terça-feira, 30 de junho de 2009

Sombras de Goya

O diretor de origem tcheca Milos Forman tem um currículo invejável. Dirigiu clássicos modernos como “Um Estranho no Ninho” (1975) e se especializou em cinebiografias de personagens como o músico Mozart (“Amadeus”, 1984), o editor pornográfico Larry Flynt (“O Povo Contra Larry Flynt”, 1996) ou o comediante americano Andy Kaufman (“O Mundo de Andy”, 1999). Em 2006 resolveu levar a vida do pintor espanhol Francisco Goya para as telas em “Sombras de Goya”, usando do mesmo artifício que usou em “Amadeus”, isto é: ver o personagem principal através dos olhos de um secundário. O recurso funcionou magnificamente em “Amadeus”, contado a partir dos olhos invejosos de um compositor concorrente, Salieri. Já em “Sombras de Goya”, infelizmente, o resultado está aquém do esperado.

O verdadeiro Goya teve uma vida difícil, marcada por uma doença que o deixou quase cego e totalmente surdo. Teve que enfrentar a Inquisição e problemas com vários monarcas. O filme preferiu se concentrar na figura do Padre Lorenzo (Javier Barden), membro da Inquisição Espanhola que tem uma queda pelas artes e que encomendou a Goya um retrato. A Inquisição está incomodada com umas gravuras feitas por Goya que mostram cenas grotescas da Espanha, e quer chamá-lo. O Padre Lorenzo alega que o problema não está nas gravuras, mas na própria realidade, e propõe um endurecimento por parte da Inquisição. Ele diz aos outros padres que eles precisam procurar por “sinais do demônio” em todo lugar, o que leva a situações absurdas. Uma jovem garota chamada Inês (Natalie Portman), por exemplo, é presa pelo “santo ofício” porque foi vista recusando porco durante um jantar. A Inquisição viu nisso suspeita de que ela poderia ser judia e, por meio de tortura, conseguem tirar dela uma “confissão”. A tortura, claro, não tinha esse nome. Era chamada de “o interrogatório”, e a Igreja acreditava que, se a pessoa fosse realmente inocente, Deus lhe daria forças para suportar a dor e passar por ele. Por esta lógica, quem confessasse alguma coisa era culpado. O Padre Alonzo também acreditava nisso, até que o pai de Inês, um rico comerciante de Madrid, lhe faz passar por uma “experiência” que lhe faz mudar de idéia.

Tudo isso é mostrado por Forman com uma fotografia deslumbrante (de Javier Aguirresarobe), que tenta emular o estilo das pinturas de Goya (interpretado por Stellan Skarsgard). O problema é que o roteiro é incapaz de abarcar todo o momento histórico tratado pelo filme (o final do século 18, a Revolução Francesa, as mudanças sociais e políticas que estavam ocorrendo na época). Além disso, o personagem do pintor em si não é interessante o suficiente para despertar a atenção. Menos importância são dadas a suas obras do que ao roteiro tortuoso, que passa por vários anos e mostra o antes e depois da Revolução Francesa, que derrubou a monarquia e causou reflexos em toda e Europa. A trama se concentra no padre Alonzo, que fugiu para a França e se tornou um revolucionário, e em Inês, que passa 15 anos presa nos porões da Inquisição e tem uma filha que é de Alonzo. Há uma série de coincidências e encontros e desencontros improváveis, enquanto Goya se resume a uma figura sem muito relevo. De onde ele veio? Que ideais ele defende? Suas gravuras são realmente um desafio à Igreja e aos “bons costumes” ou apenas desenhos para serem vendidos? Onde está sua família? Ele é casado? É solteiro? Todas estas perguntas ficam sem resposta. A única coisa que vemos é um artista que simplesmente sobrevive à passagem do tempo e à queda de reis e rainhas, mas não sabemos exatamente o porquê. Assim, falta a “Sombras de Goya” a profundidade de “Amadeus”. Falta explorar mais o gênio por trás das pinturas e o homem por trás dos quadros.




