"Jean Charles" poderia ter sido vários tipos de filme. Poderia ter sido um filme-denúncia ao estilo de Oliver Stone, acusando abertamente a polícia londrina pelo assassinato do brasileiro, com imagens chocantes e teorias conspiratórias. Poderia ter sido um filme sobre um herói brasileiro, que não desiste nunca e que foi buscar a felicidade no estrangeiro e foi brutalmente assassinado sem motivo. "Jean Charles", dirigido por Henrique Goldman, não é nada disto. É um filme honesto, direto, contado em tom quase documental a vida de Jean Charles de Menezes (o onipresente Selton Mello), um eletricista mineiro que, confundido com um terrorista pela Scotland Yard em 2005, foi morto com 8 tiros no metrô de Londres. É um filme simples, mas muito bem feito, produzido em co-produção com a Inglaterra.
Rodado em Londres, o filme mostra a chegada à cidade da prima de Jean Charles, Vivian (Vanessa Giácomo) que, como milhares de brasileiros, está à procura de uma vida melhor e da chance de poder enviar dinheiro ao Brasil para a mãe doente. Interessante que Goldman tenha decidido contar a história de Jean Charles do ponto de vista dela. Jean é mostrado como um rapaz ambicioso, que sabe falar inglês e que consegue conquistar as pessoas com sua franqueza e entusiasmo. Selton Mello, felizmente, o interpreta sem os trejeitos que ele usa quando quer ser engraçado, e está bastante natural. A câmera de Goldman acompanha os personagens pelas ruas de Londres também de forma natural, que lembra um documentário. Há centenas de brasileiros trabalhando de forma legal e ilegal na cidade, e muitos são mostrados fazendo todo tipo de serviço; são cabeleireiros, taxistas, vendedores de roupas, camelôs e, no caso de Jean Charles, trabalham na construção civil. Jean era um eletricista que também fazia bicos como encanador, pintor ou qualquer tipo de serviço. O filme mostra como ele se dá bem passando a perna no patrão, aceitando fazer "por baixo dos panos" um serviço para um oriental. Também vemos ele se dar mal quando tenta arrumar vistos permanentes para dois colegas brasileiros.
Entre uma cena e outra, o "fantasma" do terrorismo ronda a cidade. A Inglaterra, seguindo os Estados Unidos, enviou tropas para o Iraque e está sofrendo com ameaças de várias formas. A mídia lança uma série de reportagens que refletem, e de certa forma fomentam, a paranóia e o medo contra os supostos terroristas que estariam na cidade. Em julho de 2005, Jean Charles foi seguido ao metrô por agentes que o confundiram com um suposto terrorista que estava sob investigação. Até hoje não se sabe com exatidão o que aconteceu. O fato é que um brasileiro desarmado, com um jornal na mão, foi baleado 8 vezes pela Scotland Yard. A cena em que suas primas Vivian, Patrícia e seu amigo Alex (Luís Miranda, excelente) recebem a notícia é tão bem feita que, repito, parece que estamos assistindo a cenas reais.
Estive nas filmagens de algumas cenas do enterro de Jean Charles, realizadas em Paulínia, São Paulo, em outubro de 2008. Uma produtora me colocou como figurante e posso dizer que, por quase um segundo inteiro, minha mão segurando um gravador aparece no filme. Seria bom se todos os brasileiros que estão lotando os cinemas para ver "A Mulher Invisível" também fossem dar uma chance a "Jean Charles". Os letreiros finais informam que até hoje ninguém foi culpado pela morte do brasileiro. O filme não tenta dar uma explicação, mas serve para nos lembrar como, em época de guerra e paranóia, todos somos vítimas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário