Ainda não havia visto este filme argentino, lançado em 2001 e candidado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Dirigido por Juan José Campanella, "O Filho da Noiva" é inteligente, doce e extremamente bem escrito. Passado em Buenos Aires, o filme trata da família Belvedere, cujo filho Rafael, quando criança, sonhava que era o herói "Zorro" e cresceu para herdar o restaurante italiano da família. Rafael (Ricardo Darín) é um pai separado que tem que lidar com as pressões diárias de tocar o restaurante, lidar com fornecedores, orientar os empregados, enfrentar a ex-mulher e dar atenção à filha pequena. Para complicar, sua mãe (Norma Aleandro) sofre do mal de Alzheimer e mora em um asilo, onde é visitada diariamente pelo marido devotado, Nino Belvedere (o excelente Héctor Alterio).
Um dia, após uma jornada particularmente estressante, Rafael sofre um ataque cardíaco e vai parar na UTI, onde fica 15 dias internado. A pausa forçada o faz repensar sua vida e sua rotina, e a princípio ele começa a ter sonhos vagos de querer largar tudo e ir para o México. Isso magoa sua atual namorada, a jovem e bela Naty (Natalia Verbeke), que tinha planos a longo prazo com Rafael.
O roteiro, do próprio diretor em parceria com Fernando Castets, é muito bem escrito e, mesmo lidando com todo este drama, muito bem humorado. Rafael tem aquela mentalidade parecida com a do brasileiro, e pergunta a um investidor: "Crise? Que crise? Quando não é inflação é recessão, estamos sempre em crise". A trama tem várias ramificações interessantes, como um amigo de infância de Rafael, Juan Carlos (Eduardo Blanco, muito engraçado), que reaparece do nada e passa a se interessar pela família dele (Juan Carlos havia perdido a própria em um acidente de carro). Ou o fato do pai de Rafael, Nino, querer se casar na igreja com sua mulher após 44 anos de união não oficial. O padre da igreja fica comovido com a história, mas argumenta que o direito canônico provavelmente não aceitaria o fato de que a noiva não tem capacidade para decidir por conta própria o que quer (a contra argumentação de Rafael, que diz que se casou sem nenhum discernimento com o consentimento da igreja, e quando quis se separar de forma consciente foi proibido pela mesma igreja, é ótima).
Há vários filmes sobre o Mal de Alzheimer, como o belo "Longe Dela" ou "Íris", mas o foco em "O Filho da Noiva" não é apenas a doença. O filme se concentra com carinho nos personagens, pessoas comuns enfrentando os problemas do dia a dia e lidando com as complicações do amor. Boa pedida para ver em DVD.
Avatar não é um filme comum. É uma experiência sensorial. Como tal, é de tal forma rica em detalhes, cores, movimentos de câmera e profundidade tridimensional que o espectador se sente diante de um novo tipo de espetáculo. É uma animação? É "live-action"? Como já foi devidamente explorado e divulgado massivamente pela máquina de marketing hollywoodiana, Avatar é o novo filme de James Cameron, o primeiro depois de doze anos longe das telas. Sendo que o anterior foi um filme que, antes de ser lançado, também gerou ansiedade entre os espectadores e preocupação entre os estúdios. "Titanic" tinha tudo para ter sido, com o perdão do trocadilho, uma "canoa furada", mas a grandiosidade do espetáculo criado por Cameron fez do naufrágio mais famoso da História o filme de maior bilheteria de todos os tempos e levou 11 Oscars. No discurso de agradecimento, quando Cameron usou uma frase de Titanic ("Eu sou o rei do mundo!"), muita gente o considerou um diretor magelomaníaco e arrogante. É possível, mas não há dúvidas de que ele é competente.
Avatar custou entre 250 e 350 milhões de dólares, e o resultado realmente está na tela. Cameron levou anos experimentando com novas tecnologias de cinema 3D e se juntou à empresa de efeitos especiais WETA (de Peter Jackson), a mesma que fez de Gollun o personagem em computação gráfica mais real de todos os tempos. O roteiro, do próprio Cameron, lembra muito um de seus filmes menos vistos, "O Segredo do Abismo" (1989), que mostrava como um grupo de humanos em uma fossa abissal no fundo do oceano entrava em contato com seres de outro planeta. Foi naquele filme, aliás, que Cameron revolucionou em uma cena curta de computação gráfica, quando um pseudópodo marinho passeava por dentro da base humana. Avatar se passa em um planeta chamado Pandora, onde os seres humanos estão explorando o solo atrás de um minério raro. O problema é que o povo original do planeta, os Na´vi, estão causando problemas aos humanos com seus costumes "selvagens" e seu apego à natureza. Para melhorar a diplomacia entre os humanos e os Na´vi, foram desenvolvidos "avatares", que são corpos geneticamente criados para serem idênticos aos Na´vi, só que "habitados" por humanos, que os controlam mentalmente. Um destes humanos é o fuzileiro americano Jake Sully (Sam Worthington), que ficou paraplégico na guerra e que, ao se tornar um Avatar, pode experimentar a sensação de andar de novo. Após um acidente, Jake acaba sendo acolhido pelos Na'vi e tenta aprender a viver como um deles.
A trama segue a linha de vários outros filmes do gênero "um estranho no ninho", em que alguém de fora tem que aprender os costumes de um povo para se enturmar e, no processo, acaba se tornando um deles. Filmes como "Lawrence da Arábia", "Dança com Lobos" ou "O Último Samurai". A diferença é que Jake não está dividido apenas mentalmente entre seu lado humano e Na´vi, mas também fisicamente. Ele literalmente está em dois lugares ao mesmo tempo, seu corpo Na´vi na floresta enquanto o humano está na câmera de controle, mais ou menos como acontecia com os personagens de Matrix. Mas as "regras do jogo" não são muito claras. Se algo acontecer ao corpo Na´vi de Jake, ele também sofre como humano? Se ele não corre perigo de morrer realmente, quando é um Na´vi, por que ele lutaria tanto por sua vida? Quando e como, exatamente, se dá a mudança de um para o outro? Em alguns momentos, a confusão atrapalha um pouco o roteiro, e a separação entre o mundo humano (duro, realista) e Na´vi (colorido, animado) dá uma sensação de realidade versus sonho que, desconfio, não era a intenção de Cameron.
Muito se tem criticado o roteiro por ser piegas demais, até mesmo brega, e ecologicamente correto. De fato, alguns momentos são excessivamente "new age" para um filme de fantasia/ficção científica. Por outro lado, a experiência de ver o filme, principalmente em 3D, é tão avassaladora, que é complicado criticar o filme por causa destes detalhes. Há um "jogo" muito inteligente acontecendo dentro e fora da tela. Considere o fato de que os próprios atores, em frente a grandes telas verdes e cercados por scanners digitais por todos os lados, tinham que "vestir" seus "avatares" virtuais para poder interpretar seus personagens. O processo chamado de "performance capture" permite que computadores capturem as expressões e os movimentos dos atores para transformá-los em personagens digitais, na tela. O "jogo" também inclui a própria platéia, que precisa vestir óculos especiais para poder acompanhar o filme em 3D. Assim, há uma curiosa simbiose entre o real e o imaginário acontecendo durante todo o processo tanto de criação quanto de assistir a este filme. Não chega a ser "revolucionário" como a fábrica de marketing está vendendo, mas sem dúvida assistir a Avatar é algo que mexe, ou deveria mexer, com qualquer pessoa interessada no mundo audiovisual.
Uma comparação entre os filmes da Retomada e o Cinema Novo
A “Retomada” foi o cinema produzido no Brasil após 1995, inaugurado com o lançamento do filme “Carlota Joaquina”, da cineasta Carla Camurati. O cinema nacional, nos anos 90, sofreu um grande golpe com a extinção da Embrafilme (Empresa Brasileira do Filme) pelo então presidente da república Fernando Collor de Melo. A produção caiu praticamente a zero e o público freqüentador das salas ficou sem opções nacionais para assistir. “Carlota Joaquina”, produzido com muito empenho e distribuído de forma quase artesanal por sua diretora, caiu no gosto do público com sua mistura de drama histórico e comédia, e marcou um ressurgimento de filmes nacionais nos cinemas. De lá para cá, uma profissionalização na arte de fazer filmes, a entrada de publicitários no mercado cinematográfico e o surgimento da Globo Filmes fez com que um número relativamente grande de filmes fosse produzido no país todos os anos, conquistando parte da platéia que, por hábito, estava acostumada a só ver filmes americanos.
Teria este cinema surgido depois da Retomada alguma comparação com o Cinema Novo? Movimento consolidado no país durante os anos 60, o Cinema Novo resultou do desejo de parte dos realizadores da época em criar um cinema que tivesse “a cara” do Brasil. Glauber Rocha, em particular, abraçou o movimento escrevendo um texto intitulado “A Estética da Fome”, em que dizia que “o Cinema Novo é um projeto que se realiza na política da fome, e sofre por isto mesmo, todas as fraquezas conseqüentes de sua existência”. O movimento, assim, surgiu da vontade do cineasta da época de se contrapor aos problemas políticos, econômicos e sociais vigentes. No campo cinematográfico, o Cinema Novo pretendia ser o oposto do que tentou ser a Vera Cruz, estúdio paulista instalado em São Bernardo do Campo que, contratando técnicos e equipamentos estrangeiros, pretendia fazer no Brasil um cinema industrial aos moldes do cinema americano.