sábado, 27 de junho de 2009

Jean Charles

"Jean Charles" poderia ter sido vários tipos de filme. Poderia ter sido um filme-denúncia ao estilo de Oliver Stone, acusando abertamente a polícia londrina pelo assassinato do brasileiro, com imagens chocantes e teorias conspiratórias. Poderia ter sido um filme sobre um herói brasileiro, que não desiste nunca e que foi buscar a felicidade no estrangeiro e foi brutalmente assassinado sem motivo. "Jean Charles", dirigido por Henrique Goldman, não é nada disto. É um filme honesto, direto, contado em tom quase documental a vida de Jean Charles de Menezes (o onipresente Selton Mello), um eletricista mineiro que, confundido com um terrorista pela Scotland Yard em 2005, foi morto com 8 tiros no metrô de Londres. É um filme simples, mas muito bem feito, produzido em co-produção com a Inglaterra.

Rodado em Londres, o filme mostra a chegada à cidade da prima de Jean Charles, Vivian (Vanessa Giácomo) que, como milhares de brasileiros, está à procura de uma vida melhor e da chance de poder enviar dinheiro ao Brasil para a mãe doente. Interessante que Goldman tenha decidido contar a história de Jean Charles do ponto de vista dela. Jean é mostrado como um rapaz ambicioso, que sabe falar inglês e que consegue conquistar as pessoas com sua franqueza e entusiasmo. Selton Mello, felizmente, o interpreta sem os trejeitos que ele usa quando quer ser engraçado, e está bastante natural. A câmera de Goldman acompanha os personagens pelas ruas de Londres também de forma natural, que lembra um documentário. Há centenas de brasileiros trabalhando de forma legal e ilegal na cidade, e muitos são mostrados fazendo todo tipo de serviço; são cabeleireiros, taxistas, vendedores de roupas, camelôs e, no caso de Jean Charles, trabalham na construção civil. Jean era um eletricista que também fazia bicos como encanador, pintor ou qualquer tipo de serviço. O filme mostra como ele se dá bem passando a perna no patrão, aceitando fazer "por baixo dos panos" um serviço para um oriental. Também vemos ele se dar mal quando tenta arrumar vistos permanentes para dois colegas brasileiros.

Entre uma cena e outra, o "fantasma" do terrorismo ronda a cidade. A Inglaterra, seguindo os Estados Unidos, enviou tropas para o Iraque e está sofrendo com ameaças de várias formas. A mídia lança uma série de reportagens que refletem, e de certa forma fomentam, a paranóia e o medo contra os supostos terroristas que estariam na cidade. Em julho de 2005, Jean Charles foi seguido ao metrô por agentes que o confundiram com um suposto terrorista que estava sob investigação. Até hoje não se sabe com exatidão o que aconteceu. O fato é que um brasileiro desarmado, com um jornal na mão, foi baleado 8 vezes pela Scotland Yard. A cena em que suas primas Vivian, Patrícia e seu amigo Alex (Luís Miranda, excelente) recebem a notícia é tão bem feita que, repito, parece que estamos assistindo a cenas reais.

Estive nas filmagens de algumas cenas do enterro de Jean Charles, realizadas em Paulínia, São Paulo, em outubro de 2008. Uma produtora me colocou como figurante e posso dizer que, por quase um segundo inteiro, minha mão segurando um gravador aparece no filme. Seria bom se todos os brasileiros que estão lotando os cinemas para ver "A Mulher Invisível" também fossem dar uma chance a "Jean Charles". Os letreiros finais informam que até hoje ninguém foi culpado pela morte do brasileiro. O filme não tenta dar uma explicação, mas serve para nos lembrar como, em época de guerra e paranóia, todos somos vítimas.


terça-feira, 23 de junho de 2009

Sinédoque, Nova York

Um diretor de teatro. Um ator que interpreta este diretor. Uma esposa. Não, duas esposas. Duas filhas pequenas, quase idênticas. Uma psicóloga que parece estar exatamente no lugar certo o tempo todo. Uma casa permanentemente em chamas, mas ninguém parece notar. Nova York. Um cenário de Nova York, dentro de Nova York. E assim por diante. Sinédoque, me informa o dicionário, é "tomar a parte pelo todo". Cinco cabeças de gado. "Cabeça" no lugar de boi. O que nos leva a "Sinédoque, Nova York", filme de estréia na direção do roteirista Charlie Kauffmann. Ele é o responsável pelos roteiros menos convencionais feitos pelo cinema americano nos últimos anos. Suas histórias têm algumas características em comum, como a metalinguagem, os personagens masculinos geniais mas confusos, a presença do fantástico no dia a dia e assim por diante. Ele escreveu filmes como "Quero ser John Malkovich", "Adaptação", "Confissões de uma mente perigosa" e "Brilho Eterno de uma mente sem lembranças".

