Um filme sobre princípios. Há quanto tempo você não vê um desse tipo? Há quanto tempo, falando nisso, você não escuta falar em princípios fora da tela também? Cinturão Vermelho é dirigido por David Mamet, um dramaturgo que criou um estilo próprio de escrever e dirigir cinema (apesar do próprio, em uma das entrevistas vistas nos extras do DVD, dizer que não sabe o que é "estilo"). Mamet prega a simplicidade acima de tudo. Em um de seus livros, "On directing film", ele diz que a melhor resposta para a pergunta "onde vamos colocar a câmera?" é simplesmente "ali". A câmera deve ficar onde deve, simples assim. Quando um ator lhe pergunta como ele deve atuar uma cena em que deve atravessar um corredor e abrir uma porta, a resposta de Mamet é direta: "simplesmente ande pelo corredor e abra a porta". Não é necessário criar "significados" para cenas como esta, ou em nenhuma, na verdade, segundo o método de Mamet.
Isso posto, Cinturão Vermelho é um filme enganadoramente simples. É também, a bem da verdade, um filme falho. Mamet quase conseguiu o feito de produzir um "filme de luta" sem lutas. Quase.
Mike Torry (o excelente Chiwetel Ejiofor) é um professor de artes marciais que ensina "brazilian jiu-jitsu" em uma pequena academia em um canto afastado de Los Angeles. Torry é uma espécie de alter-ego da figura do diretor de cinema. Enquanto seus alunos se agarram e lutam no dojo, ele os dirige com frases curtas e simples. "Há sempre uma saída", diz ele a um aluno que está quase desmaiando em um exercício de estrangulamento. Mike é casado com uma brasileira, Sandra (a bela e eficiente Alice Braga), que não concorda muito com a mentalidade do marido. Ela desenha e vende roupas e tem um negócio razoavelmente bem sucedido, mas não entende porque o marido não consegue fazer dinheiro com a academia. A resposta é simples: ele não quer. Não se isso significar abrir mão de seus princípios ferrenhos de conduta e de moralidade. É a personificação da contradição que existe nas artes marciais: você aprende a lutar para não ter que lutar. Mas como manter esta pureza diante do mundo moderno, com seus apelos de dinheiro "fácil" e violência?
O roteiro de Mamet se torna rapidamente complicado. A trama envolve um astro de cinema (interpretado pelo comediante Tim Allen) que arruma uma briga em um bar e é salvo por Mike Torry. Em agradecimento, o ator convida Torry e a esposa para jantar em sua mansão e, sutilmente, seduz o casal. Mike é convidado para ser um dos produtores do filme em que Allen está trabalhando, e a esposa dele aparentemente se interessa pelas roupas produzidas por Sandra. Em dificuldades financeiras, tanto Mike quanto Sandra ficam interessados mas, como diz o ditado, "quando a esmola é demais o pobre desconfia". O desenrolar da trama revela a podridão do mundo contra o qual Mike lutou a vida toda. Suas idéias sobre artes marciais são transformadas em uma paródia de mal gosto em um torneio combinado feito para a TV. A esposa do astro de cinema deixa de atender às ligações de Sandra. O que está acontecendo? Há também uma advogada traumatizada por um estupro no passado que se torna aluna de Mike e um policial que faz de tudo para manter o nome da academia.
Nota pessoal, eu frequentei o mundo das artes marciais por vários anos e conheci pessoas como Mike Torry. Assim como no filme, por vezes sua integridade pode ser enervante. Mas também vi o lado comercial, que ganha rios de dinheiro com exames de faixa, torneios forjados e distribuição de medalhas a alunos que são meros números em uma fatura comercial. O filme de Mamet é bastante fiel ao mostrar estes dois lados, mais o "lado B" de Hollywood, com suas falsas promessas, decadência e vícios. Tudo isso vem embalado em um filme que nunca chega a decolar de verdade. A parte final é difícil de acreditar. Mas Mamet faz uma homenagem aos velhos filmes de samurai e aos westerns italianos. A figura do mestre solitário enfrentando a tudo e a todos no final é típico dos duelos de antigamente. Como disse, é um filme de lutas, mas não do mesmo modo que um filme de Jean-Claude Van Damme, por exemplo. O importante não é ver corpos musculosos se batendo. As lutas em "Cinturão Vermelho" são frutos do roteiro e parte integrante do mundo que representam. Para nós brasileiros, é curioso ver o Brasil citado tantas vezes no filme, assim como a presença de Alice Braga e Rodrigo Santoro em um filme de David Mamet.
Cinturão Vermelho está disponível em DVD, com fartos extras. Um filme falho, mas bastante interessante.
nota: o trailer a seguir contém SPOILERS e revela muito do filme
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