Segundo a professora da PUC-Campinas e doutoranda em Cinema, Juliana Sangion, há pouca ligação entre o Cinema Novo e a Retomada. Para ela, o cinema brasileiro hoje tem duas vertentes: uma mais voltada para um cinema autoral, praticado por nomes como Beto Brant (Crime Delicado) e Luis Fernando Carvalho (Lavoura Arcaica), e outra dedicada totalmente a produzir um cinema de massa e para as massas, almejando o sucesso comercial. Segundo ela, essa pretensão comercial é totalmente contrária ao que pregava o Cinema Novo, cuja proposta eram a refutação, a reflexão e a rebeldia, particularmente na figura de Glauber Rocha.
Já para o cineasta e professor Cauê Nunes (vencedor do prêmio de melhor curta metragem do II Festival Paulínia de Cinema com "Quem será Katlyn?"), há alguma ligação entre o cinema atual e o Cinema Novo, que “foi um movimento muito marcante e, por isso, muita gente o tem como referência. Uma característica que vejo nos filmes de hoje e que havia no Cinema Novo são filmes com temas sociais, que tratam dos problemas políticos, econômicos e sociais do Brasil”. Nunes cita como exemplo filmes como “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meireles, que trata da violência do Rio de Janeiro e das favelas da cidade carioca. Como comparação, ele cita “Cinco Vezes Favela”, de 1962. O filme era composto por uma série de curtas-metragens dirigidos por Marcos Faria, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirzman, e também tratava do mesmo tema. Cauê Nunes admite, no entanto, que a estética tecnicamente perfeita de “Cidade de Deus” pouco tem a ver com o que era feito no Cinema Novo. A partir da “Estética da Fome” de Rocha, o cinema da época tinha a posição política de refletir na tela os problemas enfrentados pelo Brasil. Assim, os filmes do Cinema Novo eram tecnicamente pobres não por falta de recursos ou por incapacidade profissional, mas para seguir à risca a idéia de que um país subdesenvolvido como o Brasil teria de fazer um cinema subdesenvolvido.
Juliana Sangion tem dúvidas quanto à estética pobre do Cinema Novo ser proposital ou não. “Eu acho que era o possível de ser feito, inspirado no ‘cinema verdade’. Já o cinema de hoje tem essa ‘cosmética da fome’, que é um cinema ‘bonitinho’, tecnicamente melhor acabado, mas que é pouco criativo. A criatividade, para mim, é algo que independe da tecnologia”.
De fato, muitos dos filmes brasileiros feitos nos últimos anos têm chamado a atenção por sua qualidade técnica. Isso se deve, em grande parte, à entrada na produção cinematográfica de nomes consagrados da publicidade, como o já citado Fernando Meireles, sócio proprietário da produtora “O2”, de São Paulo. Meireles conquistou fama internacional com “Cidade de Deus”, que recebeu quatro indicações ao Oscar, e já fez duas grandes produções em parceria com estúdios estrangeiros desde então, “O Jardineiro Fiel” e “Ensaio sobre a cegueira”. Outro grande nome do cinema brasileiro atual, Walter Salles, também veio da publicidade e da televisão. Em 1998, seu “Central do Brasil” emocionou o mundo, sendo indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e uma inédita indicação de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro. O primeiro longa metragem de Salles, “A Grande Arte” (1991), era falado em inglês e tinha o americano Peter Coyote encabeçando o elenco. Mas foi em “Central do Brasil” que ele vestiu a camisa do cinema nacional e trouxe para as telas um cinema que, além de entreter, também procurava mostrar os problemas sociais do país. “Todos os diretores brasileiros devem muito ao Cinema Novo, à idéia de que vale a pena tirar a câmera do estúdio e aproximar da rua”, declarou Salles recentemente no Festival do Cinema Latino Americano, na Holanda.
Tecnologia
Um dos lemas de Glauber Rocha no Cinema Novo era “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”. Com o grande avanço na tecnologia voltada à imagem que vemos hoje, em que câmeras digitais de alta definição estão se tornando portáteis e acessíveis à maioria das pessoas, será possível que surja daí um novo cinema brasileiro? Cauê Nunes vê com cautela esta questão: “Esses recursos democratizam a produção, então mais gente produz. Mas quantidade não é qualidade. A produção pode ser grande, mas não tão boa". Juliana Sangion não acredita que a facilidade tecnológica possa criar um novo tipo de cinema industrial, mas completa: "Está mais fácil ter uma câmera, está mais fácil de publicar o trabalho. Pode não entrar no circuito exibidor tradicional, mas pode ser exibido na internet, por exemplo. Então há um circuito exibidor alternativo.”
Preconceito?
Mesmo com o aumento de público espectador de filmes nacionais decorrido da Retomada, ainda é fato que muitos brasileiros não assistem à produção feita no país. Por que isso ocorre? Seria apenas preconceito, ou haveria outras razões? Cauê Nunes diz que esta é a pergunta a que todos os cineastas brasileiros gostariam de ter a resposta. Nunes crê que há várias razões para que isso aconteça, a começar pela falta de hábito: “Desde pequenos, estamos acostumados a um tipo de cinema que é o feito nos Estados Unidos. As crianças antigamente assistiam ‘Disneylândia’ e hoje assistem às animações da ‘Pixar’. Isso faz com que as pessoas fiquem acostumadas ao tipo de linguagem deles, e quando você fica adulto não se acostuma com outros tipos de linguagem que não a americana.” “Houve também o cinema da boca do lixo”, diz Juliana Sangion, “que relacionou o cinema nacional a uma estética mais pornográfica, o que afastou parte do público. Mesmo a proposta do Cinema Novo não agradava todo mundo, não era muito popular.”
O problema pode ser mais grave. A dominação cultural e estética de Hollywood não seria apenas questão de “gosto” ou “hábito”, mas uma estratégia cuidadosamente planejada pelos estúdios americanos para evitar que filmes nacionais conquistem espaço nas salas. Conta Cauê Nunes: “Quando um grande filme americano vai ser lançado por aqui, como ‘O Homem Aranha’, as distribuidoras brasileiras ficam interessadas em comprá-lo, porque ele vai render muito dinheiro. O que acontece é que os estúdios americanos podem exigir que, ao comprar o Homem Aranha, as distribuidoras tenham que comprar outros cinco filmes menores, que não atraiam tanta gente, mas que acabam ocupando as salas”.
Sangion, que está preparando uma tese sobre a influência da Globo Filmes no mercado do cinema brasileiro, chama de “pós Retomada” a entrada da produtora no mercado e o lançamento de “Cidade de Deus”, em 2002. “Foi quando tivemos de volta espectadores em números acima do ‘milhão’. A Globo Filmes entrou no mercado porque era o último braço que faltava às Organizações Globo entrar.” Sangion crê que, apesar da falta de criatividade temática do cinema atual, o público têm comparecido às salas e que as produções da Globo Filmes são uma espécie de resposta nacional aos “blockbusters” americanos.
Assim, podemos concluir que o cinema atual, apesar de certa semelhança temática com o Cinema Novo, não tem pretensões política nem quer “salvar o mundo”. É um cinema mais voltado para o mercado e que, aos poucos, tem alcançado público entre os espectadores do país.
"Roland Emmerich: orgulhosamente destruindo o mundo desde 1996". Este deveria ser o "slogan" deste diretor alemão que se especializou em elevar o gênero do "disarter movie" quase que a uma forma de arte. Em 1996 ele lançou "Independence Day", em que alienígenas hostis destruíam ícones americanos como a Casa Branca e o edifício Empire State com raios poderosos. Na época, as cenas de destruição em massa foram consideradas espetaculares. O próprio Emmerich foi mais longe na destruição do mundo em seu "O dia depois do amanhã", em 2004. Agora ele lançou o "disaster movie" mais espetacular de sua carreira e, provavelmente, de toda história do cinema. "2012" não se limita a mostrar alguns prédios explodindo ou pessoas morrendo. O filme mostra a Natureza engolindo cidades inteiras em gigantescos terremotos, que são seguidos por tsunamis, acompanhados por vulcões, chuva de lava fumegante, fumaça e assim por diante.
John Cusack interpreta o típico "herói" de Emmerich, um cara inteligente, abandonado pela mulher e sub-aproveitado em alguma ocupação inferior à sua real capacidade. Ele é pai de um casal de crianças e os olhos de sua ex-mulher Kate (Amanda Peet) ainda brilham quando ele aparece para buscar os filhos. Ele é um escritor que vendeu menos de 500 cópias de seu livro de ficção científica mas, ainda assim, é reconhecido quando é pego pelo governo em uma área proibida do parque Yellowstone. O elenco ainda conta com Chiwetel Ejiofor como o cientista que, auxiliado por colegas da Índia, descobre que o mundo está para terminar em alguns anos, devido a neutrinos perigosos enviados pelo Sol. A data, 2012, coincidiria com antigas previsões Maias que marcam a data como o fim do mundo. Ejiofor, Cusack e Peet são acompanhados no elenco por participações especiais de Woody Harrelson como um locutor de rádio maluco que também havia previsto o fim do mundo, por Danny Glover como o presidente dos Estados Unidos e por Thandie Newton como sua filha.