Ele chega agora à direção em um filme (escrito por ele, naturalmente) que carrega todas estas características e as leva ao extremo absoluto. Por um lado, parece genial. Por outro, ao chegar ao final da longa sessão de cinema (são 124 minutos que, francamente, parecem mais) fica difícil chegar à uma conclusão sobre o filme. Resumo rápido: Um diretor de teatro hipocondríaco que ganha um prêmio em dinheiro resolve fazer uma peça que embarque toda a sua vida e o mundo à sua volta. Ele contrata um ator não só para interpretá-lo, mas para segui-lo 24 horas por dia e saber todos os detalhes de sua vida. Há também atrizes que substituem sua segunda mulher, Claire (Michelle Williams) e sua assistente, Hazel (Samantha Morton). Dentro de um galpão enorme em Nova York, aos poucos ele vai recriando seu apartamento, os prédios em volta, finalmente chegando a recriar Nova York dentro de Nova York. É a idéia de que "a vida é uma peça de teatro" elevada à décima potência. A idéia é ótima, mas é tudo tão demorado e "solene". Há viagens para a Alemanha, para onde a primeira esposa (a ótima Catherine Keener) se muda com a filha pequena. Há vários enterros, reais, imaginários e recriados. Há obras de arte pintadas no tamanho de um selo. Há um momento em que não temos certeza nem sobre o gênero dos personagens. E uma sensação de que tudo vai dar errado, e da maneira mais demorada e dolorosa possível.

Basicamente, não é um filme sobre a vida, mas sobre a morte em vida. Um monumento à inércia e à grandes idéias que nunca se tornam realidade. O que me incomodou mais é que a parte humana da história acaba enterrada nas loucuras do Kauffman. E há um lado humano nos primeiros trinta minutos do filme, aproximadamente, enquanto "Sinédoque, Nova York" ainda é um filme sobre seres humanos. Sobre Caden Cotard (o sempre ótimo Philip Seymour-Hoffman), um diretor de teatro casado com uma artista chamada Adele Lark (Catherine Keener). Os dois estão em terapia de casal e sofrem aquela crise que chega no casamento quando os desapontamentos se tornam maiores do que a admiração mútua. Eles têm uma filha chamada Olive que é um pouco precoce e faz todas as perguntas difíceis. Caden é frequentemente assediado pela moça que trabalha na bilheteria do teatro, Hazel (Samantha Morton), mas nunca cede às insinuações dela. Até que um dia a esposa vai à Alemanha com a filha para uma esposição de arte e, aparentemente, nunca volta. E então o filme deixa o lado humano de lado e embarca nas bizarrices de Charlie Kauffman.

Há uma porção de idéias fantásticas por todo o filme. Há lances brilhantes e a sensação de que algo "genial" está para acontecer. Mas, em minha opinão, Kauffman caiu na armadilha do diretor que não consegue cortar o próprio texto. É tudo lento demais e, francamente, infindável.


domingo, 21 de junho de 2009

Intrigas de Estado

"Intrigas de Estado" segue a linha de produções que mostram jornalistas investigando casos que envolvem conspirações entre grandes empresas, o poder e subserviência da mídia e o envolvimento de políticos em escândalos. Pode-se citar "Todos os Homens do Presidente" (de Alan J. Pakula), ou "O Informante" (de Michael Mann) como outros exemplos do gênero. Adaptado de uma série da televisão britânica, "Intrigas de Estado" é dirigido por Kevin MacDonald ("O Último Rei da Escócia") e foi escrito por Matthew Michael Carnahan ("Leões e Cordeiros") e Tony Gilroy, ótimo roteirista de toda a série "Bourne" e diretor de "Conduta de Risco" (Michael Clayton). Essa equipe classe "A" é acompanhada por um grande elenco, composto por Russell Crowe, Helen Mirren, Robin Wright Penn, Rachel McAdams, Jeff Daniels e Ben Affleck.

