domingo, 30 de agosto de 2009

Confissões de uma garota de programa

Chelsea é bonita, elegante, arrumada. Tem fala mansa, é educada e escuta as pessoas falarem de seus problemas. Ela mora com Chris, seu namorado, que é um personal trainer. Chelsea é uma garota de programa.

O filme é dirigido por Steven Soderbergh, que tem uma carreira singular. Ele surgiu para o mundo com o "cult" "Sexo, Mentiras e Videotape", que ganhou o Festival de Cannes em 1989. De lá para cá, tem misturado filmes de puro entretenimento, como a série Onze, Doze e Treze "Homens e um Segredo", com filmes um pouco mais ambiciosos, como "Traffic" (2000, pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Diretor), "Erin Brockovitch" (no mesmo ano, dando o Oscar de Melhor Atriz para Julia Roberts), e a refilmagem de "Solaris" (2002). Técnico competente, ele é também Diretor de Fotografia e operador de câmera de vários de seus filmes, além de editor e músico.

O título brasileiro, apesar de correto, é enganador. Sim, temos "confissões de uma garota de programa", mas o espectador não deve esperar algo "picante" ou no estilo "Bruna Surfistinha". O título original, "The Girlfriend Experience", é mais interessante. Em um mundo sexualmente liberal (e até libertino) como o nosso, em que algumas pessoas "ficam" com várias outras em curto espaço de tempo, se envolvendo não só amorosamente mas fisicamente, o que significa ter um namorado ou namorada? O filme de Soderbergh não é só sobre Chelsea, mas também sobre seu namorado e, sim, sobre seus clientes. Vários sequer fazem sexo com ela durante os encontros. Eles vão ao cinema, jantam em restaurantes caros, conversam sobre os problemas de uma economia em crise. Para adicionar um toque ainda mais realista ao ar documental da produção, Soderbergh escolheu a atriz de filmes pornô Sasha Grey para viver Chealsea. Não que isso signifique, novamente, cenas de sexo picantes (o filme é bem comportado, aliás). Mas a presença de Grey aumenta o contexto extrafilme para o espectador, que vê aquela garota elegante e imagina como, ou porque, ela faz aquele trabalho (e é simples ver, em sites especializados, Grey trabalhando em outros papéis).

Não linear, a história acompanha a vida da garota em Manhattan, Nova York. Muito bem paga, ela está sempre impecavelmente vestida (mesmo quando está pouco vestida) e em várias etapas de negociação. De fato, dá a impressão que todas as personagens do filme estão negociando alguma coisa. Há algo de irônico no fato de que as negociações da garota de programa parecem bem mais simples e melhor resolvidas que dos vários executivos mostrados no filme. Eles estão sempre reclamando da queda nos lucros e imaginando o pior, mesmo que não abram mão de viagens em jatinhos para Las Vegas ou dos caros serviços das garotas de programa. Há espaço para o amor nesse tipo de mundo? Christine (o nome verdadeiro de Chelsea) mora com o personal trainer Chris (Chris Santos) que aparentemente não se incomoda com a profissão da namorada. Mas há regras. Christine não quer que ele vá para Las Vegas sozinho em uma viagem de executivos. E ele fica muito incomodado quando ela diz que vai passar um final de semana com um cliente que pode significar "algo mais" para ela.

Com 78 minutos, é um filme curto, cujo formato de falso documentário e passo lento não agradou muito a platéia (houve várias desistências durante a projeção). Incautos, provavelmente esperavam cenas "quentes", quando o que vemos na tela é um curioso e sensível quadro do mundo moderno, frio e calculista.


sábado, 29 de agosto de 2009

A Onda

Em uma escola de ensino médio, na Alemanha, os alunos são convidados a estudar vários sistemas de governo. A turma do professor Rainer Wenger (Jürgen Vogel) foi escolhida para estudar a "autocracia" (o governo de um só, ou de um grupo). Wenger é um professor jovem e moderno, que conversa de igual para igual com os alunos e veste uma camiseta do grupo "Ramones". Ele gostaria realmente de dar aula sobre "anarquia", mas o assunto já foi escolhido por outro professor.