É um filme de efeitos especiais, e os 250 milhões de dólares do orçamento podem ser claramente vistos na tela. O roteiro é formado por uma série de sequencias que envolvem antecipação, desastre natural e fuga espetacular dos heróis de perigos cada vez maiores. E quem foi ao cinema para ver cenas de destruição não vai sair decepcionado. As fugas começam com uma limosine que consegue fugir da onda de choque de um terremoto em Los Angeles, seguida por outra sequencia espetacular em um avião particular em que o espectador é levado pelo ar enquanto edifícios inteiros se desintegram à sua volta. "2012" é desnecessariamente longo, com duas horas de quarenta minutos de duração, e a parte final se arrasta. Claro que é absurdo e não deve ser levado a sério nem por um segundo. Mas é o tipo do filme em que se deve deixar o cérebro na sala de espera do cinema e se divertir.
"Besouro" era o apelido dado a Manoel Henrique Pereira, filho de escravos que, mesmo nacido após a Lei Áurea, ainda sofreu muito com os reflexos da escravatura. Mestre em Capoeira, ele se tornou um mito no Recôncavo Baiano por seu modo de lutar e por enfrentar os senhores de engenho que ainda tratavam os negros como escravos. Ele lutava tão bem e realizava proezas tão prodigiosas que criaram-se várias lendas a seu respeito, como a de que podia voar.
Pois bem, chega agora às telas uma superprodução brasileira sobre ele. Mas o filme não sabe direito a que veio, se para contar a história do homem ou do mito. Dirigido por João Daniel Tirkhomiroff, "Besouro" não se decide entre ser um filme de artes marciais, um registro histórico ou uma fantasia sobre o mito de Manoel. Extremamente didático, começa com um letreiro falando sobre a capoeira e situando o filme no tempo. O letreiro é lido redundantemente por ninguém menos que Milton Golçalvez, praticamente a voz "oficial' do movimento negro no país e, por um momento, pensamos se tratar de um documentário. O roteiro, de Patrícia Andrade, trata de uma série desconexa de clichês previsíveis, como o início, em que vemos o jovem Besouro (Aílton Carmo) jogando capoeira enquanto seu mestre anda sozinho pela cidade. Didático novamente, o roteiro faz questão de colocar na narração e em falas dos personagens que Besouro deveria estar tomando conta de seu Mestre, o que já telegrafa o óbvio ao espectador: o mestre vai morrer nos próximos minutos.
Espera-se então que surja o mito, a transformação do jovem Manoel em Besouro, mas o filme, inseguro sobre como tratar de seu herói, perde seu tempo com os estereotipados personagens secundários. Há o "coronel" Venâncio (Flávio Rocha) e seus capangas, liderados por Noca de Antonia (Irandhir Santos), todos brancos, sujos e cruéis. Há os colegas de Besouro no engenho, como a jovem Dinorá (Jéssica Barbosa) e Quero-Quero (Anderson Santos de Jesus). Há várias cenas em que vemos os brancos maltratando os negros, enquanto Besouro... onde está ele?
O coreógrafo de lutas chinês Huen Chiu Ku, de Kill Bill, foi contratado para planejar as cenas de luta. Assim, era de se esperar uma espécie de filme de artes marciais brasileiro. A capoeira é uma modalidade apreciada e valorizada no mundo inteiro, pela sua combinação mortal de giros e movimentos de pernas. Aliada à coreografia de Chiu Ku e aos efeitos especiais digitais produzidos pela produtora Mixer, era de se esperar um filme de ação espetacular, recheado de grandes cenas de luta. Mas o roteiro se arrasta. O herói do filme, interpretado por Aílton Carmo, é uma figura pálida e completamente sem carisma. Ele é visto em cenas no meio da floresta ou em cachoeiras e é figura praticamente ausente do filme. Os orixás das religiões africanas também são apresentados de forma didática, um a um, pelo narrador, enquanto o tal "herói" se forma e ficamos esperando por alguma ação. O problema é que como nenhum dos vilões, os brancos, sabe jogar capoeira, não há como mostrar muitas cenas de lutas, e o filme acaba perdendo com isso. A trilha sonora é anacrônica, usando alguns instrumentos modernos, que até funcionam. Não se pode dizer o mesmo de certos diálogos, que contém expressões como "terminar com o namoro", entre outras, que soam fora de época e lugar.
Com menos didatismo, um herói mais carismático e muito mais cenas de lutas, "Besouro" poderia ter sido grande. Infelizmente, não é o caso.
A idéia de "Gigante" pode ser descrita em uma frase, de tão simples que é. Mas o filme do argentino Adrian Biniez (feito no Uruguai) levou o Urso de Prata em Berlim e os kikitos de filme estrangeiro, roteiro e crítica no Festival de Gramado.
O "gigante" do título é um segurança chamado Jara (Horacio Camandulle), que faz o turno noturno em um supermercado de Montevidéu. Sua vida é marcada por uma rotina extrema. Chega às onze da noite, coloca o uniforme, senta-se diante de um monitor de video e fica observando o supermercado vazio, a não ser pelo pessoal da limpeza. Ele é um homem "grande", alto, que fica escutando rock pesado nos fones de ouvido o tempo todo e anda com camisetas de bandas. Mas esse exterior assustador esconde um segredo; Jara é um homem tímido, que está apaixonado por Júlia (Leonor Svarcas), uma faxineira do supermercado. A princípio, ele a acompanha somente através das câmeras de segurança, mas depois começa a segui-la pelas ruas da cidade. O filme é extremamente simples, com poucos diálogos e personagens. É também de um romantismo quase ingênuo, mostrando o amor deste "gigante" pela garota da faxina, a seguindo por todos os lados mas não tendo coragem de se declarar para ela.
O filme também mostra a rotina e os "bastidores" do supermercado, visto quase sempre nas áreas de serviço. Os funcionários estão em uma disputa trabalhista com os chefes, e esta é uma história paralela ao romance entre Jara e Júlia.
Com apenas 84 minutos de duração, "Gigante" poderia perfeitamente ter sido um curta metragem, em sua simplicidade. Como longa, por vezes se arrasta um pouco, mas há boas idéias visuais, como a cena que mostra Jara, em primeiro plano, na calçada em frente à praia. A perspectiva faz um truque e este homem tímido e indeciso, neste momento, ganha forças e parece realmente um gigante comparado às figuras diminutas em segundo plano.
Eles chegaram em 1982. Sua gigantesca espaçonave não parou sobre Nova York, ou Paris, ou Londres, mas sobre Joanesburgo, a maior cidade da África do Sul. Após três meses sem dar sinal de vida, os humanos resolveram invadir e lá dentro encontraram os "Camarões", extraterrestres parecidos com crustáceos, famintos e doentes. Havia um milhão deles, e eles foram trazidos para a cidade e fechados em uma região chamada "Distrito 9". Lá eles foram separados dos humanos e permaneceram desde então, vivendo em condições sub-humanas, ou melhor, sub-extraterrenas, em uma gigantesca favela onde reina o contrabando de armas, o mercado paralelo de armas, drogas e prostituição. Vinte e oito anos depois, a empresa privada MNU (Multinational United) foi contratada para remover pacificamente os 1,8 milhões de extraterrestres de Joanesburgo para uma área fora da cidade. Eles não são bem vindos aqui.
"Distrito 9" é um dos filmes mais originais de ficção científica dos últimos anos. Ele tem todos os ingredientes do gênero, como espaçonaves vindas dos confins do Universo, extraterrestres, armas com alta tecnologia e efeitos especiais. Ao mesmo tempo, é uma alegoria bem bolada dos problemas que afligem o nosso planeta. Este é um filme de monstros em que os vilões, curiosamente, não vêm de fora. Os monstros somos nós. "Distrito 9" mostra como os seres humanos podem ser preconceituosos e violentos com o que é diferente. Os milhares de extraterrestres são mostrados em situações degradantes na grande favela que virou seu "campo de refugiados". Vivem procurando comida no lixo, inclusive "crianças pequenas", e sentimos repugnância pelo seu modo de vida. Feito como se fosse uma pseudo-reportagem, o filme lembra um pouco o estilo empregado em "Cloverfield", ano passado, que foi feito todo em "primeira pessoa", simulando um visual amador. "Distrito 9" é menos radical, mas o diretor Neill Blomcamp usa muito de câmeras operadas sem tripé e do ponto de vista de um repórter cinematográfico que foi chamado para acompanhar o "despejo" dos extraterrestres.