A trama envolve um deputado chamado Stephen Collins (Affleck) que está encabeçando uma CPI sobre a terceirização do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Baseado em fatos reais, a "vilã" do filme é uma empresa chamada Pointcorp, empregada pelo governo americano para agir no Iraque e que fatura bilhões de dólares. Fundada e operada por ex-militares, a empresa é acusada de abusos no campo de batalha e por falcatruas internas. No início do filme, vemos três crimes aparentemente não relacionados que chamam a atenção de um repórter da velha guarda do "Washington Globe", Cal McAffrey (Crowe). Ele e Collins estudaram na faculdade juntos, e quando a principal investigadora de Collins é morta de forma suspeita no metrô, a imprensa cai em cima dele ao descobrir que o deputado estava tendo um caso com a garota. Cal estava investigando o assassinato de um morador de rua e de um simples entregador de pizza e descobriu que estes crimes estão ligados à morte da pesquisadora de Collins. Tudo aponta para uma conspiração da Pointcorp, que estaria interessada em desmoralizar Collins na Comissão de Inquérito.

O filme também toca na questão dos rumos do jornalismo neste milênio. Há uma demanda crescente dos donos do jornal para vender a qualque custo, e Cal torce o nariz para uma novata da redação, Della Frye (McAdamns), que escreve para a parte online do diário. Mas os dois acabam se tornando parceiros na investigação, e Russel Crowe mais uma vez se mostra um grande ator. Seu personagem é um jornalista das antigas, sempre com uma caneta e bloco na mão, com contatos em todo lugar e conhecido de policiais e políticos. Sua mesa na redação é aparentemente uma bagunça, assim como o carro velho que dirige. Interessante que a direção de arte tenha feito a redação do jornal com uma aparência que me lembrou um presídio. Há linhas verticais cortando a tela que lembram barras e o ambiente é escuro, mas Cal ainda acredita que a "verdade" tenha de ser buscada lá fora, nas ruas. Há uma complicação adicional no fato de que ele e a esposa de Collins, Anne (a bela Robin Wright Penn), terem tido um caso que vem desde a época da faculdade, e há um estranho triângulo amoroso entre o jornalista, o congressista e sua esposa, em que todos aparentemente sabem da situação mas nunca a comentam.

O filme é bem escrito, bem interpretado e dirigido. Há bons momentos de suspense e uma idéia de que ainda vale a pena lutar por alguma coisa.


domingo, 14 de junho de 2009

Budapeste

Para começar, o aviso obrigatório: não li o livro de Chico Buarque que deu origem a este belo filme de Walter Carvalho. Mas, terminada a sessão, uma visita à livraria mais próxima me permitiu folheá-lo e tirar algumas dúvidas sobre como, no livro, certas situações foram resolvidas, ou o quanto elas ficaram diferentes na tela.

Adstringente. Saudade. Pão de açúcar. Andorinha.

Este é um filme sobre palavras. É daquele tipo de obra que desafia um simples resumo de seu enredo. Nas competentes mãos de Carvalho, excelente diretor de fotografia (Central do Brasil, Cazuza, Lavoura Arcaica), ele se torna um filme sobre momentos, sobre sensações. José Costa (Leonardo Medeiros) é um ghost writer, aquele tipo de escritor que produz um livro anonimamente para os outros, que acabam levando a fama. Como diz um de seus clientes, para quem Costa escreve uma autobiografia, se ele tivesse tempo para escrever não teria tido tempo para viver. Costa é casado com Vanda (Giovanna Antonelli), uma apresentadora de telejornal que gosta da fama e que não entende a posição aparentemente subalterna do marido. Os dois têm um filho que tem problemas para falar. Parece o pai que, apesar de talentoso com as palavras, não consegue se expressar na própria voz.

