segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Procedimento Operacional Padrão

Errol Morris tem um estilo único de documentário. Ele se especializou em capturar depoimentos em que o entrevistado olha diretamente para a câmera, através de um equipamento que ele idealizou e batizou de “Interrotron” (simplificando, o aparelho projeta uma imagem de Morris na frente da lente da câmera, que é para onde o entrevistado fica olhando). O resultado é que temos contato visual direto com os entrevistados, ao invés do padrão geralmente seguido na televisão e no cinema, em que o entrevistado fica sempre olhando para alguém fora de quadro, ao lado da câmera. Isso resulta em uma intimidade maior com o entrevistado e com o assunto. Após uma série de documentários e de programas de televisão, Morris venceu o Oscar em 2004 com o perturbador “A Névoa da Guerra” (The Fog of War), em que o entrevistado é Robert McNamara, considerado um dos “pais” da Guerra do Vietman.

Em “Procedimento Operacional Padrão” (Standard Operating Procedure), Morris investiga as famosas (e terríveis) fotos feitas pelos soldados americanos na Prisão de Abu Ghraib, Iraque. Elas revelam todo tipo de crueldade e desrespeito praticado por homens e mulheres americanos contra os presos iraquianos, como humilhação, tortura e até morte. Ou será que não? Os soldados mostrados nas fotos são os responsáveis pelos abusos mostrados? E se não foram eles, quem é que realmente praticou os atos de tortura mostrados nas fotos? O filme é apenas parcialmente bem sucedido em responder a estas questões. O documentário conta com depoimentos dos próprios soldados mostrados nas fotos mas, infelizmente, Morris parece preocupado demais com o visual do filme, em detrimento do assunto tratado. “Procedimento Operacional Padrão” conta com um visual extremamente estilizado e cheio de gráficos e recriações dos eventos narrados pelos personagens. A música de Danny Elfman emula com perfeição Philip Glass, colaborador habitual de Morris, com seus padrões repetitivos e constantes. Mas o que os entrevistados estão dizendo, afinal? Que ao posar sorrindo ao lado de um prisioneiro que foi torturado até a morte, eles estão isentos de culpa? Que empilhar prisioneiros nus em pirâmides humanas ou em posições sexuais é apenas uma forma de diversão? Uma das soldados, uma mulher chamada Lynndie England, aparece em uma foto segurando um prisioneiro com uma coleira. Em seu depoimento, no entanto, ela diz que se pode ver que a corda está frouxa, e que ela não estaria realmente puxando o prisioneiro. As fotos seriam, então, apenas “encenações” dos soldados. Um nome em especial é repetido com freqüência, um tal Sargento Graner (que não aparece no filme), que teria sido o “diretor” da maioria dessas encenações para a câmera.

Isso significa, então, que as torturas não foram reais? Não exatamente. Os prisioneiros mostrados nas fotos, assim alegam os soldados entrevistados, haviam sido torturados sim, não por eles, mas por agências do governo como a CIA e o FBI. Um soldado diz que era prática comum a CIA aparecer com um prisioneiro “fantasma”, que não deveria ser registrado oficialmente ou revelado para a Cruz Vermelha. No caso do prisioneiro morto que aparece em algumas das fotos, ele teria sido envolvido em sacos de gelo e deixado em um dos banheiros, com a porta trancada. Os soldados americanos, usando uma chave reserva, lá entraram e tiraram fotos como aquela em que Sabrina Harman aparece sorrindo e fazendo sinal de “positivo” com o polegar.

O assustador no documentário é a constatação de que, não fossem as tais fotos (encenadas ou não, “brincadeiras” ou não), as torturas de Abu Ghraib não seriam reveladas. Vivemos na chamada “Era da Informação” que, na verdade, é a “Era da Imagem”. Os soldados mostrados nas fotos (todos de patente relativamente baixa) foram punidos pelas torturas ou simplesmente por terem posado para as fotos? E o que acontecia quando não havia câmeras por perto?


quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Vicky Cristina Barcelona

Há algo de "almodovariano" no mais novo filme de Woody Allen. Quem sabe, talvez seja apenas um clichê, sentir a "presença" do diretor espanhol em um filme habitado por Penélope Cruz e Javier Barden. Allen continua em sua "fase européia", mudando o foco de seus filmes dos Estados Unidos (geralmente Manhattan) para fazer filmes na Inglaterra (como o ótimo "Machpoint" e o razoável "O Sonho de Cassandra") e, no caso deste, em Barcelona. "Vicky Cristina Barcelona" é também dos mais engraçados e divertidos dos últimos trabalhos de Woody Allen, e um de seus filmes mais "femininos".

Não deixa de ser engraçado também assistir a este filme um dia depois de ter visto "Romance", de Guel Arraes, em que a estrutura do amor romântico é esmiuçada no roteiro de Arraes e Jorge Furtado. Um dos alicerces da tragédia romântica, o triângulo amoroso, está por toda parte no filme de Woody Allen, embora de forma cômica. As americanas Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson) resolvem passar o verão em Barcelona na casa de uma amiga da familia. Vicky está fazendo um mestrado sobre "identidade catalã"; ela é centrada, decidida e está noiva de Doug (Chris Messina). Cristina está procurando por "alguma coisa". O narrador (a voz de um homem que não sabemos quem é) diz que ela passou um ano produzindo um filme de 12 minutos sobre o amor, e agora está procurando um novo rumo na vida. As duas estão jantando uma noite quando são interrompidas por um artista espanhol chamado Juan Antonio (Javier Barden), que tem uma proposta: ele gostaria que as duas fossem suas convidadas em um final de semana em uma cidade chamada Oviedo. O roteiro do passeio incluiria ver uma escultura, passear pela cidade e, se possível, sexo entre os três. Vicky, chocada com a ousadia, descarta a proposta imediatamente, mas Cristina resolve aceitar e os três partem para a aventura em um avião monomotor.

Este é o ponto de partida para uma série de complicações amorosas. Cristina, a mais "fácil" das duas, naturalmente planeja se relacionar com Juan Antonio assim que possível, mas uma úlcera a coloca de cama, sozinha, pelo final de semana. Isso abre espaço para que a personagem de Vicky se desenvolva. Interessante como, no mundo moderno, em que as noções de "romantismo" são tão vagas, e as mulheres têm muito mais liberdade para fazerem o que bem entendem, ainda se mantenha a noção de que o homem tenha que conquistá-la. Cristina, antes do ataque de úlcera, diz a Juan Antonio que irá ao quarto dele, mas ele terá de "seduzi-la". Vicky, por outro lado, tem noções muito mais concretas (ou assim ela acha) sobre o que ela quer da vida e do seu futuro marido, mas a doença de Cristina a "força" a passar o final de semana na companhia de Juan Antonio. Após passeios, uma inesperada visita ao pai dele e de uma apresentação de violão flamenco, no entanto, Vicky acaba cedendo aos encantos de Juan Antonio, e volta para Barcelona com suas convicções abaladas.

A trama se complica quando a ex-mulher de Juan Antonio, a "caliente" Maria Elena (Penélope Cruz) reaparece depois de uma tentativa de suicídio e volta para a casa dele, que já está morando com Cristina. O noivo de Vicky, para complicar, resolve se juntar a ela em Barcelona e propõe que os dois se casem lá mesmo, antes de voltarem para os Estados Unidos. Formam-se assim vários triângulos amorosos. Juan Antonio, Cristina e Maria Elena, que no início se odeiam, acabam formando uma relação à três. O outro triângulo é formado por Vicky, o noivo e, na imaginação de Vicky, por Juan Antonio, de quem ela não consegue se esquecer. Rebecca Hall faz um ótimo trabalho na criação de Vicky, que me pareceu a personagem mais plausível do filme. Há algo de genuíno em sua confusão entre a segurança possivelmente entediante representada pelo noivo e a aventura e paixão representados por Juan Antonio. Scarlett Johansson, no entanto, está me parecendo cada vez mais fraca como atriz. Não ajuda muito o fato de seu personagem ser uma pseudo-artista, uma pessoa em busca de algo que nem sabe o que é e que, a bem da verdade, soa um pouco fútil. Javier Barden e Penélope Cruz, especialmente, são perfeitos. A fotografia de Javier Aguirressarobe dá um tom quente e colorido a todo filme. Woody Allen escreve e dirige praticamente um filme por ano, para o bem e para o mal. "Vicky Cristina Barcelona" pode não ser uma obra prima, mas é dos melhores filmes de Allen dos últimos anos, e tem ido bem nas bilheterias.


terça-feira, 18 de novembro de 2008

Romance

Guel Arraes e Jorge Furtado são, possivelmente, os dois melhores roteiristas brasileiros hoje. Os dois tem a característica de saber misturar o popular com o erudito de forma inteligente e engraçada. Arraes vem de programas como a adaptação de "As Comédias da Vida Privada" para a televisão, do humorístico "TV Pirata" e da minissérie (também lançada como filme) "O Auto da Compadecida". Furtado é o roteirista/diretor do curta brasileiro mais premiado do cinema, "Ilha das Flores", e de longas como "O Homem que Copiava" e "Saneamento Básico". Agora os dois se juntaram para escrever o roteiro de "Romance", em que exploram a lenda romântica de "Tristão e Isolda" e a transferem para os dias atuais. O filme é dirigido por Guel Arraes.

Pedro (Wagner Moura) é um diretor de teatro apaixonado pelo seu ofício que está montando uma versão de Tristão e Isolda. Ele faz um teste com Ana (Letícia Sabatella), que ganha não só o papel como o coração de Pedro. Os dois se apaixonam no processo de ensaio, trocando diálogos que misturam suas frases com as dos personagens que estão interpretando, em um jogo metalinguistico típico dos roteiros de Jorge Furtado. Também típicas dele são as referências externas que, como hyperlinks, aparecem na tela na forma de animações. A bela fotografia (de Adriano Goldman) compõe planos atísticos que se mesclam citando quadros famosos, como "O Beijo", de Gustav Klimt, ou figuras medievais. Ana e Pedro se entregam a um amor ao mesmo tempo tradicional, cheio de romantismo e poesia, e físico. Letícia Sabatella, belíssima, está amadurecida e mais mulher em várias cenas de nudez com Wagner Moura. Tudo parce correr bem mas, como os próprios personagens comentam, no romance ocidental não há paixão sem dor ou sofrimento, e logo algo tem que dar errado. Os problemas começam quando um famoso produtor da televisão (José Wilker) vai assistir à peça e contrata Ana para fazer uma novela no Rio de Janeiro. Sua fama começa a atrair muitos espectadores para a peça, o que seria bom mas, ao mesmo tempo, causa ciúmes e sofrimento em Pedro, e os dois se separam.

Três anos depois, Ana é uma famosa artista da televisão e Pedro ainda é dedicado ao teatro. Os dois voltam a trabalhar juntos em uma adaptação de Tristão e Isolda para a TV, transposta para o nordeste brasileiro do século passado. É interessante ver como Arraes e Furtado brincam com os temas do sofrimento por amor e do triângulo amoroso presentes em Tristão e Isolda, que teria influenciado grandes partes das histórias de amor criadas desde o século XII (como "Romeu e Julieta", de Shakespeare, ou as lendas do Rei Arthur, traído por Guinevere e Lancelot). O filme é rico em situações e metalinguagens que misturam o teatro, a televisão e o próprio cinema. Há também uma ótima apropriação por parte do roteiro de outra peça famosa, "Cyrano de Bergerac", escrita por Edmond Rostand no final do século XIX. Na peça, Cyrano, um guerreiro feio e com um grande nariz, escrevia cartas apaixonadas para a bela Roxane. Só que, incapaz de declarar seu amor, Cyrano se escondia por trás do jovem Cristian, que acabava colhendo os frutos deste amor.

Em "Romance", a trama de Cyrano de Bergerac é resgatada pelo fato de que Pedro, ao escrever o roteiro de "Tristão e Isolda" para sua amada Ana, acaba vendo ela se apaixonar pelo ator que está interpretando Tristão, o sertanejo José de Arimatéia (Vladimir Brichta). Há mais sobre este personagem, mas prefiro não revelar aqui. O elenco ainda conta com Andréa Beltrão, muito bem como uma produtora que só pensa em audiência e sucesso, e com a participação especial de Marco Nanini, fazendo um ator cheio de manias e exigências. Como sugestão de referências, sugiro a versão de 1990 de "Cyrano de Bergerac", dirigida por Jean-Paul Rappeneau, com o grande Gérard Depardieu no papel principal. A lenda de Tristão e Isolda teve uma versão cinematográfica fraquinha realizada em 2006 por Kevin Reynolds. Mas o grande mestre do suspense Alfred Hitchcock se inspirou no mito para criar sua obra prima, o grande "Um Corpo que Cai" (Vertigo, 1958), em que James Stewart e Kim Novak vivem uma versão moderna e tortuosa do romance tradicional. Reparem como a trilha de Bernard Herrmman é fortemente baseada na ópera "Tristão e Isolda", de Richard Wagner.

Romance é um filme que fica para ser saboreado aos poucos, e ter suas dezenas de referências reconhecidas e aproveitadas. Belo trabalho de Guel Arraes, Jorge Furtado e elenco.


trailer de Romance:


Vertigo, de Alfred Hitchcock:

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Ninguém pode saber

Keiko Fukushima chega em casa tarde da noite. Ela está bêbada. Acorda os quatro filhos, um de cada pai diferente, com suas risadas e histórias para contar. Akira, o mais velho, tem 12 anos, mas aparenta ser mais maduro do que a própria mãe. Com calma, ele separa a louça e prepara um chá para todos. Nenhum deles (dois garotos e duas meninas) freqüenta a escola. Com exceção de Akira, que foi apresentado aos senhorios do pequeno prédio de apartamentos onde vivem, nenhuma das outras crianças pode fazer barulho ou ser vista por ninguém. Oficialmente, elas não estão morando lá. Elas chegaram ao apartamento com a mudança, dentro das malas.