O resultado é um filme muito interessante, que ainda conta com entrevistas de "especialistas" como psicólogos, políticos e jornalistas. A companhia MNU é claramente baseada nas empresas militares privadas que os Estados Unidos tem usado em suas campanhas no Iraque. Composta por mercenários, eles são assassinos comandados pelo Coronel Koobus (David James). O personagem principal de Distrito 9 é Wicus van der Merwe (Sharlito Copley), genro do dono da MNU e o encarregado pela evacuação do Distrito para fora da cidade. Wicus é um burocrata da pior espécie, político e sorridente para as câmeras mas claramente um cafajeste. Ele toma uma dose do próprio remédio quando, infectado por um líquido estranho, começa a se tornar um extraterrestre. Ele é levado para o quartel general da MNU, que vê sua metamorfose com interesse, visto que as armas alienígenas só respondem ao DNA dos extraterrestres. Novamente, a situação é uma alegoria da ganância das empresas militares multinacionais, que fariam de tudo para lucrar com uma situação. A parte final é um pouco decepcionante, composta por perseguições impossíveis, explosões e tiroteios. "Distrito 9" foi produzido por Peter Jackson, de O Senhor dos Anéis, que também produziu todos os efeitos especiais. O título é uma menção ao "Distrito 6", região que teve muitos problemas, na Cidade do Cabo, durante os anos do Aparthaid.
ATENÇÃO: O TEXTO ABAIXO ENTRA EM DETALHES DA TRAMA DO FILME
O filme é de uma imoralidade sem limites. Em uma cena, um soldado alemão é interrogado por seus captores americanos sobre o local das tropas nazistas. Ele se nega a responder e, em uma sequência sem cortes, é morto violentamente a golpes de bastão de beisebol. Seus companheiros não são apenas mortos, mas tem seus escalpos cortados à maneira apache, e a suástica nazista desenhada, à ponta de faca, na testa. Este é "Bastardos Inglórios", o mais novo filme de Quentin Tarantino, que é daqueles diretores que devem ser forçosamente citados para que o espectador possa ter um parâmetro sobre o que está assistindo. Ver um "filme de Tarantino" significa, grosso modo, não ver um filme passado no mundo real. O mundo de Tarantino é passado dentro de um fotograma de celulóide de 35mm, seus personagens sabem que são personagens e a História (com H maiúsculo), deve ser vista sob o recorte não do Historiador, mas do Crítico de Cinema. Mas será que isso o exime da responsabilidade pelo que coloca na tela? Seria esta imoralidade própria do filme ou de Tarantino?
Examinando seus filmes anteriores, particularmente Pulp Fiction e Kill Bill, havia certa moral em seus personagens, mesmo que uma "moral cinematográfica". O boxeador interpretado por Bruce Willis chega, por um momento, a lamentar ter matado seu oponente na luta em que ele foi pago para perder. Jules, interpretado por Samuel L. Jackson, é o personagem que passa pela maior mudança da trama. Ele é um frio matador de aluguel que tem uma "iluminação" que o faz deixar a vida de crimes. Já seu colega Vincent (John Travolta) continua igual e morre de forma estúpida, ao deixar a arma na pia da cozinha enquanto vai ao banheiro. Mesmo em Kill Bill, o protótipo do filme de vingança, há o que se poderia chamar de "honra entre ladrões". Bill (David Carradine) mata os presentes a um casamento porque a Noiva (Uma Thurman) o havia abandonado. Mas ela sobrevive e mesmo em coma no hospital tem a vida poupada, no último momento, porque Bill acredita que ela merece algo melhor. Um dos capangas da gangue de Bill, interpretado por Michael Madsen, chega a dizer que a Noiva tem razão e que eles merecem morrer pelo que fizeram.
Os "bastardos inglórios" do novo filme não têm nada disso e, curiosamente, são o ponto fraco da produção. Liderados por Brad Pitt e claramente baseados nos "Doze Condenados", são todos tão inexpressivos que o espectador chega a confundir um com o outro. A exceção é também "tarantinesca", um alemão que entrou no exército apenas para matar (em outra série de cenas violentamente gráficas) companheiros nazistas. O que salva "Bastardos Inglórios" de ser um desastre, além do claro talento de Tarantino em escrever diálogos e dirigir algumas cenas de tirar o fôlego, é seu amor ao cinema. "Bastardos Inglórios" está cheio de referências cinematográficas, a começar pela vinheta antiga da Universal Pictures. O primeiro capítulo (outra das marcas do diretor) é uma clara homenagem ao diretor italiano Sergio Leone, e uma das melhores sequências da produção. É também a que apresenta o vilão do filme, o "caçador de judeus" Hans Landa, muito bem interpretado por Christoph Waltz. Landa é daquele tipo de vilão "charmoso", que me lembrou um pouco o Bellocq de "Caçadores da Arca Perdida". Bem falante, culto, refinado, Landa é um verdadeiro cavalheiro até o momento em que começa a matar.
Do massacre promovido por Landa neste primeiro capítulo foge a jovem judia Shosanna (Mélanie Laurent), que é a personagem mais humana do filme. Ela foge para Paris e se transforma na dona de um cinema que vai se tornar o palco do clímax da história. Assediada por um herói nazista chamado Zoller (Daniel Brühl), ela é obrigada a usar seu cinema para a estréia do novo filme de Joseph Goebbels (Sylvester Groth), Ministro da Propaganda de Adolph Hitler. Shosanna então planeja se aproveitar da ocasião para vingar a morte da família, visto que o cinema estaria cheio de altos oficiais da hierarquia nazista. Tarantino, em uma metalinguagem bem interessante, transforma a própria película cinematográfica (na época altamente inflamável) na arma de vingança de Shosanna. Só que Tarantino apresenta este plano de forma falha, e diria até preguiçosa. Ele usa cenas de um pseudodocumentário para mostrar as propriedades incendiárias da película, algo totalmente desnecessário. Desnecessária também a sequência em que ele mostra como Shosanna faria para conseguir revelar um rolo de filme 35mm, com som, que ela planeja mostrar para os nazistas. Em um filme tão absurdo, qual a necessidade de explicar este detalhe? A resposta está no fato de que Tarantino é um "nerd" cinematográfico.
A estréia do filme de Goebbels também chama a atenção dos Aliados, que enviam os "bastardos", auxiliados por uma atriz alemã (a bela Diane Kruger), para o local. Há uma sequência ótima, passada dentro de uma taverna, que é um primor de roteiro e direção. Notem como Tarantino constrói a sequência tijolo por tijolo, mostrando como tudo vai dar espetacularmente errado.
E chegamos então ao final, em que Tarantino quebra todas as regras possíveis e mergulha fundo em uma realidade alternativa que literalmente reescreve a História. E aqui retornamos à questão do início deste texto. O que Tarantino está querendo dizer? A II Guerra Mundial, que começou há exatos 70 anos, foi um dos eventos mais sangrentos dos últimos séculos e definiu a ordem mundial em que ainda vivemos. Berlim foi liberada pelo exército russo e depois pilhada e dividida entre os americanos e soviéticos. Os ingleses tiveram o país praticamente destruído e perderam milhares de civis e soldados. Hitler se matou longe dos olhos da Humanidade. No filme de Tarantino, tudo muda. Os britânicos quase estragam tudo durante a sequência na taverna. São os heróis americanos, judeus, se servido de um acordo "imoral" com o nazista Landa, que terminam a guerra dando ao mundo do cinema uma das cenas mais delirantes de vingança já mostradas nas telas. O próprio Adolph Hitler é visto sendo varado por milhares de tiros de metralhadora. Ao final, Brad Pitt, e Tarantino, dizem: "Acho que esta foi minha obra prima".
Assim, "Bastardos Inglórios" é um filme que incomoda. O que é ótimo, toda obra que pretende dizer alguma coisa é incômoda. Mas mesmo cinematograficamente falando é falha. Há momentos estupendos isoladamente, mas que não formam um filme bem amarrado como foi Pulp Fiction, por exemplo. Moralmente, o filme é muito discutível. A não ser que Tarantino esteja, no fundo, fazendo uma crítica ao "modo americano" de ser e de agir. Mas quem se importa? O importante é matar da forma mais violenta possível.
Leonard (Joaquin Phoenix) acompanha Michelle (Gwyneth Paltrow) até o centro de Manhattan, de metrô. Os dois conversam amigavelmente. Leonard é engraçado, faz piadas, Michelle ri, pede para eles trocarem telefones. Ao saírem para a rua, Leonard a vê entrando em uma Mercedes de luxo, com motorista particular. No rosto de Leonard, por um segundo, vê-se que ele sabe que ela é "areia demais para o seu caminhão", mas ele também sabe que já foi fisgado.
"Amantes" é dirigido por James Gray, que em 2007 fez o competente "Os Donos da Noite" (também com Joaquin Phoenix), um filme que pouca gente viu mas que é muito bom. Enquanto aquele era um filme policial, com muita ação e violência, este é mais íntimo, voltado para os complicados caminhos dos relacionamentos humanos.
