domingo, 26 de dezembro de 2010

Minha Terra, África

A África foi e continua sendo um dos continentes mais explorados e prejudicados da era moderna. Os países europeus a dividiram em pedaços, desrespeitaram fronteiras culturais e tribais e a pilharam até o último centavo. Os reflexos continuam sendo vistos; revoluções contínuas, fome, doenças, ditadores, minas terrestres, morte.

"Minha Terra, África", da roteirista e diretora francesa Claire Denis, vai fundo na exposição de todos estes problemas do ponto de vista de uma mulher branca, Maria Vial, apegada a uma plantação de café em um país africano não identificado. Maria é interpretada por Isabelle Huppert, e o primeiro plano dela no filme é um choque. A grande atriz francesa se expõe com todas as marcas da idade e um olhar que mistura cansaço com determinação cega. O país está tomado por uma guerra civil, pessoas estão sendo mortas à esmo e todos os empregados de Maria na fazenda estão fugindo, mas Maria, com um pragmatismo branco e capitalista, argumenta que falta apenas uma semana para o café estar pronto para vender e é incapaz de ver os problemas à sua volta. Crianças portando armas como lanças e rifles automáticos invadem a fazenda e, como fantasmas, passeiam pelos cômodos fazendo pequenos furtos e atacando o filho de Maria, Miguel (Nicholas Duvauchelle), mas ainda assim a francesa não consegue desistir do que considera sua propriedade e sua colheita.

Christophe Lambert (sim, o velho galã careteiro dos anos 80) interpreta André, marido de Maria, que tenta fazer um acordo com o prefeito local para trocar a fazenda pela segurança da família. Para isso ele precisa da assinatura do sogro, um senhor que mora em uma casa ocidental com ar condicionado em meio ao calor africano. "Minha Terra, África" não é um filme fácil. A câmera na mão está quase sempre próxima dos personagens, dando uma sensação de claustrofobia. O trabalho de som é muito bom, mas também serve para oprimir o espectador em um mundo em que a natureza é onipresente, com o constante som dos insetos zumbindo alto. A vida humana não vale muita coisa neste ambiente doente e em decadência, e Denis não tem escrúpulos em mostrar como tudo é pobre e sem esperanças. Em um diálogo revelador, um velho africano diz à Maria que não foi embora porque não conseguiria se adaptar em nenhum outro lugar. Quando Maria diz que também não, ele diz que há uma diferença importante: ela não vai embora porque tem medo que tomem o que ela julga ser dela. É essa possessividade que fará com que, no final, Maria fique sem nada. (visto em pré-estréia no Topázio Cinemas, em Campinas).


72 Horas

"72 Horas" carece de foco. É um filme indeciso entre ser um thriller clássico de fugitivo, um drama familiar ou, ainda, a saga particular de um marido obcecado pela inocência da esposa. O marido, no caso, é Russell Crowe, carismático e competente como de costume e carregando o filme nas costas. Sua esposa Lara (Elisabeth Banks) foi condenada pelo assassinato da própria chefe e enviada para uma prisão municipal em Pittsburgh.

As "72 horas" do título, na verdade, demoram a começar. O drama se estende por mais de três anos, desde a prisão de Lara, e foca na vida do professor universitário John Brennan (Crowe) e seu filho pequeno Luke. Escrito e dirigido por Paul Haggis, o roteiro não tem pressa. Haggis foi para o time "A" dos roteiristas/diretores de Hollywood após ganhar o Oscar por dois anos seguidos, o primeiro pelo roteiro de "Menina de Ouro", de Clint Eastwood, e depois os prêmios de roteiro e direção por "Crash", filmes com duração longa. O cacife de Haggis é tão alto que, para "72 Horas", ele pode se dar ao luxo de ter coadjuvantes como Lian Neeson, que só aparece por alguns minutos, e Brian Dennehy, que interpreta o pai de Crowe e diz no máximo cinco frases.

John Brennan fica obcecado com a idéia de, esgotadas todas as opções legais, tirar a esposa da prisão por outro meio. Lian Neeson, um criminoso que escapou sete vezes da prisão, lhe passa as informações necessárias para que ele bole um plano que requer a obtenção de documentos falsos, ter um meio de sair do país e, claro, conseguir tirar a mulher da penitenciária sem ser preso ou morto. A interpretação sincera de Crowe e o passo lento do roteiro até conseguem, por vezes, dar verossimilhança a esta premissa absurda. Interessante como Haggis mostra que é teoricamente possível, pesquisando vídeos e tutoriais na internet, aprender desde como se abre uma fechadura até arrombar um carro. O problema é que o roteiro vai se tornando cada vez mais absurdo e, quando o espectador imagina que o filme está para acabar, é como se outro se iniciasse, a partir da fuga de Lara da prisão. Só então "72 Horas" passa a ter aquele ritmo e trama esperados de um filme no estilo de "O Fugitivo", com o agravante que não é só uma pessoa tentando escapar da polícia, mas um homem, uma mulher e uma criança de seis anos.

Para quem gosta de boas interpretações e um ritmo de um cinema mais "clássico", "72 Horas" tem seus pontos de interesse. Mas a trama é cheia de furos e, acabada a sessão, o filme não se sustenta até o final dos créditos.


domingo, 12 de dezembro de 2010

José e Pilar

José e Pilar é, antes de mais nada, uma bela história de amor. Gravado entre 2006 e 2009, o documentário acompanha a vida extremamente agitada e ocupada do escritor e de sua esposa, a jornalista espanhola Pilar del Rio. Vinte e oito anos mais nova que o marido, Pilar é uma força na tela. Ela organiza a agenda de Saramago, dá entrevistas, organiza sua biblioteca e é a presidenta da "Fundação José Saramago". Sim, presidenta, com "A", como ela faz questão de frisar a um jornalista português que usa a palavra no gênero masculino.

O documentário tem produção do estúdio "El Deseo", de Almodovar e da produtora "O2", de Fernando Meireles. Dirigido por Miguel Gonçalves Mendes, o filme começa em 2006, quando Saramago e Pilar estavam organizando uma biblioteca. O escritor é visto concentrado diante do computador, mas se engana quem o imagina escrevendo a mais nova obra prima das letras; a câmera revela que o Prêmio Nobel de Literatura de 1998 está, na verdade, jogando "paciência" no notebook, para "afastar o Alzheimmer", diz Saramago. Um dos principais charmes deste documentário é exatamente o de mostrar momentos caseiros como este. O filme também exibe mais do conhecido ateísmo do escritor português, famoso por suas declarações polêmicas contra a religião e a igreja. "Era de se imaginar", diz Saramago, "que alguém com 83 anos começasse a ficar preocupado com deus, mas isso não acontece comigo".

A agenda do escritor é brutal. Com Pilar à frente, Saramago enfrenta uma maratona interminável de entrevistas, noites de autógrafo, horas passadas em aeroportos e voando entre os continentes e fazendo declarações aos jornalistas que, segundo ele, perguntam sempre a mesma coisa. Há uma cena muito engraçada em que Saramago vira para a câmera, antes de entrar em uma feira de literatura, e diz que vai reciclar uma frase antiga que ele nem lembrava que tinha dito. Segundos depois nós o vemos usando a frase, como havia prometido.

A saúde do escritor finalmente cedeu no final de 2007 e ele passou semanas no hospital, à beira da morte. Saramago chegou a dizer à esposa que temia não terminar o livro que estava escrevendo, "A Viagem do Elefante", mas ele não só o terminou como, saúde restabelecida, voltou às viagens internacionais. A parte final do filme é bem brasileira, passada entre São Paulo e o Rio de Janeiro. Há uma cena muito tocante (que já circulou pelo youtube) de Saramago se emocionando com uma sessão privada de "Blindness", versão de Fernando Meirelles para "Ensaio sobre a Cegueira". Meirelles ficou tão feliz com a aprovação do escritor que mal pode se conter, chegando a beijar Saramago.

Mas o que fica de todas essas imagens, autógrafos, vôos internacionais e feiras de literatura é o amor entre Pilar e José. Os dois oficializam o casamento pela segunda vez em uma cerimônia civil simples e tocante. “Se eu tivesse morrido antes de te conhecer, Pilar, teria morrido sentindo-me muito mais velho", Saramago diz em uma convenção. Em uma placa de rua que leva o nome da esposa, Saramago lhe fez esta dedicatória: "À Pilar que ainda não havia nascido e tanto tardou a chegar”.

José Saramago morreu em 18 de junho de 2010, aos 88 anos. (o filme está em cartaz no Topázio Cinemas, em Campinas). Imperdível.


Megamente

A animação em computação gráfica deixou de ser novidade há um bom tempo. Assim, quando vemos um filme animado que é tecnicamente bem feito, isso também não deveria mais contar como uma qualidade. Mesmo assim, é fato que a qualidade da animação em "Megamente", produção da mesma DreamWorks Animation que Shrek, é de um nível comparável à Pixar. Há uma cena passada na chuva em que dois personagens estão passando por uma separação difícil que é extraordinária na qualidade da imagem e na "interpretação" dos personagens. Mas não há muito mais em "Megamente" que possa ser recomendado.

