domingo, 22 de fevereiro de 2009

O Lutador

Um filme honesto, quase um documentário, "O Lutador" ainda traz como trunfo uma história cara à fábrica de sonhos hollywoodiana: o tema do retorno. Não há nada mais atraente no cinema americano do que a história de alguém que volta à cena depois de um tempo de obscuridade. O detalhe em "O Lutador", no entanto, é que o retorno se dá mais nos bastidores do que na tela. O filme não é só sobre os personagens, mas sobre a volta por cima do seu protagonista, o ex-galã "bad boy" dos anos 80, Mickey Rourke. Astro de filmes adultos como "9 1/2 Semanas de amor" (de Adrian Lyne), "Coração Satânico" (de Alan Parker) e de "O Selvagem da Motocicleta" (de Francis Ford Coppola), entre outros, Rourke provocou polêmica em cenas de sexo em "Orquídea Selvagem" (de Zalman King, rodado no Brasil), afundou nas drogas e até embarcou em uma carreira como boxeador profissional. E ninguém sabe direito, até agora, o que deu errado na cirurgia plástica que distorceu seu rosto completamente. Em 2005 fez bonito em "Sin City", coberto por maquiagem e efeitos especiais, mas a volta por cima, definitivamente, é mesmo neste "O Lutador".

Rourke é Randy "The Ram" Robinson, um praticante de luta-livre que estava no auge da fama nos anos 80. Vinte anos depois, ele ainda está nos ringues, mas está longe da forma física ideal e da glória do passado. Ele trabalha em um supermercado durante a semana e ganha uns trocados na luta-livre aos sábados. Vive sozinho em um trailer, que mal consegue pagar, tem paixão por uma "stripper" (Marisa Tomei) que visita frequentemente e uma filha, Stephanie (Evan Rachel-Wood), que não quer nada com ele. A vida de "Ram" é filmada pelo diretor Darren Aronofsky, diretor que tem uma relação de amor e ódio com a crítica e cujo último filme, "A Árvore da Vida", foi duramente criticado. Ele é autor dos cult "Pi" (1998) e "Requiém para um sonho" (2000), que eu acho brilhante, com Jenniffer Connelly, que mostra os efeitos devastadores do vício das drogas. Em "O Lutador" ele volta com um estilo despojado, com muita câmera na mão e sem efeitos, frequentemente seguindo o personagem como um cinegrafista de documentário. Esse tipo de visão serve ainda mais para humanizar os personagens, todos decadentes e o contrário do utópico "sonho americano". Algumas das melhores cenas são as dos bastidores das lutas. Elas mostram os lutadores como uma espécie de trupe de circo, homens orgulhosos, imensos, com músculos criados à base de muito exercício e de esteróides anabolizantes. Há admiração mútua entre os lutadores e é tragicômico vê-los combinando os golpes que vão fazer em seguida. As lutas são combinadas? Claro que sim, mas isso não significa que não sejam violentas ou mesmo brutais. O próprio "Ram" usa uma Gillete escondida nas ataduras para se cortar durante as lutas e dar ao público o que ele quer: muita pancadaria e sangue.

Mas tudo tem seu preço. Após uma luta particularmente pesada, "Ram" cai no vestiário, vítima de um ataque cardíaco. Um médico diz que ele sobreviveu por sorte e que deve parar de se drogar e, principalmente, de lutar. Para "Ram", seria preferível a morte. O filme conta também com o "retorno" de Marisa Tomei, indicada ao Oscar de "Melhor Atriz Cadjuvante". Até hoje há quem diga que o Oscar que ela ganhou em 1992 por "Meu primo Vinny" foi uma brincadeira do apresentador do prêmio, ou mesmo um erro. De fato, ela nunca foi grande atriz mas, de uns tempos para cá, sua participação em filmes como "Antes que o diabo saiba que você está morto" revelam uma nova mulher. Em "O Lutador" ela é uma mãe solteira que interpreta uma "stripper" que tem muito em comum com o personagem de Mickey Rourke. Ambos exploram (e abusam) do próprio corpo para viver e já passaram um pouco da idade para isso. A diferença é que enquanto ela não gosta da profissão, e está planejando largá-la, ele não consegue ser outra coisa a não ser um lutador. Há uma ótima cena que mostra "Ram" se preparando para seu primeiro dia atrás do balcão do açougue do supermercado e a câmera o segue pelos corredores até a entrada, como se estivesse indo para uma luta. Ele para na porta do açougue enquanto escutamos, em sua imaginação, o som raivoso da multidão de um ringue de luta-livre.

Não há como negar as semelhanças com o "Rocky" de Sylvester Stallone, principalmente no primeiro filme (que já era uma homenagem a todos os filmes de luta do cinema). "O Lutador" é mais realista e, por isso mesmo, mais cruel. Mas, ao mesmo tempo, chega a ser poético, principalmente em sua última cena. Premiação quase certa para Mickey Rourke, como ator, no Oscar desta noite. Falando em Oscar, o filme poderia perfeitamente estar indicado entre os cinco esta noite, assim como seu diretor. Em uma premiação "esquisita", que está tentando mais uma vez ser "diferente" para atrair audiência, a Academia provavelmente vai premiar "O curioso caso de Benjamin Button". Se o objetivo era atrair audiência, poderiam ter indicado o ótimo "Batman - O Cavaleiro das Trevas".


3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei do post e concordo com vários elementos. O que me chamou bastante a atenção no roteiro foi a composição. O Aronofsky foi bastante criticado pelos seus excessos em "Réquiem'. Porém, no "The Wrestler' ele conseguiu criar um momento de violência extrema sem saturar o trabalho, sem deixar aquele momento intragável...e mais, fazendo um filme brutalmente delicado...

=)

Anônimo disse...

Joao, o problema do rosto do Mickey Rourke ele mesmo já explicou varias vezes: foi por causa da sua carreira como boxeador. Apanhou demais.

João Solimeo disse...

Ah, foi por causa do boxe mesmo? Então a fusão ator/personagem é maior ainda.

"Brutalmente delicado" é uma boa descrição para o filme, Daniel. Quanto ao Aronofsky, sim, muita gente critica os excessos dele em Requiém, mas eu acho que aquele filme pedia por eles. Eu gostei da forma como ele mostra o efeito das drogas na vida dos usuários, da decadência da pobre senhora vítima de pílulas para emagrecer, do culto à televisão, a geladeira que ganha vida, muito bom. E a vida de todos vai para a destruição seja física ou mental. Jenniffer Connelly, na versão sem cortes, faz umas cenas muito ousadas mostrando até que ponto os viciados vão para conseguir acesso à droga.