Em um bairro do Brooklin, Nova York, Leonard é um homem que ainda mora com a família e que, no início do filme, tenta se matar de maneria estúpida, se jogando nas águas frias da baía, de uma ponte baixa. Não é a primeira vez que ele tenta o suicídio. Seus pulsos carregam cicatrizes de tentativas anteriores, causadas pelo abandono de sua noiva, dois anos antes, e por um transtorno bipolar. Apesar de adulto, Leonard é o filho único de uma família judaica típica de Nova York, com a mãe superprotetora (a excepcional Isabella Rosselini) e o pai amoroso (Moni Moshonov), e ele está sufocado pela presença deles. Eles têm uma lavanderia rápida que está sendo incorporada a uma empresa maior, e os pais de Leonard estão tentando juntá-lo à filha dos donos, Sandra (Vinessa Shaw). Ela é "boa moça", bonita e claramente interessada nele que, por sua vez, está enfeitiçado por Michelle. É um drama muito bem escrito com tons dramáticos e por vezes exagerados. Todos aparentam ter mais de trinta e cinco anos, mas ainda agem como adolescentes inexperientes, à procura do que acham que é o amor.
Michelle, alta, loira e bonita, é amante do chefe, casado e rico, que paga pelo seu apartamento, que fica do outro lado da janela de Leonard. Ela gosta de sair para as baladas, tomar extasy e está acostumada a receber atenção. Leonard, carente e perdido, escuta dela a frase que todo homem odeia, de que ele é "como um irmão" para ela. De Sandra escuta que ela quer "tomar conta dele", o que também não é muito bom de se escutar de uma mulher. Já lhe basta a mãe, que chega a deitar no chão do corredor para vigiá-lo por debaixo da porta do quarto.
A ação acontece geralmente em ambientes internos e há momentos tipicamente teatrais, como quando Leonard se esconde atrás de uma porta para que o namorado de Michelle não o veja. É como se a vida fosse o palco de um drama, ou de uma ópera. E há o terraço do prédio, para onde Leonard e Michelle sobem e acontecem duas cenas chave do filme. Há um contraste importante entre o fundo do mar (o ponto mais baixo para Leonard) e o terraço alto do prédio. No meio do caminho, no que poderia ser chamado de "o mundo real", está Sandra e a promessa de carinho e estabilidade. O final pode ser encarado de várias formas, de cínico a realista. Fica um gosto amargo na boca ao final da sessão, mas é um filme acima da média.
O escritor canadense David Gilmour (não confundir com o guitarrista do Pink Floyd, de mesmo nome) estava tendo problemas com o filho adolescente. Jesse, de 16 anos, mostrava total desinteresse pela escola. Um “garoto” de um metro e oitenta de altura, ele faltava às aulas para ir ao cinema, para namorar ou sair com os amigos. Mas, apesar de inteligente e entusiasmado, não encontrava motivação para aguentar a rotina escolar diária.
O pai, em um momento de desespero, lhe fez uma “proposta indecente”: ele gostaria de abandonar a escola? Jesse não pensou duas vezes e aceitou mais rápido do que seu pai gostaria. Mas havia algumas regras: Jesse não poderia se envolver com drogas em hipótese alguma e teria de assistir a três filmes por semana com o pai. Esta é a trama básica de “O Clube do Filme”, livro lançado no Brasil pela Editora Intrínseca após grande sucesso lá fora. Não é um trabalho de ficção. Gilmour, que é roteirista, escritor e crítico de cinema, conta de forma apaixonada, mas leve, como foi este tempo que teve perto do filho adolescente, um luxo que poucos pais têm hoje em dia.
A seleção de filmes (a lista chega a 113 obras) é bem eclética. Filmes clássicos como “Cidadão Kane” ou “Casablanca” são intercalados com mais recentes como “Instinto Selvagem”. Havia os filmes da nouvelle vague francesa, em que a cena final de “Os Incompreendidos”, de François Truffaut, serve de paralelo com a situação de Jesse; suspenses de Alfred Hitchcock (como “Intriga Internacional”, “Os Pássaros” e “Psicose”); comédias e dramas de Woody Allen (“Crimes e Pecados”, “Manhattan”, “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”); uma série de filmes de terror para tentar fazer Jesse se esquecer de uma namorada (“O Exorcista”, “O Massacre da Serra Elétrica”, “O Iluminado”). Havia também sessões em que Gilmour escolhia um tema, como “O talento aflora”, e mostrava filmes em que algum desconhecido se destacava, como Samuel L. Jackson em “Febre na Selva”, de Spike Lee, ou Sean Penn em “Picardias Estudantis”, de Amy Heckerling, Audrey Hepburn em “A Princesa e o Plebeu”, de William Wyler ou o enorme talento que um jovem diretor chamado Steven Spielberg mostrou em seu primeiro filme, “Encurralado”.
A linguagem é simples e fluente. Gilmour não só conta os problemas do filho como os próprios. Desempregado por um longo período, um psicólogo provavelmente diria que ele resolveu tirar o filho da escola para lhe fazer companhia. É interessante também notar as semelhanças entre as “falhas” do pai refletindo no filho, como um gosto exagerado pela bebida e, sim, certa irresponsabilidade em lidar com algumas situações. O livro também é um retrato do quão difícil é ser um homem adolescente tendo que lidar com uma série de desilusões amorosas. Uma “personagem” recorrente é uma garota chamada Rebbeca (nome que, provavelmente, Gilmour usou em homenagem ao grande filme de Hitchcock). Ela é estonteante, e sabe disso, e usa o charme para fazer um jogo de sedução com Jesse que dura meses.
Em vários momentos acompanhamos as dúvidas do pai em relação ao tipo de educação que está dando ao filho. Inevitavelmente ele acaba se envolvendo com drogas, principalmente após desilusões amorosas, e em dado momento Jesse confronta o pai sobre o que ele acha ser uma “influencia excessiva” sobre ele. “O Clube do Filme” é uma leitura gostosa e cheia de citações cinematográficas, por vezes profundas, em outras superficiais, mas sempre interessante e divertido.
Persépolis é a versão animada da premiada “graphic novel” autobiográfica de Marjane Satrapi. Indicada ao Oscar de Melhor Animação, o filme está longe do tom infantil associado a desenhos animados. Assim como “Valsa com Bashir”, Persépolis é um filme adulto, denso e que lida com assuntos como intolerância, perseguição e os efeitos da guerra.
Persépolis conta a história de Marjane a partir de sua infância no Irã, na década de 70. O clima político é tenso e o Xá (o monarca do país) está sendo derrubado pelo povo. Os pais de Marjane acreditam que o país será mais democrático com isso, mas a monarquia é substituída pelo fanatismo islâmico. A pequena Marjane, como toda criança, transforma a realidade à sua volta para sua fantasia, e acredita poder falar com Deus e ser sua profetiza. Quando um tio comunista é solto da prisão, ela o vê como herói e se torna sua principal confidente, e sofre quando o vê ser preso pelo novo regime e executado.
O filme é feito em preto e branco, com um traço simples, mas elegante, baseado nos quadrinhos. A própria Satrapi adaptou e dirigiu a versão cinematográfica de sua HQ para a telona. É interessante e revelador ter acesso a um ponto de vista pouco conhecido no ocidente, a vida de uma garota comum em um país em constantes conflitos tanto internos quanto externos. Marjane, quando adolescente, gosta de fitas de rock pesado, que compra no mercado negro, e está sempre falando mais do que deveria na escola. Como mulher, sofre com o rígido código de vestimenta e com a moralidade islâmica. A família, com medo de que ela seja presa pelo governo, a manda estudar em Viena, na Áustria, onde ela se sente um peixe fora d´água. Os colegas se interessam pelo seu lado “exótico” e pelas histórias de terror que ela tem para contar sobre a guerra com o Iraque. Conhece o amor, e sexo e a desilusão de ser traída pelo namorado. Acaba nas ruas, onde quase morre e fome e doenças.
De volta ao Irã, ela descobre que, apesar da guerra ter acabado, o país continua mais retrógrado do que nunca. Há uma cena emblemática em que alunos de uma escola de arte tentam desenhar uma modelo coberta dos pés à cabeça, e a própria Marjane quase é presa por estar usando maquiagem ou por ser vista de mãos dadas com o namorado.
A animação tem as vozes originais de Chiara Mastroiani e Catherine Deneuve, e é falado em francês. “Persépolis”, a propósito, era o nome da capital do antigo Império Persa, atual Irã. Uma região rica em História, guerras e contradições. Os Estados Unidos apoiaram Saddan Russein (que depois seria considerado inimigo) durante a guerra entre o Irã e o Iraque, que durou oito anos. Hoje a situação política ainda é tensa, com a ameaça de existência de armas nucleares e constantes problemas religiosos.
Patrick Swayze estava com a morte anunciada há mais de um ano em decorrência de um câncer, mas ainda assim participou de vários episódios da série de televisão americana "The Beast".
O ápice da fama de Swayze no final dos anos 80 e início dos anos 90. Seu porte atlético e rosto de galã derretia o coração das garotas e atraia a admiração dos rapazes.