O filme começa em um estilo "Superman". Dois planetas estão para ser sugados por um buraco negro e pais preocupados colocam seus filhos em naves espaciais que escapam da destruição e vão parar no planeta Terra. Uma das naves carrega "Metroman", um superbebê heróico, loiro, de olhos azuis, que cai na mansão de uma família rica dos Estados Unidos. A outra nave acaba caindo em um presídio de segurança máxima onde "Megamente", um alienígena de cor azulada e cabeça grande, aprende com os piores presos do país a ser um criminoso. Os dois são superdotados e têm poderes, mas somente Metroman é bem aceito pelos terráqueos. O feio Megamente acaba desistindo de querer agradar aos seres humanos e se transforma em um vilão, o principal antagonista de Metroman.

Os animados da DreamWorks costumam ser acusados de serem cópias de segunda classe dos filmes da Pixar, e com Megamente não é diferente. Há uma boa dose de "Os Incríveis" no roteiro, principalmente no personagem de um cinegrafista que, recebendo superpoderes de Megamente, é bastante parecido física e psicologicamente com o vilão do filme da Pixar. O próprio Megamente, a bem da verdade, com sua vontade de ser um vilão conhecido e conquistar a todos, lembra muito Gru, de "Meu Malvado Favorito" (que não é da Pixar, é verdade). Ele até tem um animal de estimação (um peixe de aquário) que lembra muito o cão de Gru. E por que os desenhos animados ultimamente tem que ser tão barulhentos? "Megamente" tem uma trilha sonora composta principalmente por AC/DC que é tocada no último volume o tempo todo.

O filme é de certa forma ousado, embora nada original, em subverter os papéis de vilão e herói. Logo no início, Megamente surpreende o mundo todo (e principalmente a si mesmo) quando consegue derrotar Metroman em um daqueles "planos infalíveis". Com Metroman destruído, ele ocupa a prefeitura e começa a saquear os tesouros do mundo. Isso o satisfaz por alguns dias, mas logo ele começa a sentir falta justamente de seu pior inimigo. O que foi que ele fez? De que adianta sequestrar a esperta repórter Rosana Rocha (obviamente baseada em Louis Lane) se Metroman não vai aparecer para salvá-la?

"Megamente" está sendo lançado em versões 2D e 3D, com seu preço exorbitante. A versão bidimensional funciona perfeitamente bem, sem ter que pagar o preço extra. "Megamente" é sem dúvida bem feito e tem algumas boas risadas mas, em termos de vilões, não chega perto do "Meu Malvado Favorito" (veja o filme no Topázio Cinemas).


sábado, 11 de dezembro de 2010

Harry Potter e as Relíquias da Morte

O último livro da saga Harry Potter foi dividido em dois filmes. Os fãs vão adorar, pois isso significa que praticamente cada palavra do enorme livro vai ser transposta para as telas. Para quem tem só um interesse cinematográfico ou passageiro no personagem, no entanto, a idéia soa como um grande golpe de marketing, para atrair duas bilheterias em lugar de uma.

Não é um filme ruim. Dirigido por David Yates, "As Relíquias da Morte" é bem feito, tem uma bela direção de fotografia e direção de arte inventiva. Mas sofre do problema de ter um público muito específico. É extremamente lento, pesado e, a bem da verdade, apenas um meio para se chegar ao final verdadeiro, em episódio que será lançado em julho de 2011.

Após a morte de Alvo Dumbledore (Michael Gambon) no final do filme anterior, o mundo está tomado pelos poderes das trevas, lideradas pelo malígno Lorde Voldemort (Ralph Fiennes, ótimo ator, escondido sob uma maquiagem que faz seu rosto parecer com o de uma cobra). Harry Potter (Daniel Radcliffe) e os amigos inseparáveis Ron Weasley (Rupert Grint) e Hermione (Emma Watson) têm que encontrar as "horcruzes", artefatos que contem partes da alma de Voldemort, e destruí-las. Só assim o vilão poderia ser destruído. Mas onde estariam os tais artefatos? Dumbledore deixou algumas pistas na herança que deixou para Potter e seus amigos, e eles partem para encontrá-los.

Ao contrário dos filmes anteriores, que se passavam na escola de Hogwarts e arredores, "Relíquias da Morte" tem longas sequências passadas em florestas cobertas de neve ou penhascos cheios de pedras. O grande número de personagens do início do filme dá lugar a cenas intermináveis em que os três amigos, agora adolescentes, caminham por estes cenários desolados enquanto escutam, no rádio, o nome dos bruxos mortos ou desaparecidos na guerra que está acontecendo à distância. O fato deles não serem mais crianças traz problemas novos entre os três, como o ciúme de Ron por Harry Potter por causa do suposto interesse dele por Hermione.

Com 147 minutos de duração, é realmente um filme voltado exclusivamente aos fãs fervorosos da série. Boas sequências, como quando Potter volta à sua terra natal e encontra o túmulo dos pais, estão perdidas em meio a cenas intermináveis, deprimentes e sombrias. Personagens importantes como Snape (Alan Rickman) aparecem momentâneamente para nunca mais voltar. Hermione passa grande parte do tempo tentando explicar o próprio enredo a Potter e Weasley, que também parecem cansados. Há, porém, uma sequência extraordinária quando um personagem conta a história das "Relíquias da Morte" para Harry Potter. Toda feita em animação, a sequência é como um curta metragem à parte, magnificamente projetado e criado em computação gráfica. É um exemplo de síntese que, infelizmente, não foi aplicado ao resto do filme.


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A Rede Social

Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) descobriu o potencial das redes sociais quando era aluno na Universidade de Harvard. Uma noite de 2003, depois de levar um "fora" da namorada, ele quis se vingar falando mal dela online. Também invadiu o banco de dados das alunas de Harvard e de diversas outras redes, criando um site em que os visitantes eram convidados a escolher, na tela do computador, qual a mais "atraente" entre duas garotas. Em poucas horas seu site se espalhou de forma viral pelo campus e o tráfego de informações foi tão grande que Zuckerberg derrubou o servidor de Harvard. A experiência lhe mostrou o quanto as pessoas se interessam em saber da vida alheia e em como elas, na verdade, colocariam voluntariamente informações sobre suas vidas para os outros verem. O ambiente universitário, carregado com altas doses de ambição, sexo e dinheiro, caiu como uma luva para a "república" virtual que Zuckerberg criou. Ele seria o bilionário mais jovem do mundo em pouco tempo.

Esta história é contada de forma muito competente pelo diretor David Fincher (de "Clube da Luta", "Zodíaco"), com roteiro de primeira de Aaron Sorkin, escritor e criador de séries premiadas como "The West Wing" e "Sports Night". Sorkin é habilidoso em escrever diálogos rápidos, irônicos e cheios de informações técnicas que, às vezes, até deixam o filme difícil de acompanhar, mas são um prazer de escutar. O filme parte de dois processos judiciais contra Zuckerberg. Um deles é feito por dois irmãos gêmeos de Harvard (interpretados pelo mesmo ator, duplicado digitalmente, Armie Hammer), campeões de remo que contrataram Zuckerberg para desenvolver um site. Eles o acusam de roubar a idéia deles para criar o Facebook.

O outro processo é mais pessoal, envolvendo o antigo melhor amigo de Zuckerberg, Eduardo Saverin (Andrew Garfield). Saverin teria desenvolvido o código matemático usado por Zuckerberg em seu site, além de bancar financeiramente os primeiros passos do Facebook. Acompanhamos as tramas em elaborados flashbacks que mostram o ambiente ultracompetitivo, classe alta, branca e protestante de Harvard. Também tem papel importante o criador do Napster, Sean Parker (o cantor Justin Timberlake), que consegue "enfeitiçar" Zuckerberg com suas histórias sobre como teria derrubado a indústria da música (além de ser processado, preso por porte de drogas e outros delitos) enquanto tenta afastar Eduardo Saverin do Facebook.

Com duas horas de duração, "A Rede Social" é bem mais profundo e bem feito do que se poderia esperar de um filme sobre um programa de computador. Fincher e Sorkin, auxiliados por um ótimo elenco (Eisenberg está especialmente bem como o obsessivo Zuckerberg) conseguem capturar o lado humano destas pessoas extremamente técnicas e ambiciosas, além de revelar o lado exibicionista, e carente, da sociedade moderna.


sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Você vai conhecer o homem dos seus sonhos

Shakespeare diz em uma de suas peças (Macbeth) que a vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, e que não significa nada". É assim que Woody Allen começa seu mais novo filme. Escrever sobre Allen, assim como ver um filme dele, é um prazer. O diretor veterano se mantém tão ativo que muitos o acusam de estar decadente. Na verdade seus filmes ainda estão bem acima da média da bobagem que tem povoado as telas recentemente. Sim, há uma espécie de "fórmula" para um filme de Woody Allen. Homens e mulheres com problemas conjugais, diálogos irônicos, jazz na trilha sonora e a sensação de que o mundo é feito de peças de teatro, óperas, galerias de arte e conversas sobre o ato de escrever. Só que em meio a este mundo aparentemente fora da realidade há espaço para pequenos e grandes dramas humanos, cheios de som e fúria, significando a vida e a morte para seus protagonistas, mas nada no esquema geral do mundo.

Helena (Gemma Jones) é uma senhora que perdeu o "chão" quando o casamento de 40 anos terminou. O ex-marido, Alfie (Anthony Hopkins), se assustou com a idade e caiu naquele padrão patético do idoso que deixa a esposa e passa a frequentar academias de ginástica e sair com garotas de programa. Helena vai buscar consolo em uma vidente chamada Cristal (Pauline Collins), que logo na primeira sessão vê "ondas coloridas positivas" indo na direção de Helena. Claro que ela é uma charlatã, mas ao menos é mais pessoal que os psiquiatras que tratavam de Helena antes, com frieza e remédios.

