terça-feira, 17 de novembro de 2009

Um Novo Cinema?

Uma comparação entre os filmes da Retomada e o Cinema Novo

A “Retomada” foi o cinema produzido no Brasil após 1995, inaugurado com o lançamento do filme “Carlota Joaquina”, da cineasta Carla Camurati. O cinema nacional, nos anos 90, sofreu um grande golpe com a extinção da Embrafilme (Empresa Brasileira do Filme) pelo então presidente da república Fernando Collor de Melo. A produção caiu praticamente a zero e o público freqüentador das salas ficou sem opções nacionais para assistir. “Carlota Joaquina”, produzido com muito empenho e distribuído de forma quase artesanal por sua diretora, caiu no gosto do público com sua mistura de drama histórico e comédia, e marcou um ressurgimento de filmes nacionais nos cinemas. De lá para cá, uma profissionalização na arte de fazer filmes, a entrada de publicitários no mercado cinematográfico e o surgimento da Globo Filmes fez com que um número relativamente grande de filmes fosse produzido no país todos os anos, conquistando parte da platéia que, por hábito, estava acostumada a só ver filmes americanos.

Teria este cinema surgido depois da Retomada alguma comparação com o Cinema Novo? Movimento consolidado no país durante os anos 60, o Cinema Novo resultou do desejo de parte dos realizadores da época em criar um cinema que tivesse “a cara” do Brasil. Glauber Rocha, em particular, abraçou o movimento escrevendo um texto intitulado “A Estética da Fome”, em que dizia que “o Cinema Novo é um projeto que se realiza na política da fome, e sofre por isto mesmo, todas as fraquezas conseqüentes de sua existência”. O movimento, assim, surgiu da vontade do cineasta da época de se contrapor aos problemas políticos, econômicos e sociais vigentes. No campo cinematográfico, o Cinema Novo pretendia ser o oposto do que tentou ser a Vera Cruz, estúdio paulista instalado em São Bernardo do Campo que, contratando técnicos e equipamentos estrangeiros, pretendia fazer no Brasil um cinema industrial aos moldes do cinema americano.

Segundo a professora da PUC-Campinas e doutoranda em Cinema, Juliana Sangion, há pouca ligação entre o Cinema Novo e a Retomada. Para ela, o cinema brasileiro hoje tem duas vertentes: uma mais voltada para um cinema autoral, praticado por nomes como Beto Brant (Crime Delicado) e Luis Fernando Carvalho (Lavoura Arcaica), e outra dedicada totalmente a produzir um cinema de massa e para as massas, almejando o sucesso comercial. Segundo ela, essa pretensão comercial é totalmente contrária ao que pregava o Cinema Novo, cuja proposta eram a refutação, a reflexão e a rebeldia, particularmente na figura de Glauber Rocha.


Já para o cineasta e professor Cauê Nunes (vencedor do prêmio de melhor curta metragem do II Festival Paulínia de Cinema com "Quem será Katlyn?"), há alguma ligação entre o cinema atual e o Cinema Novo, que “foi um movimento muito marcante e, por isso, muita gente o tem como referência. Uma característica que vejo nos filmes de hoje e que havia no Cinema Novo são filmes com temas sociais, que tratam dos problemas políticos, econômicos e sociais do Brasil”. Nunes cita como exemplo filmes como “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meireles, que trata da violência do Rio de Janeiro e das favelas da cidade carioca. Como comparação, ele cita “Cinco Vezes Favela”, de 1962. O filme era composto por uma série de curtas-metragens dirigidos por Marcos Faria, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirzman, e também tratava do mesmo tema. Cauê Nunes admite, no entanto, que a estética tecnicamente perfeita de “Cidade de Deus” pouco tem a ver com o que era feito no Cinema Novo. A partir da “Estética da Fome” de Rocha, o cinema da época tinha a posição política de refletir na tela os problemas enfrentados pelo Brasil. Assim, os filmes do Cinema Novo eram tecnicamente pobres não por falta de recursos ou por incapacidade profissional, mas para seguir à risca a idéia de que um país subdesenvolvido como o Brasil teria de fazer um cinema subdesenvolvido.