Um de seus melhores filmes foi logo no começo de carreira, com "Vidas sem Rumo" (1983), com direção de Francis Ford Coppola. O elenco contava com as grandes promessas de novos talentos do cinema americano, como Tom Cruise, Matt Dillon, Ralph Macchio, C. Thomas Howell, Rob Lowe e Emilio Esteves.
Ele fez de tudo, de lutador de artes marciais (como em "Matador de Aluguel", de 1989), dançarino ("Dirty Dancing", 1987) ou, no que talvez tenha sido seu papel mais famoso, como o fantasma romântico de "Ghost" (1990). Em 1986, estrelou um dos melhores episódios da série de fantasia e ficção científica "Amasing Stories", produção de Steven Spielberg, chamado "Vida no corredor da morte" (Life on the Death Row). Também contracenou com Keany Reeves no filme de ação "Caçadores de Emoção" (Point Break, 1991).
O ator faleceu em Los Angeles, aos 57 anos, de câncer no pâncreas.
O diretor de "Up", Pete Docter, foi um dos escritores do último animado da Pixar, "Wall-e", e pode-se notar a semelhança estilistica em uma ótima sequência inicial. Assim como no filme do robô, há longos momentos sem diálogos em "Up". Considerando que vivemos em uma época saturada de informação, em que os filmes parecem querer "gritar" o tempo todo pela atenção do espectador, é reconfortante que ainda haja artistas corajosos como os animadores da Pixar. "Up" quebra alguns outros paradigmas das animações modernas. Para começar, é um filme em que o personagem principal é um velho. E apesar de seu coadjuvante em grande parte da trama ser um garoto, ele é um garoto bastante "comum", não é um gênio em computação nem alguém que se transforma em monstros. Tecnicamente, "Up" também embarcou na onda de filmes 3D mas, ao contrário da maioria dos exemplos do gênero, a produção não fica "jogando" objetos em direção ao espectador só para exibir a técnica. O 3D de "Up" é mais sutil e utilitário. O roteiro começa muito bem mas, assim como em Wall-e, a qualidade decai do meio para o final, infelizmente. Ainda assim, estamos diante de mais um exemplar de alto nível técnico e artístico do estúdio que tomou o lugar da Disney como lider mundial na animação.
O filme conta a história de Carl Fredricksen (voz de Chico Anísio na dublagem brasileira), um senhor que vive solitário na última casa de um bairro em constante reconstrução. A melhor sequência do filme é a que mostra a vida feliz que Carl teve com a esposa Ellie, que conheceu quando os dois eram crianças e fãs de um explorador chamado Charles Muntz. Eles prometem que um dia vão viajar à América do Sul em uma aventura, mas o tempo passa e a vida toma outros rumos. Tocante em um desenho animado ver uma história de vida e morte ser contada de forma tão natural assim. Quando Ellie se vai, Carl fica sozinho e se transforma no protótipo do velho ranzinza. Quando os homens de um asilo vem buscá-lo, eles se assustam quando Carl parte rumo às nuvens, com casa e tudo, carregado por centenas de balões de festa. É tudo muito bonito e bem feito, e o filme se torna cheio de possibilidades. Pena que o resultado fique aquém do esperado. Carl parte para a América do Sul com uma carona inesperada, um escoteiro cuja missão na vida é ajudar um idoso para ganhar a última medalha que falta na sua coleção.
O resto do filme envolve alguns momentos muito engraçados e bem escritos, misturados com outros que deixam a desejar. Infelizmente o toque humano acaba se chocando com uma trama que envolve cachorros falantes, um pássaro misterioso e um herói de infância que se revela um vilão. O visual continua impressionante e as máquinas voadoras lembram alguma coisa que o mestre japonês Hayao Miyazaki poderia ter imaginado (ou já fez melhor em filmes como "Láputa, Castelo no Céu"), mas fica a sensação de uma oportunidade perdida. "Up", mesmo assim, é divertimento de alto nível para as crianças e adultos.
Chelsea é bonita, elegante, arrumada. Tem fala mansa, é educada e escuta as pessoas falarem de seus problemas. Ela mora com Chris, seu namorado, que é um personal trainer. Chelsea é uma garota de programa.
O filme é dirigido por Steven Soderbergh, que tem uma carreira singular. Ele surgiu para o mundo com o "cult" "Sexo, Mentiras e Videotape", que ganhou o Festival de Cannes em 1989. De lá para cá, tem misturado filmes de puro entretenimento, como a série Onze, Doze e Treze "Homens e um Segredo", com filmes um pouco mais ambiciosos, como "Traffic" (2000, pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Diretor), "Erin Brockovitch" (no mesmo ano, dando o Oscar de Melhor Atriz para Julia Roberts), e a refilmagem de "Solaris" (2002). Técnico competente, ele é também Diretor de Fotografia e operador de câmera de vários de seus filmes, além de editor e músico.
O título brasileiro, apesar de correto, é enganador. Sim, temos "confissões de uma garota de programa", mas o espectador não deve esperar algo "picante" ou no estilo "Bruna Surfistinha". O título original, "The Girlfriend Experience", é mais interessante. Em um mundo sexualmente liberal (e até libertino) como o nosso, em que algumas pessoas "ficam" com várias outras em curto espaço de tempo, se envolvendo não só amorosamente mas fisicamente, o que significa ter um namorado ou namorada? O filme de Soderbergh não é só sobre Chelsea, mas também sobre seu namorado e, sim, sobre seus clientes. Vários sequer fazem sexo com ela durante os encontros. Eles vão ao cinema, jantam em restaurantes caros, conversam sobre os problemas de uma economia em crise. Para adicionar um toque ainda mais realista ao ar documental da produção, Soderbergh escolheu a atriz de filmes pornô Sasha Grey para viver Chealsea. Não que isso signifique, novamente, cenas de sexo picantes (o filme é bem comportado, aliás). Mas a presença de Grey aumenta o contexto extrafilme para o espectador, que vê aquela garota elegante e imagina como, ou porque, ela faz aquele trabalho (e é simples ver, em sites especializados, Grey trabalhando em outros papéis).
Não linear, a história acompanha a vida da garota em Manhattan, Nova York. Muito bem paga, ela está sempre impecavelmente vestida (mesmo quando está pouco vestida) e em várias etapas de negociação. De fato, dá a impressão que todas as personagens do filme estão negociando alguma coisa. Há algo de irônico no fato de que as negociações da garota de programa parecem bem mais simples e melhor resolvidas que dos vários executivos mostrados no filme. Eles estão sempre reclamando da queda nos lucros e imaginando o pior, mesmo que não abram mão de viagens em jatinhos para Las Vegas ou dos caros serviços das garotas de programa. Há espaço para o amor nesse tipo de mundo? Christine (o nome verdadeiro de Chelsea) mora com o personal trainer Chris (Chris Santos) que aparentemente não se incomoda com a profissão da namorada. Mas há regras. Christine não quer que ele vá para Las Vegas sozinho em uma viagem de executivos. E ele fica muito incomodado quando ela diz que vai passar um final de semana com um cliente que pode significar "algo mais" para ela.
Com 78 minutos, é um filme curto, cujo formato de falso documentário e passo lento não agradou muito a platéia (houve várias desistências durante a projeção). Incautos, provavelmente esperavam cenas "quentes", quando o que vemos na tela é um curioso e sensível quadro do mundo moderno, frio e calculista.
Em uma escola de ensino médio, na Alemanha, os alunos são convidados a estudar vários sistemas de governo. A turma do professor Rainer Wenger (Jürgen Vogel) foi escolhida para estudar a "autocracia" (o governo de um só, ou de um grupo). Wenger é um professor jovem e moderno, que conversa de igual para igual com os alunos e veste uma camiseta do grupo "Ramones". Ele gostaria realmente de dar aula sobre "anarquia", mas o assunto já foi escolhido por outro professor.
Surpreso quando seus alunos dizem que seria impossível uma ditadura se estabelecer novamente na Alemanha, ele resolve fazer um experimento. Deixa de ser camarada com os alunos e começa a exigir ser chamado de "Sr. Wenger", além de alinhar todas as carteiras da classe. Todo aluno tem direito a falar, desde que peça permissão primeiro e se levante. Começa então a fazer perguntas hipotéticas sobre como se estabelece uma ditadura; do que ela precisa? É democraticamente eleito o líder do grupo, que também vota por usar um uniforme com camisas brancas. Os alunos que discordam são desprezados pelo grupo e colocados para fora. Por fim, decidem por um cumprimento próprio e por um nome, "A Onda". O processo, inicialmente, é benéfico para alguns alunos. Os mais tímidos, por exemplo, se sentem amparados pelo resto do grupo e acreditam ter achado um propósito para suas vidas. Os preguiçosos, motivados, decidem abrir um website para "A Onda" e criar seu logotipo. O problema é que o que começa como um exercício hipotético acaba ganhando força própria. Os membros da "onda" se sentem protegidos e especiais, mas começam a discriminar todos os que não são como eles. Uma noite, todos saem pelas ruas pichando os muros e espalhando adesivos com seu logotipo pela cidade. Atos de vandalismo e violência começam a ocorrer sem que o professor Rainer tenha conhecimento do que está acontecendo.