Surpreso quando seus alunos dizem que seria impossível uma ditadura se estabelecer novamente na Alemanha, ele resolve fazer um experimento. Deixa de ser camarada com os alunos e começa a exigir ser chamado de "Sr. Wenger", além de alinhar todas as carteiras da classe. Todo aluno tem direito a falar, desde que peça permissão primeiro e se levante. Começa então a fazer perguntas hipotéticas sobre como se estabelece uma ditadura; do que ela precisa? É democraticamente eleito o líder do grupo, que também vota por usar um uniforme com camisas brancas. Os alunos que discordam são desprezados pelo grupo e colocados para fora. Por fim, decidem por um cumprimento próprio e por um nome, "A Onda". O processo, inicialmente, é benéfico para alguns alunos. Os mais tímidos, por exemplo, se sentem amparados pelo resto do grupo e acreditam ter achado um propósito para suas vidas. Os preguiçosos, motivados, decidem abrir um website para "A Onda" e criar seu logotipo. O problema é que o que começa como um exercício hipotético acaba ganhando força própria. Os membros da "onda" se sentem protegidos e especiais, mas começam a discriminar todos os que não são como eles. Uma noite, todos saem pelas ruas pichando os muros e espalhando adesivos com seu logotipo pela cidade. Atos de vandalismo e violência começam a ocorrer sem que o professor Rainer tenha conhecimento do que está acontecendo.

O roteiro foi baseado em um livro de Tod Strasser, que já havia sido adaptado para a televisão americana em 1981. A história é baseada em um fato real ocorrido nos Estados Unidos, mas o fato dessa versão se passar na Alemanha, claro, acaba por evocar o Nazismo. Dirigido por Dennis Gansel, o filme é por vezes um pouco simplista. Nem todo grupo exposto a idéias fascistas necessariamente agiria da mesma forma. A figura do professor também me pareceu muito inocente. A Alemanha Nazista chegou a extremos justamente por ter a figura carismática de um líder como Adolf Hitler no comando. Mas o filme é um alerta contra o preconceito e o fundamentalismo, que podem nascer de forma democrática e com a melhor das intenções.


sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Casamento Silencioso

Eis um daqueles filmes raros, inteligentes, bonitos, instigantes, bem feitos. "Casamento Silencioso" é uma produção da Romênia, com direção de Horatiu Malaele, que também assina o roteiro em parceria com Adrian Lustig.

Em 1953, um pequeno vilarejo romeno acompanha com misto de apreensão e diversão o relacionamento apaixonado de Iancu (Alexandro Potocean) e Mara (Meda Andreea Victor). Os dois fazem amor nos campos de milho, na floresta, no celeiro, em todos os lugares, e seus pais gostariam que eles se casassem de uma vez. No horizonte, tanques soviéticos podem ser vistos fazendo manobras e, na floresta, uma estranha moça lança uma maldição sobre o casal. Quando os dois finalmente decidem se casar, uma grande festa é preparada, com muita comida e bebida. Só que, no dia da festa, oficiais soviéticos aparecem para ordenar que tudo seja parado. Joseph Stalin, que comandou a União Soviética de 1922 até 1953, havia morrido e um luto oficial de sete dias foi decretado. A festa de casamento estava proibida, sob pena de morte. O que se segue é das cenas mais hilariantes do filme, quando todo o vilarejo resolve se reunir à noite para celebrar o casamento da única forma possível, ou seja, silenciosamente. O diretor leva a sequência ao nível do absurdo, com brindes feitos com copos embrulhados em panos e uma banda que, animadamente, apenas finge tocar.

A sequência do "casamento silencioso" do título é ótima, mas todo o filme é permeado de situações que variam entre o absurdo e o sublime. Quando o Partido Comunista exige que um filme seja exibido no vilarejo, a luz elétrica tem que ser improvisada com um dínamo de bicicleta, operada pelo "inventor maluco" da cidade. Enquanto o filme de propaganda comunista é exibido na tela, toda a platéia do vilarejo solta gargalhadas com outro espetáculo involuntário: o prefeito da cidade, simpatizante dos soviéticos, se atrapalha com um grupo de comandados que, em câmera rápida, parecem interpretar uma cena cômica de um filme mudo. O clima de pastelão muda para a entrada poética de um grupo de circo na cidade, à noite, com as tochas dos malabaristas iluminando a todos. Pode-se sentir a presença do italiano Federico Fellini em momentos como este. O romeno Horatiu Malaele mostra grande habilidade para criar situações que passam pela comédia, pelo romance, pelo drama e até mesmo pelo sobrenatural. De forma poética e metafórica, "Casamento Silencioso" mostra como a Romênia, por anos, foi silenciada pelo regime comunista. Belo filme.

sábado, 8 de agosto de 2009

John Hugues, parte II

Hughes não dirigia um fime desde 1991, e fazia filmes que, na época, eram considerados "divertimento descartável". Pois bem, sua morte gerou reações bem interessantes mundo afora. Links que eu cacei por ai, ou achei na comunidade/sites de colegas:

ESTE LINK leva a uma história muito interessante de uma moça que era adolescente na época de "Clube dos Cinco" e enviou uma carta a Hughes. Em resposta recebeu uma "carta padrão" e adesivos do filme. Ela enviou outra carta a Hughes dizendo que tinha aberto seu coração para ele e recebeu uma carta padrão? Hughes respondeu pessoalmente pedindo desculpas e os dois se corresponderam ao longo de anos. Hughes levava as cartas dela à sério e acompanhava suas histórias, que ele dizia que o ajudavam a ir em frente. Anos depois, com ela já adulta, ela recebeu um longo telefonema dele falando que ele tinha parado de dirigir porque não gostava do caminho que Hollywood tinha tomado. E lamentava a morte do amigo e comediante John Candy (com quem trabalhou em vários filmes).

Este texto do crítico Roger Ebert fala com carinho sobre Hughes e seus filmes.

Texto de Kleber Mendonça Filho.

Cartaz do documentário American Teen, claramente influenciado pelo cartaz de "Clube dos Cinco".

Saudade de Ferris Bueller? Clique aqui.

Abaixo trailer de um documentário chamado "Don´t you forget about me", realizado por um grupo que tentou entrar em contato com Hughes para que ele falasse sobre os próprios filmes, mas aparentemente não conseguiu. Mas há depoimentos dos atores, agora todos adultos e de diretores que foram influenciados por Hughes, como Kevin Smith.



quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Morreu JOHN HUGHES

Um dos diretores mais significativos dos anos 80 faleceu hoje, aos 59 anos de idade, de ataque cardíaco. John Hughes era sinônimo de filmes inteligentes para adolescentes na década de 80. Ao contrário das pornochanchadas estúpidas como "Porkys" e "O Último Americano Virgem", Hughes lidava com adolescentes que não eram apenas veículos para filmes com sexo e diversão. A jovem Molly Ringwald, uma de suas descobertas, foi sua "musa" e atriz principal de "Sixteen Candles" (aqui com o título bobo de "Gatinhas e Gatões"), sobre uma garota de 16 anos chegando à adolescência (sim, adolescente na época não tinha 11 anos). Molly Ringwald também seria a personagem principal de "A Garota de Rosa Shocking" (Pretty in Pink, 1986), escrito e produzido por Hughes. O filme tratava de uma jovem garota pobre que se envolvia com um garoto de classe alta e que não conseguia lidar com a pressão dos amigos "playboys". "Pretty in Pink" também contava com Jon Cryer, hoje famoso na série "Two and a Half Men", como o melhor amigo de Ringwald, apaixonado platonicamente por ela.

Em 1985, Hughes fez um dos melhores filmes adolescentes do cinema, "O Clube dos Cinco" ("The Breakfast Club"), com um elenco que contava com os melhores atores juvenis da época: Molly Ringwald (novamente), Emilio Estevez, Anthony Michael Hall, Judd Nelson e Ally Sheedy. Os cinco adolescentes são obrigados a passar um sábado inteiro na escola como punição, e passam o tempo conversando sobre a vida, os problemas, juventude, virgindade, sexo, drogas e o futuro. Apesar das personalidades, origem e modos de vida diferentes, os cinco acabam encontrando pontos em comum e terminam se tornando amigos. A música tema composta pelo Simple Minds, "Don´t you forget about me", é emblemática desta fase em que as amizades e a juventude parecem eternas.