Helena é mãe de Sally (Naomi Watts), que trabalha em uma galeria de arte chefiada pelo atraente Greg (Antonio Banderas). Sally é casada com um americano, Roy (Josh Brolin), que já foi um escritor de sucesso. Incapaz de escrever um livro bom novamente, Roy passa o dia espiando e "buscando inspiração" na vizinha do outro lado da rua, a indiana Dia (Freida Pinto). A garota é violonista clássica e está noiva de um rapaz que está sempre viajando.

Allen, com seu talento habitual, cruza e descruza o caminho destas pessoas pelas ruas de Londres. Sally se apaixona pelo chefe espanhol, que aparentemente está interessado nela. Alfie se casa com uma prostituta chamada Charmaine (Lucy Punch, a personagem mais caricata do filme), que obviamente só está interessada no dinheiro dele. O novo livro de Roy é rejeitado pela editora e um de seus amigos, também escritor, sofre um grave acidente e fica em coma. Só que, antes do acidente, ele havia deixado o manuscrito de um ótimo livro para Roy ler, e Roy começa a imaginar se o amigo vai acordar um dia ou não. Todos estes personagens tem que lidar com a fascinação de Helena pela vidente e por sua recém descoberta "espiritualidade". Helena consulta Cristal regularmente e acredita piamente em todas as visões da charlatã.

A trama lembra o extraordinário "Interiores", filme extremamente sério que Allen escreveu e dirigiu em 1978. Aquele filme também lidava com uma mulher cujo marido a havia abandonado e sua filha com problemas no casamento com um escritor. Talvez o tempo tenha mostrado a Allen que tudo isso, no final, não "significa nada" e ele resolveu fazer uma comédia sobre o mesmo assunto. Para os cinéfilos, um filme de Woody Allen sempre significa alguma coisa, e este não é exceção.


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Senna

Sexta-feira, 29 de abril de 1994, Grande Prêmio de San Marino, Itália. O jovem Rubens Barrichello voa em uma zebra durante o treino classificatório em um acidente espetacular, do qual sai ileso. No sábado, dia 30, Roland Ratzenberger não teve a mesma sorte. Um acidente grave custou-lhe a vida, e uma sombra negra pairou sobre o "circo" da Fórmula 1. Um dos mais afetados foi um brasileiro chamado Ayrton Senna da Silva, 34 anos, três campeonatos mundiais e um ícone do esporte. Ele havia trocado a equipe Mclaren pela Williams, não estava enturmado com a equipe de engenheiros e, o mais grave, não estava em paz com o carro. Mudanças no regulamento haviam proibido as inovações eletrônicas que haviam dado o quarto campeonato mundial a Alain Prost no ano anterior, e nem a habilidade de um piloto como Senna conseguiam manter a Williams na pista. No domingo, primeiro de maio, a tragédia.

O grande prêmio deveria ter sido suspenso devido à morte de Ratzenberger? Senna, inseguro, deveria ter desistido de correr? Se ele não tivesse saído da Mclaren, seu destino seria outro? Estas perguntas ficam na cabeça do espectador depois de assistir ao documentário "Senna", dirigido por Asif Kapadia para a produtora inglesa Working Title. O documentário é todo feito a partir de imagens de arquivo, em um ótimo trabalho de seleção e edição. Vozes em off completam o filme, com depoimentos da família de Senna e de pilotos e comentaristas da Fórmula 1, como Reginaldo Leme. Há cenas muito boas cedidas pela família ou recuperadas por televisões do mundo todo, muitas delas providenciadas pela Rede Globo. O arquivo pessoal da família mostra imagens de Senna muito jovem, em 1978, competindo de kart na Europa e já chamando a atenção do mundo. Senna diz que era competição pura, sem politicagens ou dinheiro, problemas que ele teria que enfrentar depois na F1.

Grande ênfase é dada ao relacionamento conturbado que Senna teve com seu companheiro de equipe na Mclaren, Alain Prost. O "professor", como era conhecido, era um mestre em tirar vantagem tanto do carro quanto na política envolvida no esporte. Em especial sua ligação com Jean-Marie Balestre, também francês, que dirigia a Federação Internacional de Automobilismo. Se o filme fosse feito no Brasil, provavelmente teria sido dado destaque também à relação não muito amigável entre Senna e Nelson Piquet. Os dois foram explorados pela imprensa como lados opostos da mesma moeda, Senna era o "bom" e Piquet era o "mau". Quando hoje se vê Rubens Barrichello, bom piloto mas simples pelego de equipes como Ferrari, que mandavam e desmandavam nele, é difícil lembrar como eram competitivos pilotos como Ayrton Senna e Nelson Piquet. Piquet podia não ser tão genial quanto Senna dentro de um carro, mas também foi tri-campeão mundial e era arrojado como ninguém. Senna acabou levando a fama de "bom moço", era muito mais acessível e ficou conhecido por seus trabalhos filantrópicos. Mas o documentário mostra que, nas pistas, ele também não era nenhum "santo". Após ter perdido o campeonato mundial para Prost em 1990, no Japão, após uma manobra discutível do francês e pela politicagem da FIA, Senna não teve dúvidas; no ano seguinte, jogou seu carro contra Prost, também no Japão, e venceu seu segundo campeonato mundial.

O que vemos em "Senna" é o retrato de um homem obcecado pela velocidade e pela vitória. É impressionante ver como os carros da sua época eram guiados realmente pelo piloto manualmente, e não por "controle remoto" dos boxes, como é praticamente feito hoje. O câmbio ainda era mecânico, por exemplo, e nas câmeras colocadas no carro podemos ver Senna "voando" pelas ruas estreitas de Mônaco, pilotando com a mão esquerda (ele era canhoto) e mudando as marchas com a direita. Pilotar era sua paixão e seu objetivo era vencer. O documentário traz cenas incríveis das ultrapassagens de Senna, seu trabalho de recuperação quando largava mal e feitos como quando venceu o Grande Prêmio do Brasil tendo apenas a sexta marcha funcionando.

Felizmente, o documentário não tenta endeusar o homem. As conquistas de Senna falam por si em imagens de suas vitórias dentro e fora das pistas. E, claro, quando ele está dentro da Williams, rosto triste e conturbado, esperando a corrida começar em Ímola, temos vontade de lhe dizer para sair do carro e ir para casa. Senna acabou sendo vítima da própria obsessão. Muito se fez para tentar culpar a equipe Williams, dos mecânicos ao próprio Frank Williams, pela morte de Ayrton Senna. Mas isso é bobagem. Quanto mais o carro o desafiava, mais ele tentava conquistá-lo. Senna morreu porque foi, até o último minuto, um piloto de corrida.


terça-feira, 2 de novembro de 2010

A Suprema Felicidade

Uma aluna de jornalismo de 18 anos, ao ler um texto meu em que me referia ao "cineasta e jornalista Arnaldo Jabor", me perguntou: "Cineasta?". Para os mais novos, Arnaldo Jabor é sinônimo de jornalista, de crônicas apimentadas, polêmicas, de humor sarcástico e cínico. Os um pouco mais velhos lembram de Jabor como o cineasta de "Toda nudez será castigada" (1973, vencedor do Urso de Prata em Berlim) ou "Eu sei que vou te amar" (1986, que deu a Fernanda Torres o prêmio de Melhor Atriz em Cannes). Jabor se tornou colunista e cronista nos anos 1990, depois que a extinção da Embrafilme pelo governo Collor causou a queda brusca da produção cinematográfica brasileira.

Ele volta para trás das câmeras com "A Suprema Felicidade", que tem muitos dos cacoetes do cinema nacional pré-retomada (movimento iniciado com "Carlota Joaquina", em 1995), como cenas de nudez gratuitas, interpretações tendendo ao teatral e problemas de roteiro. Autobiográfico, "A Suprema Felicidade" fala sobre a vida de Paulo, um rapaz que cresce no Rio de Janeiro nos anos 50 e 60. Já a primeira cena do filme mostra uma cena de sexo entre Marco (Dan Stulbach) e Sofia (Mariana Lima) pais de Paulinho aos 8 anos (Caio Manhente). É das poucas cenas felizes entre o casal, que passa grande parte do filme brigando por problemas típicos da metade do século XX, como o machismo, a bebida e as relações fora do casamento. Marco é um aviador que sonha em voar com jatos e que conheceu a mãe de Paulinho em um baile, em 1939. As interpretações de Stulbach e Mariana Lima são exageradas. Há algumas cenas que não funcionam, como quando Stulbach ralha com o filho por não estar segurando a colher direito, no jantar, sendo que o garoto sequer estava com a colher na mão. Em uma cena de ciúme, ele rasga a alça do vestido da esposa, que fica com os seios à mostra da família e do próprio filho, chorando, por um longo tempo, sem se cobrir.

Jabor tenta mostrar os problemas do machismo no século XX com este casal, mas é importante dizer que a mãe de Paulo é das poucas mulheres a aparecer em cena que não são, ou foram, prostitutas. A avó de Paulo (Elke Maravilha, imaginem) era uma dançarina de cabaré quando o avô (Marco Nanini), um músico, a conheceu e se apaixonou. Nanini é, de longe, a melhor parte do filme. Seu personagem, mesmo que um pouco caricato, é a alma da história. Ele está ótimo como um boêmio que já viveu muito, viu de tudo e tem sempre bons conselhos para dar para o neto. É sem dúvida a melhor interpretação do filme, e merecia até mais espaço.

