ele até consegue fazer com que Ivan perca seu emprego em obras da prefeitura. Já Suzanne não tem melhor sorte como fisioterapeuta autônoma, e fica tentando desesperadamente receber sua parte do divórcio.

Fica difícil ter empatia com qualquer dos personagens. Podemos entender tanto a paixão de Suzanne quanto o sentimento de traição do marido, mas as ações de ambos são o caminho certo para que nada termine bem. "Partir" foi escrito e dirigido por Catherine Corsini, e deixa um gosto amargo na boca do espectador.


Trailer contém SPOILERS, esteja avisado

domingo, 24 de janeiro de 2010

Amor sem Escalas

Ryan Bingham (George Clooney) se orgulha de dizer que pode carregar toda sua vida em uma maleta. Em palestras motivacionais ele pede para a platéia se imaginar pegando tudo que têm em casa, começando pelas pequenas coisas encontradas nas gavetas, e colocando dentro de uma mala. "Movimento é vida", diz ele. Fica difícil se movimentar tendo uma mala pesada para carregar a vida toda.

Sua filosofia pode ter seus furos, mas é perfeita para o tipo de vida que ele leva. Ele é um empregado modelo de uma empresa de recursos humanos que o manda por todos os Estados Unidos para, basicamente, demitir pessoas. Ele adora viver de aeroporto em aeroporto, de um quarto de hotel para outro. Sua vida é uma sucessão programada de check-ins, aluguel de carros e programas de milhagem. Ele tem uma meta, que é acumular dez milhões de milhas em seu cartão da American Airlines.

Tudo isso é ameaçado, de repente, pela entrada na empresa de uma jovem psicóloga chamada Natalie (Anna Kendrick) que desenvolve um método mais eficiente e barato de demitir pessoas: pela internet. Ao invés de enviar dezenas de pessoas país afora, por que não fazê-lo via webcam? Bingham acha a idéia péssima, mas é obrigado pelo seu chefe a levar a garota em sua próxima viagem. Ele vai tentar mostrar a ela que demitir pessoas pode ser uma verdadeira "arte" e não pode ser feito diante de um computador.

"Amor sem escalas" é escrito e dirigido por Jason Reitman, que nos últimos anos tem se mostrado um cineasta original e interessante. São deles os filmes "Obrigado por fumar" e "Juno", e "Amor sem escalas" mantém o mesmo tipo de ironia inteligente que Reitman demonstra ao lidar com o modo americano de vida. Nesses tempos de crise permanente no mercado financeiro e nas grandes empresas, é um fato terrível que pessoas como Bingham, cuja função é demitir pessoas, existam e sejam consideradas necessárias. George Clooney está à vontade no papel. Cínico, auto confiante ao extremo, ele acha que tem toda sua vida programada, mas a mesma filosofia desumana aplicada por sua empresa pode ser uma armadilha contra ele mesmo. Há uma cena ótima em que Clooney conhece Alex (Vera Farmiga) uma mulher que poderia ser seu alter ego (ou, como ela mesma descreve, ela é como ele, mas com uma vagina). Os dois ficam flertando no bar do hotel e ela fica impressionada com o tamanho do "documento" de Clooney, ou melhor, com seu cartão de milhagens. Eles transam e, metodicamente, cada um com seu notebook, tentam descobrir quando e em que parte do país eles podem se encontrar novamente. Mas será que tudo são apenas negócios? Não há nenhum sentimento envolvido? E quando o espectador acha que já previu o final do filme, há até algumas pequenas surpresas escondidas.

Reitman reutiliza alguns atores de seus filmes anteriores para pequenas papéis, como J.K. Simmons e Jason Bateman (ambos de "Juno"), ou Sam Elliot (de "Obrigado por fumar"), mas o filme é sustentado por George Clooney. O roteiro (de Reitman e Sheldon Turner) levou o Globo de Ouro na categoria, e o filme é uma das apostas para o próximo Oscar.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Sherlock Holmes

O nome "Sherlock" é sinônimo de detetive particular. De inteligência, astúcia e, acima de tudo, método. Criação de Arthur Conan Doyle, Sherlock Holmes tinha o hábito de chegar às conclusões mais surpreendentes ao simplesmente encontrar uma pessoa. Através de pistas e de um suposto "pensamento científico", Holmes conseguia saber quem a pessoa era, onde havia estado, qual sua profissão e o que estava fazendo ali. Como companheiro de aventuras, Holmes tinha o Dr. Watson, sábio mas um tanto medroso, que acompanhava Holmes enquanto este descobria seus casos. O personagem já foi adaptado às telas do cinema incontáveis vezes e encarnado por uma série de atores.

Eis então que chegam o produtor da série "Máquina Mortífera", Joel Silver, e o diretor de "Snatch - Porcos e Diamantes", Guy Ritchie, e resolvem fazer uma versão do século XXI para o grande detetive inglês. O resultado só não é pior do que se poderia esperar por causa dos dois nomes principais do elenco, os ótimos Robert Downey Jr (Holmes) e Jude Law (Watson). O filme funciona melhor, na verdade, quanto menos se pensar que estamos vendo um filme de Sherlock Holmes. Nesta versão acelerada e "bombada" de Ritchie, Holmes é uma espécie de super herói atormentado, competente tanto nas deduções incríveis quanto nas lutas de rua. Logo no início do filme ele salva uma mulher de morrer em um ritual satânico promovido pelo cruel Lord Blackwood (Mark Strong). Blackwood é condenado à forca e é executado mas, claro, retorna dos mortos para aterrorizar Londres com um plano diabólico que me lembrou aqueles vilões dos filmes de James Bond.

O roteiro é basicamente feito de uma série de sequências em que Holmes e Watson tentam descobrir os planos secretos de Blackwood, em uma Londres do século XIX por vezes muito bem feita e interessante, em outras um efeito ruim em computação gráfica. Holmes tem encontros com sociedades secretas que acreditam em magia e desafiam as crenças científicas dele. No lado pessoal, Watson está para se casar com uma mulher chamada Mary, o que ataca os ciúmes do companheiro Sherlock, também às voltas com uma mulher misteriosa chamada Irene Adler (Rachel McAdams). (Se o objetivo do filme era ser inovador, por que os produtores não resolveram tirar Sherlock e Watson do armário e assumir o romance?).

O filme não é exatamente ruim. As interpretações de Downey e Law salvam grande parte das cenas, com alguns bons diálogos e troca de insinuações. Há cenas muito boas de Londres e da recriação de época. Há uma tentativa de desmistificar o personagem e lhe tirar aquele "verniz" inglês e esnobe. Mas, no fundo, há muita verdade na piada que anda pela internet que chama o filme de uma mistura de "Statch", "Clube da Luta" e "Homem de Ferro". Para uma recriação muito melhor do personagem, deve-se assistir ao ótimo filme feito por Barry Levinson e produzido por Steven Spielberg em 1985, chamado "Young Sherlock Holmes" (ou "O Enigma da Pirâmide").