Juliana Sangion tem dúvidas quanto à estética pobre do Cinema Novo ser proposital ou não. “Eu acho que era o possível de ser feito, inspirado no ‘cinema verdade’. Já o cinema de hoje tem essa ‘cosmética da fome’, que é um cinema ‘bonitinho’, tecnicamente melhor acabado, mas que é pouco criativo. A criatividade, para mim, é algo que independe da tecnologia”.

De fato, muitos dos filmes brasileiros feitos nos últimos anos têm chamado a atenção por sua qualidade técnica. Isso se deve, em grande parte, à entrada na produção cinematográfica de nomes consagrados da publicidade, como o já citado Fernando Meireles, sócio proprietário da produtora “O2”, de São Paulo. Meireles conquistou fama internacional com “Cidade de Deus”, que recebeu quatro indicações ao Oscar, e já fez duas grandes produções em parceria com estúdios estrangeiros desde então, “O Jardineiro Fiel” e “Ensaio sobre a cegueira”. Outro grande nome do cinema brasileiro atual, Walter Salles, também veio da publicidade e da televisão. Em 1998, seu “Central do Brasil” emocionou o mundo, sendo indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e uma inédita indicação de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro. O primeiro longa metragem de Salles, “A Grande Arte” (1991), era falado em inglês e tinha o americano Peter Coyote encabeçando o elenco. Mas foi em “Central do Brasil” que ele vestiu a camisa do cinema nacional e trouxe para as telas um cinema que, além de entreter, também procurava mostrar os problemas sociais do país. “Todos os diretores brasileiros devem muito ao Cinema Novo, à idéia de que vale a pena tirar a câmera do estúdio e aproximar da rua”, declarou Salles recentemente no Festival do Cinema Latino Americano, na Holanda.

Tecnologia

Um dos lemas de Glauber Rocha no Cinema Novo era “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”. Com o grande avanço na tecnologia voltada à imagem que vemos hoje, em que câmeras digitais de alta definição estão se tornando portáteis e acessíveis à maioria das pessoas, será possível que surja daí um novo cinema brasileiro? Cauê Nunes vê com cautela esta questão: “Esses recursos democratizam a produção, então mais gente produz. Mas quantidade não é qualidade. A produção pode ser grande, mas não tão boa". Juliana Sangion não acredita que a facilidade tecnológica possa criar um novo tipo de cinema industrial, mas completa: "Está mais fácil ter uma câmera, está mais fácil de publicar o trabalho. Pode não entrar no circuito exibidor tradicional, mas pode ser exibido na internet, por exemplo. Então há um circuito exibidor alternativo.”

Preconceito?

Mesmo com o aumento de público espectador de filmes nacionais decorrido da Retomada, ainda é fato que muitos brasileiros não assistem à produção feita no país. Por que isso ocorre? Seria apenas preconceito, ou haveria outras razões? Cauê Nunes diz que esta é a pergunta a que todos os cineastas brasileiros gostariam de ter a resposta. Nunes crê que há várias razões para que isso aconteça, a começar pela falta de hábito: “Desde pequenos, estamos acostumados a um tipo de cinema que é o feito nos Estados Unidos. As crianças antigamente assistiam ‘Disneylândia’ e hoje assistem às animações da ‘Pixar’. Isso faz com que as pessoas fiquem acostumadas ao tipo de linguagem deles, e quando você fica adulto não se acostuma com outros tipos de linguagem que não a americana.” “Houve também o cinema da boca do lixo”, diz Juliana Sangion, “que relacionou o cinema nacional a uma estética mais pornográfica, o que afastou parte do público. Mesmo a proposta do Cinema Novo não agradava todo mundo, não era muito popular.”