O resto da história é dedicada a um olhar nostálgico sobre um Rio de Janeiro sem traficantes de drogas ou policiais do BOPE. Mas será que era tão bom assim? No colégio, os padres ficavam contando histórias sobre o inferno para os estudantes que praticassem o "vício solitário". Michel Joelsas, que foi o garoto em "O ano que meus pais sairam de férias" (2006) interpreta Paulo aos 13 anos e Jayme Matarazzo aos 19. Há nostalgia também da "malandragem" carioca, das frases de duplo sentido ensinadas pelo pipoqueiro aos meninos e dos carnavais de rua. Mas é como se os personagens soubessem que estão em um filme. Há duas cenas que misturam sonho e realidade, uma em que dezenas de dançarinos invadem a rua em uma espécie de musical, e outra envolvendo várias prostitutas se exibindo em um casarão da Lapa. É assim que Paulo tem contato com as mulheres. Há uma sequência bastante bizarra envolvendo Maria Flor, que interpreta uma garota espírita que psicografa cartas da mãe morta. As flores do vestido, os quadros na parede e a alta torre remetem, sem motivo aparente, a "Um Corpo que Cai" (1958), filme de suspense de Alfred Hitchcock. Há também a "prostituta virgem" Marilyn (Tammy di Calafiori, lembrando muito Scarlett Johansson), agenciada pela própria mãe (Maria Luisa Mendonça, também bizarra). A garota é primeiro assediada pelo pai de Paulo, depois pelo próprio, que a paga para ser sua "namorada".

Longo (125 minutos) e episódico, "A Suprema Felicidade" tem bela fotografia de Lauro Escorel e direção de arte de Tulé Peak. Há várias boas sequências intercaladas por outras desnecessárias. Fica claro o calor de Jabor (expresso em suas crônicas) em fazer o filme, mas ele poderia ser menos irregular.


sábado, 30 de outubro de 2010

Federal

Impossível falar sobre "Federal" sem comparar com "Tropa de Elite". E é como comparar um episódio de uma série barata de televisão com um filme de Scorsese. "Federal" é, em vários aspectos, vergonhoso. É o primeiro longa metragem de Erik de Castro, cujo perfil no "press kit", disponível no site oficial, diz que ele estudou cinema em Los Angeles, e que o roteiro de "Federal" participou do conceituado laboratório de roteiros do Instituto Sundance.

"Federal" se passa em Brasília, terra natal do diretor, e o título se baseia tanto na capital quanto na polícia federal, cujos protagonistas do filme são membros. São todos clichês. Carlos Alberto Riccelli é Vital, delegado da Polícia Federal que luta contra o principal traficante de Brasília, Béque, interpretado pelo músico Eduardo Dussek, que está totalmente desperdiçado. Dussek, em seus shows, é irreverente, divertido, engraçado. Aqui ele é uma caricatura de um "vilão". Selton Mello (incansável e precisando escolher melhor seus projetos) é Dani, um policial jovem e "do bem", que é contra as torturas usadas pelos companheiros para conseguir informações. "A ditadura acabou", diz ele, que tem um diálogo patético com Riccelli a respeito dos "anos de chumbo". Mello e Riccelli são acompanhados pelos colegas Cesário Augusto (o policial Lua) e Christovan Neto (Rocha, o obrigatório personagem negro estereotipado).

O elenco ainda conta com a participação "especial" de Michael Madsen, ator americano que já trabalhou com Tarantino em filmes como "Cães de Aluguel" e "Kill Bill", como um policial do DEA (Drug Enforcement Administration). Madsen, com sua voz rouca, faz duas ou três cenas, contracenando com Riccelli e Dussek, e desaparece da mesma forma como surgiu, sem dizer a que veio. Praticamente todo roteiro, aliás, sofre da falta de coerência. O Dani de Selton Melo é um personagem sem família, amigos ou um passado. Ele se envolve com uma mulher "quente" em uma boate que é descrita como uma "diplomata venezuelana", Sofia (Carolina Gómez). Cenas episódicas se seguem na tela e não se vê ligação entre os personagens, sua motivação ou a consequência de suas ações. Há cenas que lembram "Tropa de Elite", como a tortura de um bandido colocando um saco de plástico em sua cabeça. Mas não há nenhuma explicação ou detalhamento sobre como funcionam as operações da Polícia Federal ou qual o processo que levou à formação de áreas pobres nos arredores de Brasília. O "vilão" de Dussek também não tem história, ele simplesmente é um cara "mau". De tantos em tantos minutos, uma cena de sexo "tórrida" acontece na tela para animar um pouco a pobreza do roteiro.

Há mais conteúdo em um dos planos finais de "Tropa de Elite 2", aquele que mostra Brasília, do que em todo filme "Federal". Sim, são filmes diferentes, propostas diferentes. Mas não é justificativa para a falta de seriedade.


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

London River - Destinos Cruzados

Não é por acaso que o título brasileiro de “London River” seja “Destinos Cruzados”, o mesmo dado a um filme de Sydney Pollack, em 1999. Naquele filme, Harrison Ford e Kristin Scott Thomas se conhecem ao investigar a morte de seus respectivos esposos. Eles descobrem que os dois, que haviam morrido em um acidente aéreo, eram amantes. Em “London River”, uma viúva inglesa chamada Elisabeth Sommers (Blenda Blethyn), mora na Ilha de Guernsey, onde tem uma pequena fazenda onde planta vegetais. Já o africano (não fica claro de onde ele é) Ousmane (Sotigui Kouyaté) mora na França há quinze anos e trabalha como guarda florestal. Os dois vão procurar pelos filhos e também descobrem que eram amantes.

Em 7 de julho de 2005, uma série de atentados terroristas aconteceu em Londres, explodindo trens do metrô e ônibus. Elisabeth fica sabendo das notícias pela televisão e liga para a filha, que mora em Londres, mas só atende a caixa postal. Preocupada, ela parte para a cidade. Ousmane fica sabendo pela mulher, da África, que também não tem notícias do filho, que está em Londres. Ousmane não o vê desde que ele tinha seis anos de idade, e parte para a capital da Inglaterra sem nem saber como o filho se parece. Elisabeth e Ousmane, ela branca e cristã, ele negro e muçulmano, vão se encontrar em Londres procurando por seus filhos.

“London River” é daqueles filmes em que a interpretação dos atores é sua principal qualidade. O roteiro e direção do franco-argelino Rachid Bouchareb não têm nada de extraordinário, e o filme, mesmo curto, se arrasta em uma série de cenas repetitivas, em que a inglesa e o africano ficam se encontrando em hospitais, supermercados e meios de transporte. Elisabeth descobre que a filha morava no segundo andar de um prédio em uma vizinhança muçulmana de Londres. Cheia de preconceitos, ela fica horrorizada por saber também que a filha estava aprendendo árabe (“Quem fala árabe?”, ela pergunta para a professora da filha). Ousmane fica sabendo que o filho frequentava a mesma aula que a filha de Elisabeth, e encontra uma foto em que os dois estão juntos. Ele entra me contato com a Elisabeth, que ao invés de se juntar a ele na busca pela filha, chama a polícia.

Blethyn e Kouyaté dão ao filme dignidade e realismo. O ator, que morreu em abril deste ano, aos 73 anos, interpreta Ousmane como um homem que viveu por muito tempo e não conheceu a família. Alto e magro, ele caminha por Londres apoiado em uma bengala e lida com o preconceito de Elisabeth com calma e paciência. Kouyaté ganhou o Urso de Prata em Berlim por esta interpretação. Blenda Blethyn é a típica mãe que descobre que não conhece a própria filha. Mas a preocupação quanto ao destino dela faz com que, aos poucos, sua revolta e preconceitos vão cedendo. Relutante, ela aceita a ajuda de Ousmane e os dois continuam procurando por seus filhos entre as centenas de mortos e feridos dos atentados. Um filme americano provavelmente teria criado um romance entre os dois (como no filme de Pollack), e sem dúvida seriam interpretados por atores mais novos. “London River” é mais documental, realista. O período retratado no filme é o mesmo do também documental “Jean Charles”, sobre o brasileiro morto pela polícia britânica duas semanas após os atentados de 7 de julho, confundido com um terrorista. (visto no Topázio Cinemas).


domingo, 24 de outubro de 2010

Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague

Festival de Cannes, 1959. François Truffaut, crítico da mítica revista "Cahiers du Cinemá", que havia sido barrado pelo festival no ano anterior por seus textos polêmicos, é aclamado pela platéia. Seu primeiro longa-metragem, e obra prima, "Os Incompreendidos", acaba de ser exibido. Um garoto de 14 anos, Jean-Pierre Léaud, é levantado nos braços da multidão.

Em Paris, outro crítico da revista, Jean-Luc Godard, está inquieto. Ele gostaria de estar no festival. Graças à ajuda de Truffaut e de Claude Chabrol, que lhe servem de fiadores, ele consegue financiamento para seu primeiro filme, "Acossados", um filme "policial" com Jean-Paul Belmondo.

Truffaut e Godard. Godard e Truffaut. Dois cinéfilos de carteirinha, críticos de cinema e criadores do movimento conhecido como a "nova onda", a Nouvelle Vague. Seguidores do maior crítico de cinema da história, André Bazin, Truffaut e Godard vieram de origens diferentes. Truffaut era pobre, humilde. Aos 16 anos, criou um cineclube. Aproveitava quando a família ia ao teatro para fugir e ir ao cinema escondido. Foi preso e um reformatório por roubar dinheiro para pagar as dívidas do cineclube. Godard era de família rica. Morou na Suíça, andava em carros importados americanos. Estava sempre de óculos escuros e atitude esnobe. Os dois se tornaram amigos e colaboradores. Até que a política os separou irremediavelmente e nunca mais se viram.