Costa se apaixona por Budapeste, capital da Hungria, que conheceu quando o voo em que estava teve uma pane e teve de pousar. Ele diz que a cidade é "amarela", e a magnífica fotografia de Lula Carvalho (filho de Walter) a mostra em suaves tons dourados. Costa também se apaixona pela língua, tão difícil que dizem que até o Diabo a respeita. Ele assiste à televisão e tenta aprender algumas palavras, sem sucesso. É difícil saber quando uma termina e a outra começa. É então que ele conhece Kriska (Gabriella Hámori), uma bela húngara que resolve ensiná-lo a língua, mas não da forma tradicional. Há uma bela cena em que ela, de patins, corre pela cidade apontando as coisas e dizendo seus nomes, enquanto Costa corre atrás e vai repetindo. Fica claro que ele consegue se comunicar muito melhor com Kriska do que com a própria esposa, apesar deles não falarem a mesma língua. Isso tudo é visto no filme em húngaro e com legendas, o que me parece uma vantagem com relação ao livro (em que tudo era escrito em português). Há uma sonoridade estranha no incompreensível húngaro e o espectador se sente tão perdido quanto o personagem, apesar das legendas.

Como não poderia deixar de ser, o filme é magnificamente fotografado, e Carvalho faz um jogo de luzes e sombras que por vezes lembram seu documentário "Janelas da alma", em que explorava os limites da visão e sua diferente percepção entre as pessoas. Há uma grande quantidade de cenas de sexo e mulheres nuas, o bastante para chocar algumas moças que estavam no cinema comigo. Mas não é nada explícito nem necessariamente gratuito. É parte do espetáculo sensorial que é o filme. Para representar o distanciamento de Costa de sua esposa, por exemplo, há uma cena em que o vemos como que fora do próprio corpo, assistindo a si mesmo transando com a mulher. Já com Kriska é diferente, ao menos no início, quando eles ainda não entendem as palavras um do outro.

É um filme lento, provavelmente lento demais para o gosto médio do público que foi ver "A Mulher Invisível", por exemplo. Mas repare nos vários detalhes espalhados pelo filme. Veja com o tema do "contrário", do estar do avesso, ou nos bastidores da ação, é representado por várias imagens por toda produção. No relógio visto no espelho, ou em um mapa visto por trás, em uma vitrine, com as palavras ao contrário, da mesma forma como o biografado de Costa supostamente escrevia no corpo das mulheres. Ou reparem como o nome dele, José Costa, é pronunciado ao contrário na Hungria. Como a estátua de Lenin que se afasta até deixar o mundo, literalmente, de cabeça para baixo.


sexta-feira, 12 de junho de 2009

Appaloosa

Ed Harris dirigiu, atuou, co-escreveu e co-produziu este faroeste à moda antiga. Harris já provou em vários filmes que é um ator excelente, e em "Pollock" (2000) que também podia ser um ótimo diretor. Neste filme ele volta à direção em um personagem bem mais comedido e centrado que em seu trabalho anterior. Em Appaloosa ele é Virgil Cole, uma figura quieta, introspectiva e mortal quando contrariado. Ele tem um parceiro de aventuras com quem trabalha há doze anos, Everett Hitch (Viggo Mortensen), que é seu comparsa, seu amigo e seu anjo da guarda quando as coisas esquentam. Os dois são contratados para livrar a cidade de Appaloosa de um cruel minerador chamado Randall Bragg (Jeremy Irons), que matou o delegado anterior a sangue frio e está aterrorizando a cidade. Cole e Hitch não passam de matadores contratados, mas é o oeste americano em 1882, e a lei era feita sempre pelo mais forte, ou o mais rápido no gatilho. Os dois mal tem tempo de se instalar na cidade e a matança começa. Há uma cena muito boa em que Bragg e seu bando vem conversar com Cole e Hitch e por um momento achamos que a guerra vai acontecer naquele momento, mas o roteiro é muito bom e tem um respeito enorme pelas palavras.

Chega então à cidade uma mulher chamada Allie French (Renée Zellweger), que atrai a atenção de Hitch mas é Cole quem a conquista rapidamente, prometendo um lugar para ficar e um emprego como pianista no hotel da cidade. Já imaginamos o velho clichê em que a mulher vai terminar com a amizade dos dois homens mas, repito, o roteiro é mais inteligente do que isso. Allie é uma mulher que sabe usar sua suposta vulnerabilidade para conquistar o coração dos homens e pode ser vista como uma manipuladora ou simplesmente como uma mulher tentando sobreviver. Mas a ligação entre Cole e Hitch é tão grande que não é fácil de ser quebrada. Ed Harris dirige de forma brilhante e sua performance ao lado de Viggo Mortensen é ótima. Os dois são homens de poucas palavras, e em algumas cenas diálogos inteiros são substituídos por apenas um olhar rápido entre os dois. Seu relacionamento me lembrou o de Henry Fonda e Anthony Quinn em "Minha Vontade é a Lei" (Warlock, 1959), de Edward Dmytryk, em que Fonda era o pistoleiro famoso enquanto Quinn era seu guarda costas.