O problema pode ser mais grave. A dominação cultural e estética de Hollywood não seria apenas questão de “gosto” ou “hábito”, mas uma estratégia cuidadosamente planejada pelos estúdios americanos para evitar que filmes nacionais conquistem espaço nas salas. Conta Cauê Nunes: “Quando um grande filme americano vai ser lançado por aqui, como ‘O Homem Aranha’, as distribuidoras brasileiras ficam interessadas em comprá-lo, porque ele vai render muito dinheiro. O que acontece é que os estúdios americanos podem exigir que, ao comprar o Homem Aranha, as distribuidoras tenham que comprar outros cinco filmes menores, que não atraiam tanta gente, mas que acabam ocupando as salas”.

Sangion, que está preparando uma tese sobre a influência da Globo Filmes no mercado do cinema brasileiro, chama de “pós Retomada” a entrada da produtora no mercado e o lançamento de “Cidade de Deus”, em 2002. “Foi quando tivemos de volta espectadores em números acima do ‘milhão’. A Globo Filmes entrou no mercado porque era o último braço que faltava às Organizações Globo entrar.” Sangion crê que, apesar da falta de criatividade temática do cinema atual, o público têm comparecido às salas e que as produções da Globo Filmes são uma espécie de resposta nacional aos “blockbusters” americanos.

Assim, podemos concluir que o cinema atual, apesar de certa semelhança temática com o Cinema Novo, não tem pretensões política nem quer “salvar o mundo”. É um cinema mais voltado para o mercado e que, aos poucos, tem alcançado público entre os espectadores do país.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

2012

"Roland Emmerich: orgulhosamente destruindo o mundo desde 1996". Este deveria ser o "slogan" deste diretor alemão que se especializou em elevar o gênero do "disarter movie" quase que a uma forma de arte. Em 1996 ele lançou "Independence Day", em que alienígenas hostis destruíam ícones americanos como a Casa Branca e o edifício Empire State com raios poderosos. Na época, as cenas de destruição em massa foram consideradas espetaculares. O próprio Emmerich foi mais longe na destruição do mundo em seu "O dia depois do amanhã", em 2004. Agora ele lançou o "disaster movie" mais espetacular de sua carreira e, provavelmente, de toda história do cinema. "2012" não se limita a mostrar alguns prédios explodindo ou pessoas morrendo. O filme mostra a Natureza engolindo cidades inteiras em gigantescos terremotos, que são seguidos por tsunamis, acompanhados por vulcões, chuva de lava fumegante, fumaça e assim por diante.

John Cusack interpreta o típico "herói" de Emmerich, um cara inteligente, abandonado pela mulher e sub-aproveitado em alguma ocupação inferior à sua real capacidade. Ele é pai de um casal de crianças e os olhos de sua ex-mulher Kate (Amanda Peet) ainda brilham quando ele aparece para buscar os filhos. Ele é um escritor que vendeu menos de 500 cópias de seu livro de ficção científica mas, ainda assim, é reconhecido quando é pego pelo governo em uma área proibida do parque Yellowstone. O elenco ainda conta com Chiwetel Ejiofor como o cientista que, auxiliado por colegas da Índia, descobre que o mundo está para terminar em alguns anos, devido a neutrinos perigosos enviados pelo Sol. A data, 2012, coincidiria com antigas previsões Maias que marcam a data como o fim do mundo. Ejiofor, Cusack e Peet são acompanhados no elenco por participações especiais de Woody Harrelson como um locutor de rádio maluco que também havia previsto o fim do mundo, por Danny Glover como o presidente dos Estados Unidos e por Thandie Newton como sua filha.

É um filme de efeitos especiais, e os 250 milhões de dólares do orçamento podem ser claramente vistos na tela. O roteiro é formado por uma série de sequencias que envolvem antecipação, desastre natural e fuga espetacular dos heróis de perigos cada vez maiores. E quem foi ao cinema para ver cenas de destruição não vai sair decepcionado. As fugas começam com uma limosine que consegue fugir da onda de choque de um terremoto em Los Angeles, seguida por outra sequencia espetacular em um avião particular em que o espectador é levado pelo ar enquanto edifícios inteiros se desintegram à sua volta. "2012" é desnecessariamente longo, com duas horas de quarenta minutos de duração, e a parte final se arrasta. Claro que é absurdo e não deve ser levado a sério nem por um segundo. Mas é o tipo do filme em que se deve deixar o cérebro na sala de espera do cinema e se divertir.