Esta é a história contada no documentário "Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague", que o Topázio Cinemas está exibindo em sua "Semana do Cinema Francês" (o filme será exibido novamente dia 27 de outubro, às 19h10). Dirigido por Emmanuel Laurent, o documentário mostra a vida, obra e amizade destes dois gigantes do cinema através de imagens de arquivo, entrevistas, centenas de fotos e, claro, cenas de seus filmes. Truffaut sempre foi o mais humano dos dois, o mais esperançoso com relação à vida e as pessoas. Era o cineasta das mulheres e das crianças. Sua maior criação foi o personagem Antoine Doinel, alter-ego que iniciou sua vida cinematográfica em "Os Incompreendidos". Interpretado por Jean-Pierre Léaud, Doinel reapareceu em mais três filmes, mas a imagem final de "Os Incompreendidos", quando o jovem Doinel foge do reformatório, corre até a praia e se volta para a câmera, é inesquecível.

Léaud se tornou uma espécie de irmão mais novo de Truffaut. Em uma cena do documentário, o garoto diz que sua vida mudou totalmente depois do filme, e que agora só queria ir ao cinema para ver "bons filmes".

Já Godard era mais seco do que Truffaut, e gostava de brincar com a linguagem cinematográfica. "Acossados" tinha a trama de um filme policial tradicional, mas Godard o filmou e editou de forma completamente nova. Os cortes da montagem não seguem o tradicional esquema plano/contra plano; a continuidade não é sempre respeitada, assim como o eixo da câmera, quase sempre "quebrado". Godard continuaria fazendo experimentos com a forma do cinema por toda a carreira.

Em 1968, três semanas antes do famoso "maio de 68", os cineastas da Nouvelle Vague, liderados por Truffaut e Godard, marcharam por Paris para protestar contra a demissão de Henri Langlois da Cinemateca Francesa. O local era o "templo" dos cinéfilos parisienses, que queriam manter Langlois na curadoria dos filmes. (Este protesto foi recriado por Bernardo Bertolucci em "Os Sonhadores", de 2003). No ano seguinte, também Truffaut e Godard conseguiram cancelar o Festival de Cannes, como uma forma de protesto por todos os problemas que estavam ocorrendo no mundo.

Depois disso, no entanto, as carreiras dos dois amigos mudou drasticamente. Godard se tornou completamente político, um ativista que queria fazer do cinema uma forma de protesto. Truffaut era um cineasta que amava o cinema em sua forma mais pura. A amizade dos dois foi definitivamente rompida quando Godard enviou uma carta cheia de "veneno" para Truffaut quando do lançamento do ótimo "A Noite Americana", a homenagem que Truffaut fez ao cinema em 1973. Godard chamou Truffaut de "mentiroso". Este retrucou em uma carta de 20 páginas em que acusava Godard de se aproveitar das classes pobres (das quais Godard nunca fez parte) para se promover.

O documentário termina com uma cena ótima, o teste de Jean-Pierre Léaud para o papel de Antoine Doinel em "Os Incompreendidos". A entrevista é muito parecida com uma cena do próprio filme, quando Doinel é entrevistado pelo psiquiatra do reformatório. Truffaut morreu precocemente, aos 52 anos, em 1984, e deixa saudades. Seu amor pelo cinema era enorme, expresso em mais de 25 filmes. Godard continua vivo e ativo, produzindo dezenas de filmes de "arte" com mensagens políticas.






quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Rebels on the Backlot (livro)

De tantos em tantos anos surge uma geração que tenta mudar a cara do cinema americano. A "indústria", como Hollywood é conhecida, é uma máquina bem lubrificada de fazer filmes que, pontualmente, lança filmes prontos para as telas dos "multiplexes" mundo afora. São filmes comerciais, seguindo fórmulas testadas e aprovadas pelo público que, geralmente, não quer gastar seu dinheiro com um produto arriscado e desconhecido. Mas, felizmente, os tempos mudam. Tradições são quebradas, valores discutidos e o cinema, ainda que tardiamente, acaba seguindo ou revelando novas tendências. Foi assim no final dos anos 60 e na década de 70, quando cineastas como Martin Scorsese, Francis Ford Copolla, Steven Spielberg, George Lucas, Peter Bogdanovich e tantos outros mudaram a forma de se criar filmes nos Estados Unidos. Esta história foi muito bem contada no livro "Easy Riders, Raging Bulls", de Peter Biskind. Os anos 80 viram uma onda de filmes extremamente comerciais (alguns muito bons), mas que não inovavam muito na arte de cinema. Coube aos anos 90, a última década do século XX e do milênio, trazer uma nova geração de cineastas criativos para as telas.

"Rebels on the Backlot" conta a história de alguns destes cineastas, chamados pela autora Sharon Waxman de "rebeldes". Ao contrário da geração cinéfila e universitária dos anos 70, os rebeldes dos anos 90 eram frutos da cultura pop americana, uma mistura de fast food com histórias em quadrinhos, filmes de kung-fu chineses e clipes da MTV. Waxman escolheu destacar seis deles para contar sua história: Quentin Tarantino (Pulp Fiction), Steven Soderbergh (Traffic), David Fincher (O Clube da Luta), Paul Thomas Anderson (Boogie Nights), David O. Russel (Três Reis) e Spike Jonze (Quero ser John Malkovich). Ela também cita outros, como Sofia Coppola (As Virgens Suicidas, Encontros e Desencontros), Sam Mendes (Beleza Americana) e os irmãos Wachowski (Matrix), entre outros, mas o foco são naqueles seis que ela considera os mais influentes e revolucionários no cinema dos 90.

Dividido em 13 capítulos, com apêndices e até uma "linha do tempo" dos fatos narrados no livro, Waxman mistura artigos de revistas e jornais especializados com centenas de entrevistas feitas por ela mesma com os envolvidos. Há muitos detalhes dos bastidores e do processo raramente saudável de se fazer um filme. Assim como em "Easy Riders", há também grande quantidade de fofoca sobre diretores e produtores, geralmente envolvendo sexo e/ou drogas. Há também um ponto de vista mais feminino, claro, que o livro de Peter Biskind. Waxman gosta de falar sobre as mães, namoradas e esposas dos envolvidos, para mostrar as mulheres por trás dos homens por ela descritos.

A "estrela" do livro, de certa forma, é Quentin Tarantino. Foi ele quem, para o bem ou para o mal, nocauteou Hollywood com sua mistura de cultura pop com ultraviolência. Reconhecido pelos roteiros de "Amor à queima roupa" (True Romance, lançado em 1993) e "Assassinos por natureza" (Natural Born Killers, lançado em 1994), Tarantino conseguiu chamar a atenção do ator Harvey Keitel, que o ajudou a conseguir financiamento para "Cães de Aluguel" (Reservoir Dogs, 1992). O filme foi um sucesso inesperado, causando tanto admiração quanto repulsa por sua violência (por sua famosa cena em que Michael Madsen corta a orelha de um policial). Waxman descreve Tarantino como um rapaz sujo e pouco higiênico, pouco ligado a tomar banho ou se barbear. Ela também mostra como ele seria um sujeito traiçoeiro, pronto para esquecer dos amigos assim que chegou ao sucesso. Roger Avary, amigo de longa data, por exemplo, teria sido co-autor de grande parte do roteiro de "Pulp Fiction" (toda a trama envolvendo o boxeador de Bruce Willis teria sido criação de Avary). Como Tarantino queria que os créditos lessem "Escrito e Dirigido por Quentin Tarantino", o nome de Avary teria sido tirado dos créditos de roteiro e recebido apenas um crédito por "estória". Mas Waxman deixa evidente a genialidade de Tarantino como escritor de diálogos, mesmo que nem todas as as histórias fossem realmente dele.

Ganha também destaque no livro a disputa entre George Clooney, estrela da série médica "E.R." e o diretor David O. Russell, na produção de "Três Reis". Russell não gostava do estilo de interpretar de Clooney, mas precisava do apoio do astro para conseguir financiamento para o filme. A atuação de Clooney era questionada diariamente na frente de toda equipe, o que acabou causando atritos. Além disso, Russell seria extremamente cruel e tirânico, deixando de dar atenção a um figurante que teve um ataque epilético em cena. George Clooney teria ido ajudar o rapaz, o que causou uma briga no set de filmagem que chegou aos socos e gritos.

Steven Soderbergh é descrito como um "nerd" talentoso que se viu catapultado ao sucesso quando lançou seu pequeno filme "Sexo, mentiras e videotape", em 1989. O filme foi vencedor no Festival de Cannes e, de repente, Soderbergh era o diretor mais quente de Hollywood. Waxman, porém, o mostra como alguém que gosta de sabotar o próprio sucesso. Soderbergh seguiu "Sexo, mentiras e videotape" com bombas como "Kafka" (1991) ou "Schizopolis" (1996), um filme em que ele contava a história do próprio divórcio, tendo como atores ele próprio, sua ex-mulher e filha. Soderbergh voltaria ao sucesso no final da década de 90, quando lançou filmes como "Erin Brockovich" (que deu o Oscar a Julia Roberts) e "Traffic" (que deu a Soderbergh o Oscar de Melhor Diretor). "Traffic" começou com uma idéia desenvolvida pela produtora Laura Bickford, que queria adaptar para os Estados Unidos uma série britânica de mesmo nome. O filme sofreu diversas mudanças e passou pela mão de vários estúdios, que não queriam tocar no tema polêmico das drogas. Quando Soderbergh estava para fazer "Traffic" como um projeto pequeno pelo estúdio USA Films, Harrison Ford se interessou por um papel e, de repente, o filme se tornou de grande orçamento...somente para ver Ford desistir a um mês do início das filmagens. O papel acabou ficando com Michael Douglas.