A fotografia de Deam Seamler, fotógrafo veterano que já havia feito faroestes como "Dança com Lobos", e que neste filme voltou a trabalhar com película depois de uma série de filmes rodados em suporte digital. A tela em widescreen é usada para capturar as largas paisagens americanas ou para enquadrar os poucos, mas eficientes, duelos do filme. Percebe-se um grande cuidado na reconstituição de época, figurinos, detalhes e na cenografia da cidade fictícia de Appaloosa, construída para a produção. O filme foi lançado em DVD e contém extras muito bons sobre os bastidores, entrevistas com o elenco e equipe técnica.


quinta-feira, 11 de junho de 2009

O Exterminador do Futuro: A Salvação

A série de filmes "O Exterminador do Futuro" começou em 1984, quando um jovem e ambicioso diretor/roteirista chamado James Cameron lançou um filme de ficção científica feito com relativamente pouco dinheiro e muita imaginação. A história, "absurda", falava sobre uma hecatombe nuclear acontecida no futuro (que era 1997, na época), causada pela ascenção das máquinas ao poder. Uma figura messiânica, que respondia pelas iniciais J.C. (não Jesus Cristo, mas John Connor), traria inspiração para o que restou da humanidade. As máquinas, então, enviaram Arnold "Exterminador" Swarzenegger para o passado para matar sua mãe, Sarah Connor (Linda Hamilton), e impedir seu nascimento. O filme não passava de uma série bem feita de perseguições e efeitos especiais mecânicos baratos mas eficientes, e ganhou status de "cult". Em 1991, com muito mais dinheiro e inovando no uso dos primeiros efeitos em computação gráfica do cinema, James Cameron voltou com "O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final", um espetacular filme de ficção científica que é considerado o definitivo dentre as produções da série. Mesmo assim, os produtores lançaram em 2003 o terceiro exemplar, claramente um caça-níqueis, ainda com Swarzenegger no seu melhor papel.

Nesta era de refilmagens, recriações e filmes baseados em história em quadrinhos que povoam os cinemas, era de se esperar o retorno do Exterminador à telona. É o que acontece agora com "O Exterminador do Futuro: A Salvação". dirigido por um tal de McG (seria uma máquina?). O filme é surpreendentemente bom. Christian Bale está no papel de um John Connor um pouco menos carismático do que se poderia esperar do "futuro líder da resistência". Mas quem rouba a cena mesmo, e é o trunfo do roteiro, é um personagem novo chamado Marcus Wright (Sam Worthington). Marcus é um condenado à morte que, no início da trama, é visitado por uma mulher estranha (Helena Bonhan Carter) que lhe pede que doe o corpo para experiências. Anos mais tarde, em 2018, Marcus "volta à vida" depois que John Connor e os rebeldes invadem uma base da Skynet (a rede de computadores que controla as máquinas). Marcus revive para descobrir que seu mundo foi destruído e encontra, em uma Los Angeles abandonada, um rapaz chamado Kyle Reese (Anton Yelchin, o Checkov do novo Star Trek). Reese, para quem acompanha a série, é ninguém menos que o pai de John Connor, só que ele ainda não sabe. Após uma série de perseguições, o jovem Reese é capturado pela Skynet e Marcus Wright vai à procura de Connor. Há apenas um porém: Marcus não come, não se machuca, é quase indestrutível, pois é uma máquina.

Em um filme cujo principal objetivo é mostrar coisas explodindo e grandes cenas de perseguição, o "Exterminador" consegue injetar uma boa dose de humaninade neste conflito entre homens e máquinas. Marcus não sabe de sua natureza robótica, e seu olhar de terror quando vê suas próprias entranhas metálicas é marcante. John Connor, ensinado desde criança a desconfiar e lutar contra as máquinas, não sabe direito como lidar com Marcus; ele é um amigo ou uma ameaça? O recurso funciona bastante bem, embora, em contrapartida, acabe tirando muito da humanidade do próprio John Connor. Christian Bale é um ótimo ator mas seu personagem, infelizmente, não tem muito a oferecer a não ser gritar ordens furiosas e lutar com andróides assassinos. Bryce Dallas Howard, linda, é sua esposa e está grávida, mas também é inexpressiva. Em compensação, Marcus consegue a amizade de uma rebelde vivida intensamente por Moon Bloodgood.