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Besouro

"Besouro" era o apelido dado a Manoel Henrique Pereira, filho de escravos que, mesmo nacido após a Lei Áurea, ainda sofreu muito com os reflexos da escravatura. Mestre em Capoeira, ele se tornou um mito no Recôncavo Baiano por seu modo de lutar e por enfrentar os senhores de engenho que ainda tratavam os negros como escravos. Ele lutava tão bem e realizava proezas tão prodigiosas que criaram-se várias lendas a seu respeito, como a de que podia voar.

Pois bem, chega agora às telas uma superprodução brasileira sobre ele. Mas o filme não sabe direito a que veio, se para contar a história do homem ou do mito. Dirigido por João Daniel Tirkhomiroff, "Besouro" não se decide entre ser um filme de artes marciais, um registro histórico ou uma fantasia sobre o mito de Manoel. Extremamente didático, começa com um letreiro falando sobre a capoeira e situando o filme no tempo. O letreiro é lido redundantemente por ninguém menos que Milton Golçalvez, praticamente a voz "oficial' do movimento negro no país e, por um momento, pensamos se tratar de um documentário. O roteiro, de Patrícia Andrade, trata de uma série desconexa de clichês previsíveis, como o início, em que vemos o jovem Besouro (Aílton Carmo) jogando capoeira enquanto seu mestre anda sozinho pela cidade. Didático novamente, o roteiro faz questão de colocar na narração e em falas dos personagens que Besouro deveria estar tomando conta de seu Mestre, o que já telegrafa o óbvio ao espectador: o mestre vai morrer nos próximos minutos.

Espera-se então que surja o mito, a transformação do jovem Manoel em Besouro, mas o filme, inseguro sobre como tratar de seu herói, perde seu tempo com os estereotipados personagens secundários. Há o "coronel" Venâncio (Flávio Rocha) e seus capangas, liderados por Noca de Antonia (Irandhir Santos), todos brancos, sujos e cruéis. Há os colegas de Besouro no engenho, como a jovem Dinorá (Jéssica Barbosa) e Quero-Quero (Anderson Santos de Jesus). Há várias cenas em que vemos os brancos maltratando os negros, enquanto Besouro... onde está ele?

O coreógrafo de lutas chinês Huen Chiu Ku, de Kill Bill, foi contratado para planejar as cenas de luta. Assim, era de se esperar uma espécie de filme de artes marciais brasileiro. A capoeira é uma modalidade apreciada e valorizada no mundo inteiro, pela sua combinação mortal de giros e movimentos de pernas. Aliada à coreografia de Chiu Ku e aos efeitos especiais digitais produzidos pela produtora Mixer, era de se esperar um filme de ação espetacular, recheado de grandes cenas de luta. Mas o roteiro se arrasta. O herói do filme, interpretado por Aílton Carmo, é uma figura pálida e completamente sem carisma. Ele é visto em cenas no meio da floresta ou em cachoeiras e é figura praticamente ausente do filme. Os orixás das religiões africanas também são apresentados de forma didática, um a um, pelo narrador, enquanto o tal "herói" se forma e ficamos esperando por alguma ação. O problema é que como nenhum dos vilões, os brancos, sabe jogar capoeira, não há como mostrar muitas cenas de lutas, e o filme acaba perdendo com isso. A trilha sonora é anacrônica, usando alguns instrumentos modernos, que até funcionam. Não se pode dizer o mesmo de certos diálogos, que contém expressões como "terminar com o namoro", entre outras, que soam fora de época e lugar.

Com menos didatismo, um herói mais carismático e muito mais cenas de lutas, "Besouro" poderia ter sido grande. Infelizmente, não é o caso.