O roteiro foi baseado em um livro de Tod Strasser, que já havia sido adaptado para a televisão americana em 1981. A história é baseada em um fato real ocorrido nos Estados Unidos, mas o fato dessa versão se passar na Alemanha, claro, acaba por evocar o Nazismo. Dirigido por Dennis Gansel, o filme é por vezes um pouco simplista. Nem todo grupo exposto a idéias fascistas necessariamente agiria da mesma forma. A figura do professor também me pareceu muito inocente. A Alemanha Nazista chegou a extremos justamente por ter a figura carismática de um líder como Adolf Hitler no comando. Mas o filme é um alerta contra o preconceito e o fundamentalismo, que podem nascer de forma democrática e com a melhor das intenções.
Eis um daqueles filmes raros, inteligentes, bonitos, instigantes, bem feitos. "Casamento Silencioso" é uma produção da Romênia, com direção de Horatiu Malaele, que também assina o roteiro em parceria com Adrian Lustig.
Em 1953, um pequeno vilarejo romeno acompanha com misto de apreensão e diversão o relacionamento apaixonado de Iancu (Alexandro Potocean) e Mara (Meda Andreea Victor). Os dois fazem amor nos campos de milho, na floresta, no celeiro, em todos os lugares, e seus pais gostariam que eles se casassem de uma vez. No horizonte, tanques soviéticos podem ser vistos fazendo manobras e, na floresta, uma estranha moça lança uma maldição sobre o casal. Quando os dois finalmente decidem se casar, uma grande festa é preparada, com muita comida e bebida. Só que, no dia da festa, oficiais soviéticos aparecem para ordenar que tudo seja parado. Joseph Stalin, que comandou a União Soviética de 1922 até 1953, havia morrido e um luto oficial de sete dias foi decretado. A festa de casamento estava proibida, sob pena de morte. O que se segue é das cenas mais hilariantes do filme, quando todo o vilarejo resolve se reunir à noite para celebrar o casamento da única forma possível, ou seja, silenciosamente. O diretor leva a sequência ao nível do absurdo, com brindes feitos com copos embrulhados em panos e uma banda que, animadamente, apenas finge tocar.
A sequência do "casamento silencioso" do título é ótima, mas todo o filme é permeado de situações que variam entre o absurdo e o sublime. Quando o Partido Comunista exige que um filme seja exibido no vilarejo, a luz elétrica tem que ser improvisada com um dínamo de bicicleta, operada pelo "inventor maluco" da cidade. Enquanto o filme de propaganda comunista é exibido na tela, toda a platéia do vilarejo solta gargalhadas com outro espetáculo involuntário: o prefeito da cidade, simpatizante dos soviéticos, se atrapalha com um grupo de comandados que, em câmera rápida, parecem interpretar uma cena cômica de um filme mudo. O clima de pastelão muda para a entrada poética de um grupo de circo na cidade, à noite, com as tochas dos malabaristas iluminando a todos. Pode-se sentir a presença do italiano Federico Fellini em momentos como este. O romeno Horatiu Malaele mostra grande habilidade para criar situações que passam pela comédia, pelo romance, pelo drama e até mesmo pelo sobrenatural. De forma poética e metafórica, "Casamento Silencioso" mostra como a Romênia, por anos, foi silenciada pelo regime comunista. Belo filme.
Hughes não dirigia um fime desde 1991, e fazia filmes que, na época, eram considerados "divertimento descartável". Pois bem, sua morte gerou reações bem interessantes mundo afora. Links que eu cacei por ai, ou achei na comunidade/sites de colegas:
ESTE LINK leva a uma história muito interessante de uma moça que era adolescente na época de "Clube dos Cinco" e enviou uma carta a Hughes. Em resposta recebeu uma "carta padrão" e adesivos do filme. Ela enviou outra carta a Hughes dizendo que tinha aberto seu coração para ele e recebeu uma carta padrão? Hughes respondeu pessoalmente pedindo desculpas e os dois se corresponderam ao longo de anos. Hughes levava as cartas dela à sério e acompanhava suas histórias, que ele dizia que o ajudavam a ir em frente. Anos depois, com ela já adulta, ela recebeu um longo telefonema dele falando que ele tinha parado de dirigir porque não gostava do caminho que Hollywood tinha tomado. E lamentava a morte do amigo e comediante John Candy (com quem trabalhou em vários filmes).
Este texto do crítico Roger Ebert fala com carinho sobre Hughes e seus filmes.
Abaixo trailer de um documentário chamado "Don´t you forget about me", realizado por um grupo que tentou entrar em contato com Hughes para que ele falasse sobre os próprios filmes, mas aparentemente não conseguiu. Mas há depoimentos dos atores, agora todos adultos e de diretores que foram influenciados por Hughes, como Kevin Smith.
Um dos diretores mais significativos dos anos 80 faleceu hoje, aos 59 anos de idade, de ataque cardíaco. John Hughes era sinônimo de filmes inteligentes para adolescentes na década de 80. Ao contrário das pornochanchadas estúpidas como "Porkys" e "O Último Americano Virgem", Hughes lidava com adolescentes que não eram apenas veículos para filmes com sexo e diversão. A jovem Molly Ringwald, uma de suas descobertas, foi sua "musa" e atriz principal de "Sixteen Candles" (aqui com o título bobo de "Gatinhas e Gatões"), sobre uma garota de 16 anos chegando à adolescência (sim, adolescente na época não tinha 11 anos). Molly Ringwald também seria a personagem principal de "A Garota de Rosa Shocking" (Pretty in Pink, 1986), escrito e produzido por Hughes. O filme tratava de uma jovem garota pobre que se envolvia com um garoto de classe alta e que não conseguia lidar com a pressão dos amigos "playboys". "Pretty in Pink" também contava com Jon Cryer, hoje famoso na série "Two and a Half Men", como o melhor amigo de Ringwald, apaixonado platonicamente por ela.
Em 1985, Hughes fez um dos melhores filmes adolescentes do cinema, "O Clube dos Cinco" ("The Breakfast Club"), com um elenco que contava com os melhores atores juvenis da época: Molly Ringwald (novamente), Emilio Estevez, Anthony Michael Hall, Judd Nelson e Ally Sheedy. Os cinco adolescentes são obrigados a passar um sábado inteiro na escola como punição, e passam o tempo conversando sobre a vida, os problemas, juventude, virgindade, sexo, drogas e o futuro. Apesar das personalidades, origem e modos de vida diferentes, os cinco acabam encontrando pontos em comum e terminam se tornando amigos. A música tema composta pelo Simple Minds, "Don´t you forget about me", é emblemática desta fase em que as amizades e a juventude parecem eternas.
Em 1986, um campeão das Sessões da Tarde: "Curtindo a vida adoidado" (Ferris Bueller´s Day Off) trazia Matthew Broderick no seu papel mais famoso. Ferris Bueller acorda uma bela manhã e decide que o dia está bonito demais para desperdiçar na escola. Através de uma série de esquemas bem bolados (e totalmente fantasiosos), ele consegue convencer os pais e a escola de que está doente e sai para passear por Chicago acompanhado do melhor amigo hipocondríaco Cameron (Alan Ruck) e a namorada Sloane (Mia Sara). Sim, é um filme sobre adolescentes matando aula, mas Hughes constrói uma fantasia que não se trata apenas de farra. Os três passam o dia indo a museus, a jogos de beisebol e até participam de uma parada no centro de Chicago. A cena mais famosa do filme é quanto Ferris Bueller canta "Twist and Shout" em cima de um carro alegórico, para centenas de pessoas.
O último filme de Hughes como diretor foi "Curly Sue", de 1991, com James Belushi. Nos anos 90 ele preferiu trabalhar apenas como roteirista e produtor, e se deu muito bem lançando filmes como "Esqueceram de Mim". Segundo o site TMZ, Hughes sofreu um ataque cardíaco que o matou hoje de manhã, em Nova York, com apenas 59 anos.
"Stella" é um dos filmes mais femininos (e, ao mesmo tempo, universais) exibidos nos cinemas nos últimos anos. Escrito e dirigido por Sylvie Verheyde, é contado em primeira pessoa por Stella (Leora Barbara), uma menina de apenas 11 anos que vive com os pais em um bar de uma Paris que não é aquela que imaginamos, linda e com a Torre Eiffel. Esta é uma cidade real, com pessoas reais, enfrentando os problemas do dia a dia. Que problemas uma garota de 11 anos pode ter? Muitos.
O filme começa com Stella sendo admitida em uma escola "de ricos". Logo no primeiro dia, ela volta para casa com um olho roxo adquirido em uma briga com um garoto. Seus pais, Roselyne e Serge (Karole Rocher e Benjamin Biolay), não são más pessoas, mas têm pouco estudo, trabalham muito e não sabem como cuidar de uma criança. Stella ajuda a atender o balcão e pode assistir TV até tarde e conversar com os frequentadores do lugar (segundo a garota, todos vão morrer de cirrose, o que ajuda a renovar a clientela). Ela tem uma paixão platônica por Alain Bernard (Guillaume Depardieu, que morreu ano passado, filho de Gerárd Depardieu), um dos clientes que moram em um quarto alugado no mesmo prédio.