São também interessantes as histórias sobre como "Clube da Luta", de David Fincher, custou 75 milhões de dólares e foi um fracasso enorme na bilheteria (para, depois, se tornar um sucesso "cult" nas vendas em DVD). A produção do bizarro roteiro de "Quero ser John Malkovich" também rende bons capítulos. E Paul Thomas Anderson mostra como conseguiu convencer os estúdios a aceitar que filmes como "Boogie Nights" e "Magnólia" fossem feitos.

"Rebels on the Backlot". Sharon Waxman. 386 páginas. Harper Perennial. Inglês.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Baarìa

O diretor italiano Giuseppe Tornatore tem treze longas-metragens em seu currículo, mas é conhecido mundialmente como "o diretor de Cinema Paradiso". De fato, sua homenagem ao cinema, produzido em 1988 e vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro é, merecidamente, sua obra mais conhecida. Mas são dele também o falho (mas belo) "O Homem das Estrelas" (1995), ou o tocante "Malèna" (2000), com Monica Bellucci. Tornatore não tem medo do espetáculo, da teatralização e da emoção, o que é um alívio nestes tempos de filmes frios e assépticos.

E assim chegamos a "Baarìa" (2009), seu filme mais autobiográfico. O nome vem de como os nativos chamam a cidade de Bagheria, próxima a Palermo, na Sicília. Poucas imagens poderiam ser mais nostálgicas do que a que abre o filme, uma terra vermelha, empoeirada, onde crianças brincam de girar piões de madeira. Tornatore, em um início um pouco atrapalhado, nos apresenta a família Torrenuova, o pai Ciccio (Gaetano Aronica), Nino (Salvatore Ficarra) e o mais novo, Peppino (Francesco Scianna). É um pouco difícil entender quem é quem, porque "Baarìa" conta quatro décadas da história da Itália e da família Torrenuova, com saltos sutis no tempo mostrando as mudanças nos personagens e na paisagem. É impressionante o cenário construído por Tornatore para recriar a pequena Bagheria desde antes da II Guerra Mundial até os dias de hoje. De forma bem italiana, quente, gritante, dezenas de personagens e figurantes passeiam pela rua principal da cidade, com a igreja ao fundo, nas diversas épocas retratadas pela obra.

O foco, no entanto, está em Peppino Torrenuova (o ator, Francesco Scianna, me lembrou muito um jovem Paulo Betti). De família pobre, Peppino é um simples pastor quando criança, e passa dias longe da família com o rebanho de cabras. Ele é apresentado à uma lenda local, três grandes rochas que saem da paisagem árida; dizem que quem conseguir atingir as três com uma pedra abrirá as portas para um rico tesouro enterrado. Ao final da II Guerra Mundial, quando o ditador Mussolini é morto pela população italiana, o tesouro de Bagheria é pilhado pelos habitantes da prefeitura da cidade. Peppino, desde criança, era contra o fascismo e é fascinado pelo Partido Comunista Italiano, ao qual se filia. Já adulto, Peppino, em cenas épicas orquestradas por Tornatore, invade com um grupo de "sem terras" siciliano a região da família Corleone, em uma tentativa de reforma agrária.

Há também um romance proibido. Peppino se apaixona por Mannina (Margareth Madè), que havia sido prometida a um príncipe local. Os dois armam uma "fuga" inusitada, trancando-se dentro da própria casa da família. Os dois eventualmente se casam em uma cerimônia conturbada (Peppino, comunista, não se entende com o padre local), mas com típico humor italiano.

É um filme longo, com quase três horas, e Tornatore não tem pressa. Os anos se passam e ele conta a história da Itália segundo o ponto de vista dos Torrenuova, os conflitos sociais, as manifestações em que Peppino está engajado e, eventualmente, sua carreira política. Há uma cena muito interessante quando, pela manhã, vemos Peppino sair de sua casa, à esquerda da rua, despedindo-se da esposa. À direita da rua vemos um policial do governo fazendo a mesma coisa. Os dois se cumprimentam cordialmente enquanto caminham para o que será, provavelmente, mais uma manifestação violenta.

Épico, emocionante, "Baarìa" fala sobre política, nostalgia, religiosidade, erotismo (Monica Bellucci, em uma cena curta), família e, principalmente, da passagem do tempo. A trilha é do mestre Ennio Morricone, verdadeira lenda do cinema italiano e mundial, e a bela fotografia de Enrico Lucidi. O filme sofreu críticas por ter sido produzido pela empresa "Medusa", que pertence a Silvio Berlusconi. Segundo artigo do crítico Luiz Carlos Merten, Tornatore dispensou as críticas e disse ter tido mais liberdade para fazer o filme do que os jornalistas ao criticá-lo.

"Baarìa" está em cartaz, em Campinas, no Topázio Cinemas.


domingo, 10 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2 - O inimigo agora é outro

"Tropa de Elite" (2007) foi um fenômeno do cinema brasileiro. Uma cópia com uma montagem temporária vazou, foi parar nas bancas dos camelôs e vendeu milhares de DVDs piratas. Antes mesmo do lançamento oficial, o filme já estava na boca do povo, que incorporou bordões como "pede pra sair!". O fenômeno não parou por ai. Os temas incendiários tratados pelo roteiro do diretor José Padilha se tornaram motivo de debates acirrados, teses acadêmicas e assunto para programas de televisão. A figura de um homem vestindo o uniforme preto do BOPE se tornou um herói inesperado, o "Capitão Nascimento", um policial incorruptível com métodos questionáveis de abordar os "vagabundos" da favela. Nascimento, incorporado por Wagner Moura, era honesto e matava com a mesma frieza policiais corruptos, traficantes de drogas e, a bem da verdade, qualquer um que ele julgasse estar do lado errado da lei. Em um país carente de justiça como o Brasil, a figura de Nascimento se tornou um modelo de conduta que podia ser torto e discutível, mas era considerado eficiente.
O agora Coronel Nascimento está de volta. "Tropa de Elite 2" tem todos os ingredientes que fizeram do primeiro filme um sucesso. Qualidade técnica inquestionável, elenco empenhado e grande dose de polêmica. José Padilha poderia, se quisesse, ter ido pelo caminho fácil e explorado a imagem do BOPE como em uma série de televisão americana, com seus membros participando de aventuras e passando por perigos nas favelas do Rio de Janeiro. Mas Padilha volta disposto a mostrar para todos os desavisados que o problema criminal na cidade carioca (e em todo o Brasil) é maior e mais perverso do que se imagina.
Dez anos depois dos acontecimentos do primeiro filme, Nascimento e sua "cria" no BOPE, o Capitão Matias (André Ramiro), estão se preparando para invadir o presídio Bangu I, que está em chamas. Nascimento é novamente o narrador do filme, soltando frases polêmicas como "o homem dos Direitos Humanos é quem vagabundo chama quando fez merda". De fato, em Bangu I os detentos estão se matando e fizeram dois policiais reféns. Nascimento está com o governador do Rio no celular, pedindo a chance de matar as lideranças do tráfico que estão trancafiadas ali. O governador responde que "não quer outro Carandiru". É então que chega a pedra no sapado de Nascimento, o professor de História, esquerdista e membro da organização "Human Rights Aid", Fraga (Irandhir Santos). Assim como no primeiro filme, um tiro se mostra fundamental para a trama. Em "Tropa de Elite", Neto (Caio Junqueira) dava o tiro certeiro que matava um traficante em um ponto chave do filme. Em "Tropa 2" é André Matias que, contrário às ordens de Nascimento, executa o líder da rebelião durante uma situação de refém.
O fato faz com que Nascimento seja demitido "para cima". Ele é exonerado do BOPE para ser assistente da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. É de lá que ele planeja sua "luta contra o Sistema". "Tropa de Elite 2" não faz rodeios ao tratar dos problemas sérios que envolvem as polícias civil e militar do Rio de Janeiro, o BOPE, os políticos, traficantes e as milícias armadas. O roteiro é um labirinto denso e complicado envolvendo todas estas frentes. Há um ar de "filme de tese" ainda maior nesta continuação de "Tropa de Elite". É como se Padilha não quisesse mais que os espectadores, críticos e intelectuais confundissem seus personagens com heróis. É uma tarefa complicada. Padilha se utiliza dos mesmos recursos técnicos e da linguagem cinematográfica desenvolvidos por Hollywood para originalmente gramourizar seus temas. Às vezes fica difícil ver crítica nas cenas em que o BOPE, altamente técnico e especializado, invade uma favela com dezenas de homens, helicópteros e o "Caveirão", o carro blindado que é símbolo da corporação, para matar a maior quantidade de "vagabundos", os traficantes, possível.
Mas Padilha vai mais fundo. Ele mostra como a favela é um organismo vivo, que precisa de suprimentos para se alimentar. O massacre produzido pelo BOPE deixa a favela aberta para que policiais corruptos tomem o lugar dos traficantes e criem milícias armadas. O papel da mídia sensacionalista também é explorado. Fortunato (André Mattos) é um apresentador de televisão claramente baseado em Datena, com sua atuação teatral diante das câmeras, clamando por "justiça" e pela morte dos bandidos. Na verdade Fortunato está ligado às milícias que exploram as favelas. Há também citação aos bons jornalistas como no trágico caso de Tim Lopes, morto por traficantes durante uma reportagem. Nascimento tem que lidar com a ex-mulher e com o distanciamento do próprio filho, que o vê como um assassino. Fraga, um adversário constante, pode se tornar um aliado na cruzada por justiça de Nascimento.
Padilha termina seu filme com uma daquelas cenas que, novamente, se apropriam do cinema comercial americano, quando o herói vai a público contar a "verdade". O discurso do Coronel Nascimento ao final de "Tropa 2" provavelmente enojaria o Capitão Nascimento do primeiro filme. José Padilha e Wagner Moura, assim, deixam clara sua tese, da qual não escapa quase ninguém. A câmera voa então até Brasília, e a implicação é clara.
É, parceiro, quem disse que a vida é fácil? (visto no Topázio Cinemas).