Em 1986, um campeão das Sessões da Tarde: "Curtindo a vida adoidado" (Ferris Bueller´s Day Off) trazia Matthew Broderick no seu papel mais famoso. Ferris Bueller acorda uma bela manhã e decide que o dia está bonito demais para desperdiçar na escola. Através de uma série de esquemas bem bolados (e totalmente fantasiosos), ele consegue convencer os pais e a escola de que está doente e sai para passear por Chicago acompanhado do melhor amigo hipocondríaco Cameron (Alan Ruck) e a namorada Sloane (Mia Sara). Sim, é um filme sobre adolescentes matando aula, mas Hughes constrói uma fantasia que não se trata apenas de farra. Os três passam o dia indo a museus, a jogos de beisebol e até participam de uma parada no centro de Chicago. A cena mais famosa do filme é quanto Ferris Bueller canta "Twist and Shout" em cima de um carro alegórico, para centenas de pessoas.

O último filme de Hughes como diretor foi "Curly Sue", de 1991, com James Belushi. Nos anos 90 ele preferiu trabalhar apenas como roteirista e produtor, e se deu muito bem lançando filmes como "Esqueceram de Mim". Segundo o site TMZ, Hughes sofreu um ataque cardíaco que o matou hoje de manhã, em Nova York, com apenas 59 anos.




segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Stella

"Stella" é um dos filmes mais femininos (e, ao mesmo tempo, universais) exibidos nos cinemas nos últimos anos. Escrito e dirigido por Sylvie Verheyde, é contado em primeira pessoa por Stella (Leora Barbara), uma menina de apenas 11 anos que vive com os pais em um bar de uma Paris que não é aquela que imaginamos, linda e com a Torre Eiffel. Esta é uma cidade real, com pessoas reais, enfrentando os problemas do dia a dia. Que problemas uma garota de 11 anos pode ter? Muitos.

O filme começa com Stella sendo admitida em uma escola "de ricos". Logo no primeiro dia, ela volta para casa com um olho roxo adquirido em uma briga com um garoto. Seus pais, Roselyne e Serge (Karole Rocher e Benjamin Biolay), não são más pessoas, mas têm pouco estudo, trabalham muito e não sabem como cuidar de uma criança. Stella ajuda a atender o balcão e pode assistir TV até tarde e conversar com os frequentadores do lugar (segundo a garota, todos vão morrer de cirrose, o que ajuda a renovar a clientela). Ela tem uma paixão platônica por Alain Bernard (Guillaume Depardieu, que morreu ano passado, filho de Gerárd Depardieu), um dos clientes que moram em um quarto alugado no mesmo prédio.

Na escola, Stella não consegue se enturmar com as outras crianças, todas mais avançadas intelectualmente e financeiramente. Um dia, porém, uma garota chamada Gladys (Melissa Rodrigues) conversa com ela e as duas engatam uma daquelas amizades que só são possíveis nessa idade, honesta e livre de interesses. Gladys é filha de um psiquiatra argentino e mora em um belo apartamento na cidade e, de vez em quando, Stella passa a noite com ela. A amizade acaba fazendo bem também aos estudos de Stella, embora não da forma rápida que aconteceria em um filme menos realista. A influência da educação de Gladys se faz sentir aos poucos, como quando Stella vai à uma livraria comprar um livro de Balzac. A leitura, ao menos no início, não impede que ela seja vítima constante daqueles professores mal amados que se encontram nas escolas mundo afora, que descontam suas insatisfações nas crianças. Mas o filme mostra como as boas amizades e bons exemplos são fundamentais para instigar a educação de uma criança. Os pais de Stella, principalmente a mãe, só sabem educar agredindo verbalmente e a colocando para baixo. Aos poucos, porém, a menina vai percebendo que a escola nova pode ser um caminho para fora do bar e para um futuro melhor.

A diretora/roteirista leva o filme com uma sensibilidade invejável. A interpretação das meninas é totalmente verdadeira, e nos identificamos de imediato. O filme é passado em uma época que, no início, não é muito fácil de identificar. Aos poucos, porém, certos indícios como roupas, discos de vinil e fotos de Alain Delon nos colocam entre os anos 60 e 70. A data exata (1977) só aparece em uma cena em que Stella se dá bem em uma tarefa na escola, falando sobre um quadro.

Não é um filme infantil (a indicação etária é de 14 anos), mas extremamente realista sobre como é, na verdade, a passagem da infância para a pré-adolescência. Para uma mulher ainda há o peso extra das mudanças mais rápidas no corpo, a primeira menstruação e a passagem das bonecas para outros interesses. Um filme com produção modesta, mas raro na beleza e sensibilidade.