Na escola, Stella não consegue se enturmar com as outras crianças, todas mais avançadas intelectualmente e financeiramente. Um dia, porém, uma garota chamada Gladys (Melissa Rodrigues) conversa com ela e as duas engatam uma daquelas amizades que só são possíveis nessa idade, honesta e livre de interesses. Gladys é filha de um psiquiatra argentino e mora em um belo apartamento na cidade e, de vez em quando, Stella passa a noite com ela. A amizade acaba fazendo bem também aos estudos de Stella, embora não da forma rápida que aconteceria em um filme menos realista. A influência da educação de Gladys se faz sentir aos poucos, como quando Stella vai à uma livraria comprar um livro de Balzac. A leitura, ao menos no início, não impede que ela seja vítima constante daqueles professores mal amados que se encontram nas escolas mundo afora, que descontam suas insatisfações nas crianças. Mas o filme mostra como as boas amizades e bons exemplos são fundamentais para instigar a educação de uma criança. Os pais de Stella, principalmente a mãe, só sabem educar agredindo verbalmente e a colocando para baixo. Aos poucos, porém, a menina vai percebendo que a escola nova pode ser um caminho para fora do bar e para um futuro melhor.
A diretora/roteirista leva o filme com uma sensibilidade invejável. A interpretação das meninas é totalmente verdadeira, e nos identificamos de imediato. O filme é passado em uma época que, no início, não é muito fácil de identificar. Aos poucos, porém, certos indícios como roupas, discos de vinil e fotos de Alain Delon nos colocam entre os anos 60 e 70. A data exata (1977) só aparece em uma cena em que Stella se dá bem em uma tarefa na escola, falando sobre um quadro.
Não é um filme infantil (a indicação etária é de 14 anos), mas extremamente realista sobre como é, na verdade, a passagem da infância para a pré-adolescência. Para uma mulher ainda há o peso extra das mudanças mais rápidas no corpo, a primeira menstruação e a passagem das bonecas para outros interesses. Um filme com produção modesta, mas raro na beleza e sensibilidade.
Juliette Fontaine (Kristin Scott Thomas) é uma mulher fria. Quando sua irmã Lea (Elsa Zylberstein), radiante de felicidade, vai buscá-la no aeroporto, Juliette a abraça, mas não esboça muita emoção. No carro, a mesma expressão fechada. Lea vai buscar as filhas adotivas na escola e diz a elas que a tia "estava viajando". As crianças tentam se aproximar, mas mesmo elas percebem que há algo "errado" com Juliette.
Kristin Scott Thomas (de "O Paciente Inglês") está ótima neste filme escrito e dirigido pelo romancista francês Philippe Claudel. Juliette é um enigma, mas Kristin aos poucos vai revelando o ser humano por trás da máscara fria e indiferente de sua personagem. Seu cunhado Luc não se preocupa em esconder que não a quer por muito tempo na casa. A irmã pede paciência ao marido. Afinal, ela passou 15 anos longe. Quando Juliette vai fazer uma visita obrigatória a seu agente de condicional (Frédéric Pierrot) é que ficamos sabendo parte da verdade. Juliette não estava viajando, mas sim presa por 15 anos. Qual teria sido seu crime? Por que Luc não a quer sozinha com as crianças? Por que ela é tão calada e fechada?
O filme explora muito bem a relação entre as duas irmãs. Lea é toda sorrisos com a irmã mais velha, mas sua apreensão e ansiedade são perceptíveis. Aos poucos, Juliette vai extraindo dela revelações sobre o comportamento da própria família. Os pais de Juliette obrigaram Lea a se esquecer da irmã, a ponto de começarem a dizer para os outros que Lea era filha única. Quando Juliette pergunta a Lea o porquê dela ter adotado duas crianças, ao invés de ter filhas próprias, a irmã responde que queria filhos, mas não queria gerar um. "É por minha causa", diz Juliette. A natureza do seu crime (que não vou revelar aqui) é tão terrível, e inexplicável, que as pessoas a tratam com desprezo ou medo. Existe crime sem perdão? Alguém que passou 15 anos preso e separado da sociedade tem o direito de tentar recomeçar a vida, quando solto?
O diretor Claudel, auxiliado pelo ótimo elenco, faz um trabalho delicado e sóbrio. Repare como o figurino das irmãs vai ficando mais claro e mais leve à medida que o filme se passa, conforme Juliette vai sendo aceita de volta pela família e por amigos. Curioso também o personagem do sogro de Lea, um senhor que mora com eles e que não pode mais falar por causa de um AVC. Juliette, calada por natureza e por consequência de suas ações, encontra conforto e companhia na presença do velho em algumas suaves passagens do roteiro.
Mais para o final o filme cresce em drama, mas também se perde um pouco. O crime de Juliette ganha uma explicação que pode ser vista como uma forma de "redimir" a personagem, e a cena em que as duas irmãs falam sobre o assunto "proibido" é interpretada brilhantemente por Kristin Scott Thomas e Elsa Zylberstein. O problema é que a tal "redenção" acaba tirando do filme um pouco do seu realismo e crueza e partindo para um clímax emocional contraditório. Por que não ir até o fim com o drama dessa mulher falha, mas fascinante? De qualquer forma, "Há tanto tempo que te amo" é um belo filme, levado com brilho pelo elenco encabeçado por Scott Thomas, em interpretação exemplar.
De um lado, a Hollywood clássica e o filme de gângster. Anos 30, bandidos com nomes inventivos como "Baby Face" Nelson e "Pretty Boy" Floyd, metralhadoras Thompson, casacos longos, chapéus de feltro. Do outro, um dos diretores mais modernos do cinema atual, Michael Mann, com seu visual perfeccionista e suas experimentações com o cinema digital. O resultado: "Inimigos Públicos", um filme de gângster do século XXI. Mann é um mestre da imagem. Seu estilo é ao mesmo tempo épico e intimista. Ele gosta da câmera bem próxima do rosto dos personagens, como que tentando nos mostrar o que se passa dento da cabeça deles. Ao mesmo tempo, sua tela larga e imagem perfeita criam um mundo próprio. Desde algumas experimentações em "Ali" (sua falha biografia do boxeador mais famoso de todos os tempos) e em "Colateral" Mann têm usado as câmeras digitais Vyper e Sony CineAlta para substituir a tradicional película de 35 mm usada desde sempre no cinema. Se elas funcionavam bem em filmes modernos como "Miami Vice", com seu visual noturno e "sujo", sua utilização em um filme de estilo clássico como "Inimigos Públicos" poderia ser arriscada. Nas mãos de Mann e seu diretor de fotografia Dante Spinotti, no entanto, o resultado é surpreendente: temos um filme clássico que é, ao mesmo tempo, moderno até a medula.
Johnny Depp interpreta John Dillinger, um criminoso que, perguntado o que faz da vida, simplesmente responde: "Sou ladrão de bancos". Dillinger era uma espécie de "pop star" nos anos 30. Fã de cinema e de Clark Gable, vivia apenas para o dia de hoje e realizava seus roubos a banco com rapidez, nunca roubando o cliente comum. Mann e Depp, no entanto, não tentam glamourizar demais o personagem. Ele era cruel com seus inimigos e não tinha respeito algum pela lei. Apaixonou-se por uma garota chamada Billie Frechette (a francesa Marion Cotillard), o que acabou sendo seu ponto fraco. Seu inimigo declarado era Melvin Purvis (Christian Bale), um homem da lei que foi transformado em agente especial pelo diretor do FBI, o afetado John Edgar Hoover (interpretado muito bem por Billy Crudup). Hoover sonhava com uma agência anti-crime composta por homens com "treinamento científico", com técnicas que, nesses dias de CSI e exames de DNA, podem parecer risíveis, mas eram as mais avançadas da época. Purvis já havia matado pessoalmente "Pretty Boy" Floyd e "Baby Face" Nelson e Dillinger se tornou sua obsessão. Ele é interpretado por Christian Bale, que já foi um grande ator, mas ultimamente parece ter estacionado em um mesmo tipo de atuação. Saudade de seus tempos de filmes pequenos. Depp, em contrapartida, está cada vez melhor com seu estilo camaleônico.
Michael Mann é meticuloso na construção de certas sequências, como a que mostra Dillinger fugindo de uma delegacia, atravessando uma a uma as barreiras do lugar, metódica e precisamente. O frenezi da mídia a respeito de Dillinger é mostrado em uma sequência visualmente fantástica, em que o criminoso é trazido de avião, à noite, e iluminado por fogos pelos cinegrafistas da época, tão insistentes quanto os paparazzi modernos. O final é metalinguístico. Dillinger passa seus últimos momentos em uma sala de cinema, assistindo a Clark Gable. Depp observa Gable e, novamente, o moderno dialoga com o clássico. E o cinema continua.