A “Retomada” foi o cinema produzido no Brasil após 1995, inaugurado com o lançamento do filme “Carlota Joaquina”, da cineasta Carla Camurati. O cinema nacional, nos anos 90, sofreu um grande golpe com a extinção da Embrafilme (Empresa Brasileira do Filme) pelo então presidente da república Fernando Collor de Melo. A produção caiu praticamente a zero e o público freqüentador das salas ficou sem opções nacionais para assistir. “Carlota Joaquina”, produzido com muito empenho e distribuído de forma quase artesanal por sua diretora, caiu no gosto do público com sua mistura de drama histórico e comédia, e marcou um ressurgimento de filmes nacionais nos cinemas. De lá para cá, uma profissionalização na arte de fazer filmes, a entrada de publicitários no mercado cinematográfico e o surgimento da Globo Filmes fez com que um número relativamente grande de filmes fosse produzido no país todos os anos, conquistando parte da platéia que, por hábito, estava acostumada a só ver filmes americanos.
Teria este cinema surgido depois da Retomada alguma comparação com o Cinema Novo? Movimento consolidado no país durante os anos 60, o Cinema Novo resultou do desejo de parte dos realizadores da época em criar um cinema que tivesse “a cara” do Brasil. Glauber Rocha, em particular, abraçou o movimento escrevendo um texto intitulado “A Estética da Fome”, em que dizia que “o Cinema Novo é um projeto que se realiza na política da fome, e sofre por isto mesmo, todas as fraquezas conseqüentes de sua existência”. O movimento, assim, surgiu da vontade do cineasta da época de se contrapor aos problemas políticos, econômicos e sociais vigentes. No campo cinematográfico, o Cinema Novo pretendia ser o oposto do que tentou ser a Vera Cruz, estúdio paulista instalado em São Bernardo do Campo que, contratando técnicos e equipamentos estrangeiros, pretendia fazer no Brasil um cinema industrial aos moldes do cinema americano.
Segundo a professora da PUC-Campinas e doutoranda em Cinema, Juliana Sangion, há pouca ligação entre o Cinema Novo e a Retomada. Para ela, o cinema brasileiro hoje tem duas vertentes: uma mais voltada para um cinema autoral, praticado por nomes como Beto Brant (Crime Delicado) e Luis Fernando Carvalho (Lavoura Arcaica), e outra dedicada totalmente a produzir um cinema de massa e para as massas, almejando o sucesso comercial. Segundo ela, essa pretensão comercial é totalmente contrária ao que pregava o Cinema Novo, cuja proposta eram a refutação, a reflexão e a rebeldia, particularmente na figura de Glauber Rocha.
Teria este cinema surgido depois da Retomada alguma comparação com o Cinema Novo? Movimento consolidado no país durante os anos 60, o Cinema Novo resultou do desejo de parte dos realizadores da época em criar um cinema que tivesse “a cara” do Brasil. Glauber Rocha, em particular, abraçou o movimento escrevendo um texto intitulado “A Estética da Fome”, em que dizia que “o Cinema Novo é um projeto que se realiza na política da fome, e sofre por isto mesmo, todas as fraquezas conseqüentes de sua existência”. O movimento, assim, surgiu da vontade do cineasta da época de se contrapor aos problemas políticos, econômicos e sociais vigentes. No campo cinematográfico, o Cinema Novo pretendia ser o oposto do que tentou ser a Vera Cruz, estúdio paulista instalado em São Bernardo do Campo que, contratando técnicos e equipamentos estrangeiros, pretendia fazer no Brasil um cinema industrial aos moldes do cinema americano.
Segundo a professora da PUC-Campinas e doutoranda em Cinema, Juliana Sangion, há pouca ligação entre o Cinema Novo e a Retomada. Para ela, o cinema brasileiro hoje tem duas vertentes: uma mais voltada para um cinema autoral, praticado por nomes como Beto Brant (Crime Delicado) e Luis Fernando Carvalho (Lavoura Arcaica), e outra dedicada totalmente a produzir um cinema de massa e para as massas, almejando o sucesso comercial. Segundo ela, essa pretensão comercial é totalmente contrária ao que pregava o Cinema Novo, cuja proposta eram a refutação, a reflexão e a rebeldia, particularmente na figura de Glauber Rocha.