domingo, 26 de setembro de 2010

O Refúgio

Mousse (Isabelle Carré) e Louis (Mevil Poupaud) recebem a heroína tarde da noite. Louis prepara a droga cuidadosamente e os dois a usam durante a noite toda. Pela manhã, a mãe de Louis aparece no apartamento e encontra o filho morto no chão. Mousse é levada ao hospital e entra em coma. Quando acorda, descobre que o namorado está morto e que está grávida dele. Assim começa "O Refúgio", de François Ozon, em cartaz em Campinas no Topázio Cinemas.

É um filme pequeno e com poucos atores. E há algo na cinematografia francesa que gosta de contar histórias passadas em uma casa no campo, em contato com a natureza, longe da cidade grande; vários filmes com este cenário foram feitos nos últimos anos. É para uma destas casas no campo (perto do litoral, na verdade) que Mousse se muda durante a gravidez. Ela está longe de ser a mãe ideal. Viciada em heroína, toma vidros de xarope com metadona para impedir um aborto. Está sempre de óculos escuros e, de vez em quando, também bebe. Um dia chega à casa o irmão de Louis, Paul (Louis-Ronan Choisy), um rapaz jovem e bonito cujas intenções são incertas. Ele quer cuidar de Mousse? Gosta dela? Quer estar perto do futuro sobrinho?

"O Refúgio" não tem uma trama muito bem definida, lidando sobre o tema da solidão. Mousse estava com o namorado na noite da morte dele, mas nem presenciou o fato. Isolada agora na cabana, mesmo grávida e acompanhada de Paul, há nela uma solidão profunda. Seja por isso ou por carência, aos poucos ela começa a ter sentimentos por Paul. O problema é que a opção sexual dele é outra. Logo ele está saindo com Serge (Pierre Louis-Calixte), um rapaz que cuidava da casa e trazia mantimentos para Mousse. Em uma cena bizarra, um homem que se diz "atraído por grávidas" leva Mousse para a casa dele (por causa da "bela vista para o mar"). Não fica claro se eles transam ou não, mas a princípio Mousse só quer que alguém a abrace.

É um filme bem feminino. O diretor, François Ozon, já trabalhou com grandes atrizes como Catherine Deneuve e Isabelle Rupert em "Oito Mulheres" (2002) ou Charlote Rampling e Ludivine Sagnier em "À Beira da Piscina" (2003). Em "O Refúgio" ele deixa o filme ser levado por Isabelle Carré que, a propósito, estava realmente grávida durante as filmagens. O filme não é muito ambicioso e o final me pareceu muito calculado. Interessante que a trilha sonora foi composta pelo ator que faz Paul, Louis-Ronan Choisy, que canta a canção tema, acompanhado do piano, em uma cena.



sábado, 25 de setembro de 2010

Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme

Há um pouco de Gordon Gekko, o ambicioso jogador da bolsa de valores interpretado por Michael Douglas, no diretor Oliver Stone. Roteirista de sucesso nos anos 80, Stone se lançou para a fama cinematográfica dirigindo filmes polêmicos que trataram de biografias de presidentes americanos (como Nixon, JFK ou George W. Bush), a Guerra do Vietnã (Platoon, Nascido em Quatro de Julho, Entre o Céu e a Terra), violência e a mídia (Assassinos por Natureza) ou a ganância da bolsa de valores (Wall Street). Exagerado, ambicioso, manipulador, Stone passou por maus bocados nos últimos anos, investindo em grandes fracassos como "Alexandre" ou filmes por encomenda como "As Torres Gêmeas". Polêmico, também se tornou documentarista e se aproximou de figuras como Fidel Castro, em Cuba, e Hugo Chávez, na Venezuela.

Na cena que abre "Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme", continuação de seu filme de 1987, Gordon Gekko está sendo libertado da prisão depois de cumprir pena por diversos crimes financeiros. Ele tem pouco dinheiro, um celular que pesa quase um quilo e, fora das grades, ninguém para buscá-lo. Um pouco do Stone polêmico dos anos 80 também volta com Gekko. Paradoxalmente, o estilo um dia inovador de Stone, aos olhos do espectador do século XXI, parece extremamente "clássico", com belas tomadas de Nova York, capital do mundo, créditos no início do filme, música de David Byrne e Brian Eno e um elenco impressionante. De sólidos novos astros como Shia LaBeouf, a carismática Carey Mulligan e Josh Brolin a veteranos como Eli Wallach (no alto de seus incríveis 95 anos), Frank Langella, Austin Pendleton, Susan Sarandon e, claro, Michael Douglas, é um grupo de dar inveja.

Stone explora os atrativos e fraquezas do sistema capitalista em seu palco principal, o mercado de Wall Street. LaBeouf é Jake Moore, um garoto prodígio que, na casa dos vinte e poucos anos, mora em um apartamento caro em Manhatan e acaba de receber um bônus de US$ 1,4 milhões. Apesar da aparente prosperidade, no entanto, o mercado está para estourar em uma das maiores crises financeiras desde a queda da Bolsa de Nova York em 1929. Stone é meticuloso em mostrar como os "tubarões" do mercado exploram o sistema para derrubar competidores e sair lucrando no processo. É o caso de Bretton James (Josh Brolin), que liquida a empresa pertencente a Louis Zabel (Langella), mentor e segundo pai do personagem de LaBeouf. Desolado, Zabel se suicida no metrô de Nova York assim que perde sua empresa. LaBeouf promete se vingar de Bretton, mas ele o faz da maneira capitalista de ser, sendo contratado pelo próprio Bretton. Já Carey Mulligan (de "Educação" e "Em busca de uma nova chance") é Winnie Gekko, filha de Gordon, uma jornalista que mantém um pequeno site independente de notícias. Ela se recusa a perdoar o pai e não quer nada do seu dinheiro, apesar de estar noiva de Moore (LaBeouf), membro de Wall Street, e morar em um apartamento rico em Nova York.

Douglas e LaBeouf repetem, de certa forma, a dupla veterano/novato representada no Wall Street original, em 1987, por Douglas e Charlie Sheen (que faz uma ponta no novo filme). Escondidos de Winnie, os dois começam a trocar informações do mercado (que interessam Moore) por oportunidades de reconciliar pai e filha (que interessam Gekko). Michael Douglas ganhou um Oscar por sua performance no filme original e, paradoxalmente, acabou se tornando uma espécie de modelo para a geração dos anos 80. "Greed is good" (a ganância é boa), dizia Gordon Gekko. Neste filme suas motivações são mais cinzas e difíceis de decifrar. Teria ele se tornado um "homem bom" que só quer voltar a ver a filha? Teriam seus anos de prisão lhe ensinado alguma coisa? O filme é um pouco indeciso quanto a estas questões. O personagem de LaBeouf, principalmente, precisaria de um desenvolvimento melhor. Ele é claramente esperto e conhecedor do mercado o suficiente para estar na posição em que se encontra. Em outros momentos, no entanto, é ingênuo demais. Há também uma mensagem ecológica colocada na trama que, perigosamente, parece justificar os esquemas e lavagens de dinheiro realizados por Gekko e Moore.

Mesmo com estes problemas, é um filme extemamente interessante de assistir e muito bem realizado. Stone mostra como o governo americano foi em socorro das empresas que estavam para falir com um "auxílio" de 700 bilhões de dólares. Chega a ser engraçado o modo como todos, ao redor da mesa do Federal Reserve, discutem cifras de bilhões de dólares como se não fossem nada.

Fato extra filme, é digno de nota que o ator Michael Douglas, logo no início da campanha de promoção para "Wall Street", tenha sido diagnosticado com um câncer na laringe. Em aparição no programa David Letterman, Douglas revelou a doença e, calmo mas bastante preocupado, disse que é grave e que entraria em tratamento. Saber disso nos faz ver sua interpretação de forma diferente (talvez uma despedida?) e, talvez, tornem Gekko mais humano.


domingo, 19 de setembro de 2010

Um Doce Olhar

Chamado por aqui de “Um doce olhar”, o filme “Mel” (“Bal”, no original) do diretor turco Semih Kaplanoglu foi o vencedor do Urso de Ouro em Berlim no início do ano. É a terceira parte de uma trilogia baseada no personagem Yusuf (o garoto Bora Altas, muito bem), que já contou com os filmes “Ovos” (2007) e “Leite” (2008). “Um doce olhar” é uma obra extremamente contemplativa, lenta e silenciosa. Passado nas florestas da região montanhosa da Turquia, o filme é quase um documentário de uma civilização arcaica, ainda baseada na agricultura e na cultura de abelhas. A câmera de Kaplanoglu fica estática quase o tempo todo em longos planos que apenas observam os personagens. A cena inicial mostra Yakup (Erdal Besikcioglu), pai de Yusuf, procurando por uma árvore apropriada para instalar sua colméia. Ele vem acompanhado de um burrinho que carrega seus mantimentos. Escolhida a árvore, Yakup lança uma corda e começa a escalada. É então que escutamos um estalo, o galho começa a se partir e o pobre homem fica pendurado na árvore entre a vida e a morte.

