segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Procedimento Operacional Padrão

Errol Morris tem um estilo único de documentário. Ele se especializou em capturar depoimentos em que o entrevistado olha diretamente para a câmera, através de um equipamento que ele idealizou e batizou de “Interrotron” (simplificando, o aparelho projeta uma imagem de Morris na frente da lente da câmera, que é para onde o entrevistado fica olhando). O resultado é que temos contato visual direto com os entrevistados, ao invés do padrão geralmente seguido na televisão e no cinema, em que o entrevistado fica sempre olhando para alguém fora de quadro, ao lado da câmera. Isso resulta em uma intimidade maior com o entrevistado e com o assunto. Após uma série de documentários e de programas de televisão, Morris venceu o Oscar em 2004 com o perturbador “A Névoa da Guerra” (The Fog of War), em que o entrevistado é Robert McNamara, considerado um dos “pais” da Guerra do Vietman.

Em “Procedimento Operacional Padrão” (Standard Operating Procedure), Morris investiga as famosas (e terríveis) fotos feitas pelos soldados americanos na Prisão de Abu Ghraib, Iraque. Elas revelam todo tipo de crueldade e desrespeito praticado por homens e mulheres americanos contra os presos iraquianos, como humilhação, tortura e até morte. Ou será que não? Os soldados mostrados nas fotos são os responsáveis pelos abusos mostrados? E se não foram eles, quem é que realmente praticou os atos de tortura mostrados nas fotos? O filme é apenas parcialmente bem sucedido em responder a estas questões. O documentário conta com depoimentos dos próprios soldados mostrados nas fotos mas, infelizmente, Morris parece preocupado demais com o visual do filme, em detrimento do assunto tratado. “Procedimento Operacional Padrão” conta com um visual extremamente estilizado e cheio de gráficos e recriações dos eventos narrados pelos personagens. A música de Danny Elfman emula com perfeição Philip Glass, colaborador habitual de Morris, com seus padrões repetitivos e constantes. Mas o que os entrevistados estão dizendo, afinal? Que ao posar sorrindo ao lado de um prisioneiro que foi torturado até a morte, eles estão isentos de culpa? Que empilhar prisioneiros nus em pirâmides humanas ou em posições sexuais é apenas uma forma de diversão? Uma das soldados, uma mulher chamada Lynndie England, aparece em uma foto segurando um prisioneiro com uma coleira. Em seu depoimento, no entanto, ela diz que se pode ver que a corda está frouxa, e que ela não estaria realmente puxando o prisioneiro. As fotos seriam, então, apenas “encenações” dos soldados. Um nome em especial é repetido com freqüência, um tal Sargento Graner (que não aparece no filme), que teria sido o “diretor” da maioria dessas encenações para a câmera.

Isso significa, então, que as torturas não foram reais? Não exatamente. Os prisioneiros mostrados nas fotos, assim alegam os soldados entrevistados, haviam sido torturados sim, não por eles, mas por agências do governo como a CIA e o FBI. Um soldado diz que era prática comum a CIA aparecer com um prisioneiro “fantasma”, que não deveria ser registrado oficialmente ou revelado para a Cruz Vermelha. No caso do prisioneiro morto que aparece em algumas das fotos, ele teria sido envolvido em sacos de gelo e deixado em um dos banheiros, com a porta trancada. Os soldados americanos, usando uma chave reserva, lá entraram e tiraram fotos como aquela em que Sabrina Harman aparece sorrindo e fazendo sinal de “positivo” com o polegar.

O assustador no documentário é a constatação de que, não fossem as tais fotos (encenadas ou não, “brincadeiras” ou não), as torturas de Abu Ghraib não seriam reveladas. Vivemos na chamada “Era da Informação” que, na verdade, é a “Era da Imagem”. Os soldados mostrados nas fotos (todos de patente relativamente baixa) foram punidos pelas torturas ou simplesmente por terem posado para as fotos? E o que acontecia quando não havia câmeras por perto?


2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei mais do que Taxi do the Dark Side. E vc? Ja viu THE THIN BLUE LINE?

João Solimeo disse...

Taxi to the dark side não assisti. É bom mesmo? Vou procurar.

The Thin Blue Line é muito bom. Gosto do estilo de Morris. "A Névoa da Guerra" é sensacional.