Os efeitos especiais, da consagrada Industrial Light & Magic, são muito bons e misturam bem efeitos mecânicos com computação gráfica. O estúdio original de Stan Winston, o mago dos efeitos especiais que morreu ano passado, está a cargo de fazer os exterminadores e os moldes originais de Arnold Swarzenegger foram usados para recriá-lo em uma cena do filme. "O Exterminador do Futuro: A Salvação" pode não ser um clássico como "Terminator" e "Terminator 2", mas é um bom filme que certamente vai agradar aos fãs da série.


domingo, 7 de junho de 2009

A Mulher Invisível

Estranho esse tipo de cinema comercial que tem se tentado fazer no Brasil. Após o enorme sucesso de "Se eu fosse você 2", chega agora às telas "A Mulher Invisível". O filme com Tony Ramos e Glória Pires já seguia a cartilha da troca de gêneros tão usada na comédia americana e replicada aqui com inesperado sucesso. Agora o filme de Cláudio Torres, com Selton Mello e Luana Piovani, também segue uma fórmula usada à exaustão: a do homem solitário que, por algum motivo, começa a ver alguém que ninguém mais consegue enxergar. Foi assim com Steve Martin em "Um Espírito Baixou em Mim" ("All of Me", 1984), ou com Robert Downey Jr em "Morrendo e Aprendendo" ("Heart and Souls", 1993), entre vários outros exemplos.
Em "A mulher invisível", Selton Mello (figura carimbada do cinema brasileiro) é Pedro Albuquerque, um controlador de tráfego no Rio de Janeiro, que é abandonado pela esposa Marina (Maria Luisa Mendonça, em aparição relâmpago), no início do filme. Ele entra em parafuso, deixa o emprego e se tranca no apartamento por meses seguidos. Um dia uma mulher estonteante (Luana Piovani, com pouca roupa) aparece à sua porta com uma xícara na mão. Sim, é o velho clichê da vizinha que foi pedir açúcar emprestado. Ela acaba se revelando a mulher "ideal"; é bonita, gostosa, arruma a casa, não liga se Pedro chega de madrugada depois de uma noitada e está sempre pronta para sexo. O problema é que ela não existe, sendo fruto da imaginação de Pedro. E este é o filme. Não é difícil imaginá-lo em Nova York ou Los Angeles, com Ben Stiller como Pedro e Cameron Diaz como a mulher de seus sonhos.
A julgar pelas gargalhadas ouvidas na platéia, a produção agradou ao público e, de fato, ela tem seus momentos. Selton Mello, com uns quilos a mais, faz uso de seus trejeitos e voz para tentar arrancar risadas mesmo nas cenas não muito bem escritas. Há também a personagem da vizinha real de Pedro, Vitória (Maria Manoella), que por anos escutou a vida dele através da parede da cozinha. Casada com um policial durão e indiferente, ela é apaixonada por Pedro mas nunca conseguiu se declarar. E a vida dela fica bem mais complicada quando a "mulher invisível" de Pedro começa a aparecer para ele.
O filme, assim, é produção descartável e destinado a diversão rápida, e está bem longe da produção anterior do diretor, "Redentor". No máximo, pode-se observar superficialmente como o perfil de homens e mulheres mudou na sociedade. Pedro é um homem "moderno", o que significa perdido. Sua idéia de mulher ideal ainda carrega um monte de machismo, mas pode-se notar também uma grande carência e necessidade de afeto. Desde o advento da libertação sexual e do feminismo, a mulher moderna é um ser muito mais prático. Quando a esposa de Pedro o troca, no início do filme, por um "modelo" importado alemão, ela lhe diz que as mulheres "nunca são felizes quando estão felizes", que ela quer aventura, risco. Selton Mello, na melhor frase do filme, responde: "Eu posso te fazer infeliz se isso te fizer feliz".