Primeiro documentário a ser apresentado no II Festival Paulínia de Cinema, "Caro Francis" é um filme sobre o polêmico crítico, escritor e jornalista Paulo Francis, que morreu de ataque cardíaco em Nova York em pleno carnaval de 1997. Pouco antes da exibição, o diretor do documentário, Nelson Hoineff, subiu ao palco com a equipe para dizer que o filme não era isento e que era claramente um filme em homenagem a um amigo.
Paulo Francis também gostava de dizer que não era isento. Ele abominava a utopia jornalística da "imparcialidade" e era um homem de opiniões, mesmo que elas pudessem lhe causar embaraços ou problemas sérios. Dono de um humor mordaz e sem papas na língua, Francis começou escrevendo críticas de teatro que, segundo um dos entrevistados, contestavam até a lei da gravidade. Trotskista ferrenho, mudou radicalmente da esquerda para a direita quando foi para os Estados Unidos. A mudança é comentada com humor por parte de amigos e conhecidos. O produtor musical Nelson Mota diz que a esquerda brasileira diz que Francis "se vendeu" à direita, mas que isso é uma grande bobagem. O documentário é cheio de depoimentos de todo tipo de pessoas e áreas de atuação, como Fernanda Montenegro, Lucas Mendes, Boris Casoy, Fausto Wolff, Ziraldo, Matinas Suzuki, Hélio Costa e até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o atual governador de São Paulo, José Serra.
O astro principal também está presente, claro, em dezenas de imagens de arquivo de entrevistas ao Roda Viva, na TV Cultura, reportagens, erros de gravação e, claro, sua participação no Manhattan Connection, que fazia com Lucas Mendes, Nelson Mota e Caio Blinder. Alguns episódios chave de sua vida são mais detalhados, como sua saída da Folha de S. Paulo, motivada pela intervenção do ombudsman do jornal, Caio Túlio Costa (chamado por Francis de "lagartixa" e por Diogo Mainardi de "mau caráter"). A coluna de Francis era geralmente escrita altas horas da madrugada e, por vezes, nem mesmo o autor tinha plena consciência do que dizia. "Um bom editor", diz Paulo Francis em uma entrevista, "guardaria meu texto em uma gaveta e me perguntaria depois se eu tinha certeza que queria publicar aquilo". As opiniões consideradas de ultradireita lhe conseguiram o ódio mortal dos petistas, dezenas de políticos e de parte do público, mesmo sendo um dos colunistas mais lidos do país. Sua ida à Rede Globo foi aprovada com uma condição: que ele fosse ao ar apenas no final da noite, no Jornal da Globo, onde poderia provocar menos "estrago".
O maior problema foi quando, no Manhattan Connection, Francis acusou os diretores da Petrobrás de terem dinheiro sujo escondido em contas na Suíça. O diretor da Petrobrás na época processou Francis em 100 milhões de dólares e há quem diga que foi a preocupação sobre este episódio que causou a morte de Paulo Francis. Ele começou a sentir fortes dores no braço esquerdo e seu médico particular o tratou de bursite, sem perceber que ele estava com problemas cardíacos. O médico se defende dizendo que os exames de Francis estavam todos bons. O documentário intercala imagens de arquivo com depoimentos gravados em alta definição e fotografias. Há um momento em que o tom "light" e irreverente do filme dá uma guinada e a música de Gershwin é trocada por Tristão e Isolda, de Wagner, e é neste tom grave que o documentário vai até o final, o que me pareceu um pouco exagerado e melodramático.
De qualquer modo, "Caro Francis" é um bom retrato de um dos jornalistas mais polêmicos e folclóricos da imprensa brasileira. Seu modo de falar arrastado e característico, suas opiniões sarcásticas e sua cultura geral, segundo um dos entrevistados e "vítima" de Francis, fazem falta hoje em dia.
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