Já para o cineasta e professor Cauê Nunes (vencedor do prêmio de melhor curta metragem do II Festival Paulínia de Cinema com "Quem será Katlyn?"), há alguma ligação entre o cinema atual e o Cinema Novo, que “foi um movimento muito marcante e, por isso, muita gente o tem como referência. Uma característica que vejo nos filmes de hoje e que havia no Cinema Novo são filmes com temas sociais, que tratam dos problemas políticos, econômicos e sociais do Brasil”. Nunes cita como exemplo filmes como “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meireles, que trata da violência do Rio de Janeiro e das favelas da cidade carioca. Como comparação, ele cita “Cinco Vezes Favela”, de 1962. O filme era composto por uma série de curtas-metragens dirigidos por Marcos Faria, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirzman, e também tratava do mesmo tema. Cauê Nunes admite, no entanto, que a estética tecnicamente perfeita de “Cidade de Deus” pouco tem a ver com o que era feito no Cinema Novo. A partir da “Estética da Fome” de Rocha, o cinema da época tinha a posição política de refletir na tela os problemas enfrentados pelo Brasil. Assim, os filmes do Cinema Novo eram tecnicamente pobres não por falta de recursos ou por incapacidade profissional, mas para seguir à risca a idéia de que um país subdesenvolvido como o Brasil teria de fazer um cinema subdesenvolvido.
Juliana Sangion tem dúvidas quanto à estética pobre do Cinema Novo ser proposital ou não. “Eu acho que era o possível de ser feito, inspirado no ‘cinema verdade’. Já o cinema de hoje tem essa ‘cosmética da fome’, que é um cinema ‘bonitinho’, tecnicamente melhor acabado, mas que é pouco criativo. A criatividade, para mim, é algo que independe da tecnologia”.
De fato, muitos dos filmes brasileiros feitos nos últimos anos têm chamado a atenção por sua qualidade técnica. Isso se deve, em grande parte, à entrada na produção cinematográfica de nomes consagrados da publicidade, como o já citado Fernando Meireles, sócio proprietário da produtora “O2”, de São Paulo. Meireles conquistou fama internacional com “Cidade de Deus”, que recebeu quatro indicações ao Oscar, e já fez duas grandes produções em parceria com estúdios estrangeiros desde então, “O Jardineiro Fiel” e “Ensaio sobre a cegueira”. Outro grande nome do cinema brasileiro atual, Walter Salles, também veio da publicidade e da televisão. Em 1998, seu “Central do Brasil” emocionou o mundo, sendo indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e uma inédita indicação de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro. O primeiro longa metragem de Salles, “A Grande Arte” (1991), era falado em inglês e tinha o americano Peter Coyote encabeçando o elenco. Mas foi em “Central do Brasil” que ele vestiu a camisa do cinema nacional e trouxe para as telas um cinema que, além de entreter, também procurava mostrar os problemas sociais do país. “Todos os diretores brasileiros devem muito ao Cinema Novo, à idéia de que vale a pena tirar a câmera do estúdio e aproximar da rua”, declarou Salles recentemente no Festival do Cinema Latino Americano, na Holanda.
Tecnologia
Um dos lemas de Glauber Rocha no Cinema Novo era “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”. Com o grande avanço na tecnologia voltada à imagem que vemos hoje, em que câmeras digitais de alta definição estão se tornando portáteis e acessíveis à maioria das pessoas, será possível que surja daí um novo cinema brasileiro? Cauê Nunes vê com cautela esta questão: “Esses recursos democratizam a produção, então mais gente produz. Mas quantidade não é qualidade. A produção pode ser grande, mas não tão boa". Juliana Sangion não acredita que a facilidade tecnológica possa criar um novo tipo de cinema industrial, mas completa: "Está mais fácil ter uma câmera, está mais fácil de publicar o trabalho. Pode não entrar no circuito exibidor tradicional, mas pode ser exibido na internet, por exemplo. Então há um circuito exibidor alternativo.”
Preconceito?