Acompanhamos então a vida da família de Yakup, composta por sua jovem esposa Zehra (Tulin Ozen) e seu filho Yusuf, nos dias anteriores ao episódio da árvore. Yusuf é um garoto inteligente que tem um problema de fala. Ele é gago e só consegue conversar com o pai quando sussurra as frases. Ou, estranhamente, quando lê as orações do dia no início da manhã. Na escola, no entanto, não consegue ler os textos pedidos pelo professor. Entristecido, vê os colegas ganharem, um a um, um broche vermelho como recompensa pela boa leitura. Yusuf nunca se junta aos colegas durante o recreio, ficando na sala de aula a observar suas brincadeiras pela janela.

A sensação de se estar assistindo a um documentário permeia todo o filme. Observamos costumes da pequena vila de Yusuf e o modo de vida de seu pai e colegas. Há o fabricante das cordas que Yakup usa para escalar as árvores. Há a colheita de folhas feita pela mãe de Yusuf. Há a senhora religiosa que leva o garoto até o alto da montanha, em uma cabana, onde ela e outras senhoras recitam trechos da vida de Alá. O filme não tem trilha sonora no sentido tradicional, os sons e músicas ouvidos são os produzidos pelos personagens ou pela natureza. Os sons naturais, aliás, têm uma força enorme na obra, principalmente os produzidos pela floresta, como rangidos de galhos, vento, pássaros ou animais ao longe. A fotografia de Baris Ozbicer privilegia os tons escuros e o contraste entre o dia e a noite. Há apenas uma seqüência um pouco mais barulhenta quando a mãe de Yusuf vai procurar pelo marido em um festival religioso que acontece no meio das montanhas. É um choque reconhecer a marca de um famoso sorvete vendido no Brasil em meio àquela sociedade quase medieval.

Não é um filme muito fácil de se ver. É necessário certo estado de espírito para uma obra extremamente lenta e silenciosa. Há pequenos detalhes interessantes, como na relação afetiva entre Yusuf e seu pai. O homem, apesar das feições fechadas, demonstra grande carinho pelo filho e o educa de forma espartana, mas correta. Conforme o filme vai se aproximando do final e começa a ficar claro para a mulher e o filho que o pai não vai voltar mais, sua falta na tela é mostrada em uma cena interessante em que Yusuf brinca de acender da apagar a luz da casa, na esperança de que, de repente, o pai possa aparecer. (Visto no Topázio Cinemas).


sábado, 11 de setembro de 2010

A Ressaca

Os anos 80 foram a década dos excessos. Os Estados Unidos estavam para se tornar a única superpotência do mundo, Ronald Reagan estava na Casa Branca, Wall Street ditava moda e o dinheiro era o rei. No cinema, os filmes para adolescentes reinavam absolutos, das comédias bem feitas de John Hughes e produções caprichadas de Steven Spielberg a bobagens de baixo nível como Porky´s e similares. Pena que o filme "A Ressaca", ao tentar prestar homenagem à década de 80, foi se basear justamente nesse lado baixo nível.

A trama é básica (e absurda). Um trio de velhos amigos, Adam (John Cusack, também produtor do filme), Lou (Rob Corddry) e Nick (Craig Robbinson) resolvem voltar à estação de esqui onde passaram a melhor época de suas vidas. O objetivo é tentar reanimar Lou, que foi internado no hospital sob suspeita de tentativa de suicídio (na verdade, ele apenas havia sido burro o suficiente para ficar cantando rock com o motor ligado dentro de uma garagem fechada). Os três eram melhores amigos quando adolescentes nos anos 80, mas o tempo e as obrigações fizeram deles "fracassados". Eles são acompanhados pelo sobrinho nerd de Adam, Jacob (Clark Duke), que está no filme para que a parte jovem da platéia se identifique com ele. Os três "adultos" são os típicos americanos "machos", interessados em bebidas, mulheres e outros "machos". Ao chegarem à estação de esqui, eles descobrem que o lugar está decadente e se tornou uma sombra do que era vinte anos atrás. De qualquer forma, eles resolvem confraternizar na banheira ao ar livre do hotel que, magicamente, os transporta para o passado, precisamente para o ano de 1986, quando a banda Poison estava tocando em um festival de rock na cidade.

O filme é até bem intencionado e tem várias referências e homenagens aos anos 80. O comediante Chevy Chase, por exemplo, grande figura da época, faz uma ponta como o zelador do hotel. Há também referências à MTV, aos primeiros celulares gigantes e até mesmo uma piada com "De Volta para o Futuro" na figura de Crispin Glover, o carregador de malas do hotel, que interpretava o pai de Marty McFly no clássico produzido por Spielberg em 1985. Mas o filme é voltado para o mau gosto do americano médio, com várias piadas baixas e cenas envolvendo vômito, dejetos em geral e mulheres com os seios de fora. O hotel onde eles se hospedam é tão obviamente um cenário que é vergonhoso. A questão dos paradoxos no tempo, explorados em filmes como "De Volta para o Futuro" e "O Exterminador do Futuro" também são citados aqui, mas o roteiro não se preocupa muito em ser consistente. Cada um dos amigos deveria, teoricamente, repetir exatamente o que fizeram em 1986 para que a História não seja alterada. John Cusack se lembra de ter terminado com a namorada naquela noite (e de levar um garfo no olho em troca). Lou levou uma surra de um grupo e Nick, que era o cantor de uma banda medíocre, iria se apresentar. As coisas não acontecem exatamente desta forma e o roteiro perde a chance de ser um pouco melhor explorando uma moça que se interessa por Cusack. Ela claramente está fora de lugar e, por um momento, o espectador imagina se ela também não está viajando no tempo. Mas a preguiça do roteiro não explora a situação. O filme é dirigido por Steve Pink, que foi co-roteirista do ótimo filme "Alta Fidelidade", também com John Cusack. É verdade que Pink não deve ter tido muito trabalho ao lidar com o ótimo livro original de Nick Hornby, pois nada da classe daquele filme está neste.

Por fim, também está de volta aquela coisa bem oitentista de que felicidade equivale a bens materiais. Assim, "A Ressaca" termina mostrando que felicidade é ter um barco gigante, uma esposa peituda e burra e um filho alienado. Filme para ser visto em DVD, no máximo, ou baixado da internet.


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O Profeta

A situação dos imigrantes, na Europa, é delicadas. Na França, o presidente Nicolas Sarkozy tem implementado leis consideradas racistas contra muçulmanos e ciganos, entre outros povos. Este caldeirão cultural está muito bem representado em "O Profeta", de Jacques Audiard, que concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro este ano com "A Fita Branca", de Michael Haneke, e "O Segredo dos seus Olhos", de Juan José Campanella, entre outros.

"O Profeta" é um filme longo, forte, violento e extraordinário. O jovem franco-árabe Malik El Djebena (Tahar Rahim) chega à prisão com 19 anos, após passar uma vida em reformatórios. Não sabe responder à maioria das perguntas ao guarda que preenche sua ficha, como informações sobre seus pais ou se sua primeira língua é o francês ou o árabe. Seu corpo tem as marcas de anos de maus tratos, com diversas cicatrizes. A prisão está dividida; os muçulmanos têm sua parte do pátio, os corsos outra. O "chefe" não oficial da prisão é o corso César Luciani (Niels Arestrup), mafioso que controla diversos negócios ilegais de dentro das grades. Um dia seu grupo se aproxima do recém-chegado Malik e lhe impõe uma missão: ele deve matar um árabe chamado Reyeb (Hichem Yacoubi), testemunha chave de um caso que envolve a máfia. O filme é extremamente violento e os detalhes do assassinato, envolvendo litros de sangue, são mostrados sem pudor. Após o crime, Malik passa a contar com a proteção significativa de Luciani e seus mafiosos corsos. A Córsega, ilha à oeste da Itália, é governada pela França, mas tem seus costumes próprios e até a própria língua.

Malik se encontra em uma posição ao mesmo tempo perigosa e privilegiada. Ele é meio árabe e meio francês, além de muito esperto, o que faz com que ele consiga transitar entre as diversas castas dentro da prisão, iniciando aos poucos seus negócios. Ele é visto pelos muçulmanos como um corso, enquanto os corsos o vêem como um "árabe sujo". O único que percebe seu potencial é César Luciani (em interpretação magistral de Niels Arestrup), que explora a adaptabilidade de Malik para seu proveito. O roteiro é muito inteligente e mostra o embate dentro e fora da prisão destas várias raças e povos, todos vivendo na França. Conforme o filme passa a situação ambivalente de Malik se torna cada vez maior e não se sabe de que lado ele está. O filme lembra um pouco os bons anos de Scorsese e uma de suas obras primas, "Os Bons Companheiros" (de 1990). Forte e realista, o filme assustou alguns espectadores, que abandonaram a sala. Mas é um filme corajoso e muito bem feito, mostrando um dos piores lados da delicada situação dos imigrantes na Europa.