Mesmo com o aumento de público espectador de filmes nacionais decorrido da Retomada, ainda é fato que muitos brasileiros não assistem à produção feita no país. Por que isso ocorre? Seria apenas preconceito, ou haveria outras razões? Cauê Nunes diz que esta é a pergunta a que todos os cineastas brasileiros gostariam de ter a resposta. Nunes crê que há várias razões para que isso aconteça, a começar pela falta de hábito: “Desde pequenos, estamos acostumados a um tipo de cinema que é o feito nos Estados Unidos. As crianças antigamente assistiam ‘Disneylândia’ e hoje assistem às animações da ‘Pixar’. Isso faz com que as pessoas fiquem acostumadas ao tipo de linguagem deles, e quando você fica adulto não se acostuma com outros tipos de linguagem que não a americana.” “Houve também o cinema da boca do lixo”, diz Juliana Sangion, “que relacionou o cinema nacional a uma estética mais pornográfica, o que afastou parte do público. Mesmo a proposta do Cinema Novo não agradava todo mundo, não era muito popular.”
O problema pode ser mais grave. A dominação cultural e estética de Hollywood não seria apenas questão de “gosto” ou “hábito”, mas uma estratégia cuidadosamente planejada pelos estúdios americanos para evitar que filmes nacionais conquistem espaço nas salas. Conta Cauê Nunes: “Quando um grande filme americano vai ser lançado por aqui, como ‘O Homem Aranha’, as distribuidoras brasileiras ficam interessadas em comprá-lo, porque ele vai render muito dinheiro. O que acontece é que os estúdios americanos podem exigir que, ao comprar o Homem Aranha, as distribuidoras tenham que comprar outros cinco filmes menores, que não atraiam tanta gente, mas que acabam ocupando as salas”.
Mesmo com o aumento de público espectador de filmes nacionais decorrido da Retomada, ainda é fato que muitos brasileiros não assistem à produção feita no país. Por que isso ocorre? Seria apenas preconceito, ou haveria outras razões? Cauê Nunes diz que esta é a pergunta a que todos os cineastas brasileiros gostariam de ter a resposta. Nunes crê que há várias razões para que isso aconteça, a começar pela falta de hábito: “Desde pequenos, estamos acostumados a um tipo de cinema que é o feito nos Estados Unidos. As crianças antigamente assistiam ‘Disneylândia’ e hoje assistem às animações da ‘Pixar’. Isso faz com que as pessoas fiquem acostumadas ao tipo de linguagem deles, e quando você fica adulto não se acostuma com outros tipos de linguagem que não a americana.” “Houve também o cinema da boca do lixo”, diz Juliana Sangion, “que relacionou o cinema nacional a uma estética mais pornográfica, o que afastou parte do público. Mesmo a proposta do Cinema Novo não agradava todo mundo, não era muito popular.”
O problema pode ser mais grave. A dominação cultural e estética de Hollywood não seria apenas questão de “gosto” ou “hábito”, mas uma estratégia cuidadosamente planejada pelos estúdios americanos para evitar que filmes nacionais conquistem espaço nas salas. Conta Cauê Nunes: “Quando um grande filme americano vai ser lançado por aqui, como ‘O Homem Aranha’, as distribuidoras brasileiras ficam interessadas em comprá-lo, porque ele vai render muito dinheiro. O que acontece é que os estúdios americanos podem exigir que, ao comprar o Homem Aranha, as distribuidoras tenham que comprar outros cinco filmes menores, que não atraiam tanta gente, mas que acabam ocupando as salas”.
Sangion, que está preparando uma tese sobre a influência da Globo Filmes no mercado do cinema brasileiro, chama de “pós Retomada” a entrada da produtora no mercado e o lançamento de “Cidade de Deus”, em 2002. “Foi quando tivemos de volta espectadores em números acima do ‘milhão’. A Globo Filmes entrou no mercado porque era o último braço que faltava às Organizações Globo entrar.” Sangion crê que, apesar da falta de criatividade temática do cinema atual, o público têm comparecido às salas e que as produções da Globo Filmes são uma espécie de resposta nacional aos “blockbusters” americanos.
Assim, podemos concluir que o cinema atual, apesar de certa semelhança temática com o Cinema Novo, não tem pretensões política nem quer “salvar o mundo”. É um cinema mais voltado para o mercado e que, aos poucos, tem alcançado público entre os espectadores do país.
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