"Ninguém pode saber" (Daremo shiranai, 2004), do diretor Hirozaku Kore-eda, é um duro e cruel retrato do abandono infantil. A mãe, apesar de aparentar gostar dos filhos e fazer o possível para cuidar deles, tem o costume de desaparecer por uns tempos por causa de algum namorado novo. "Então eu não posso ser feliz?", ela reclama com o filho, quando este lhe pergunta sobre ir à escola. Uma manhã Akira encontra um bilhete da mãe, dizendo que iria ficar fora por uns tempos. Ela demora um mês para voltar e, logo em seguida, parte novamente, deixando as crianças abandonadas e com pouco dinheiro.

O jovem ator Yuya Yagira, com apenas 14 anos na época, venceu o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes por seu ótimo retrato do garoto Akira. Na falta da mãe, ele tenta administrar a casa, cuidar dos irmãos e se virar com a falta de dinheiro. Mesmo se levando em conta que as crianças, no Japão, costumam ser mais independentes do que no ocidente, a tarefa é dura demais para um garoto de 12 anos. Kore-eda escreveu o roteiro baseado em uma história real acontecida em Tokyo nos anos 1980. Segundo artigo da Wikipedia, os fatos reais eram ainda mais terríveis do que os mostrados no filme. Um aspecto interessante das filmagens é que elas foram feitas cronologicamente, ao longo de um ano. Assim, as estações do ano e a própria mudança física das crianças foi capturada conforme iam acontecendo. Conforme os meses passam, Akira e os irmãos começam a passar fome e por apuros financeiros. A água e a eletricidade são cortados, e eles não querem pedir ajuda à polícia por medo de serem separados. Aos poucos, eles vão se arriscando mais e passam a sair do apartamento com mais frequência, seja para procurar comida ou lavar as roupas na torneira do parque. Outros personagens acabam aparecendo, como uma garota tímida que, por ser perseguida na escola, não frequenta as aulas e acaba conhecendo os irmãos.

Não é um filme fácil. É longo (duas horas e vinte minutos), lento e, a bem da verdade, cada vez mais deprimente. Tudo isso culminando em uma cena de arrepiar nos arredores de um aeroporto, à noite, com os aviões passando e duas crianças puxando uma mala. Filme disponível em DVD.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Orquestra dos Meninos

Dirigido por Paulo Thiago, "Orquestra dos Meninos" intercala momentos de extrema simplicidade e interpretação quase documental com outros por demais teatrais, quase amadores. Mas, apesar do elenco global entre os papéis principais, há um ar interessante de obra não industrial que que, na maior parte do tempo, é bem vindo.

O roteiro é baseado na história real de um músico pernambucano chamado Mozart Vieira (Murilo Rosa) que, desde criança sonhou em ser músico e conduzir uma orquestra. Influenciado pelo avô, que regia a bandinha local da pequena cidade de São Mariano, no agreste nordestino, Mozart cresce e resolve colocar em prática seus sonhos. Movido por um grande amor à música e muito entusiasmo, ele convence a diretora de uma escola a ceder um espaço para que um pequeno grupo de crianças e adolescentes comece a praticar. Munidos de instrumentos velhos e usados, as crianças começam a aprender Bach, Mozart, Beethoven e Villa-Lobos, e a pegar gosto pela música. Entre as crianças está uma não tão jovem Priscila Fantin, fazendo o que pode para parecer feia e desajeitada, tocando um fagote enorme.

A pequena orquestra de Mozart Vieira começa a fazer tanto sucesso que atrai a atenção de um marketeiro político que a usa para eleger o próximo governador. Em troca, o governador promete construir uma Fundação na cidade e dar instrumentos novos para o grupo de Mozart. Isso acaba atraindo a ira e inveja dos políticos locais, liderados por Moisés (Othon Bastos, com um aviso de "vilão" escrito no rosto desde a primeira cena do filme). Atual prefeito, ele era professor de matemática na mesma escola em que Mozart ensaiava com a orquestra, e vê nele um adversário político. Sem papas na língua, Mozart não quer entrar no jogo de Moisés e acaba conquistando um inimigo perigoso. Um dos garotos da orquestra é seqüestrado, espancado e fica quase cego, e Mozart é acusado de pedofilia e aliciamento de menores.

O filme é melhor quando se concentra na música. Há belas passagens da pequena orquestra interpretando Bach e Villa-Lobos. Mas o roteiro, por vezes, é por demais rasteiro. Há uma personagem feminina, por exemplo, que aparece apenas para gerar ciúme em Priscila Fantin. Um efeito de câmera lenta é usado desnecessariamente, e uma cena de chuva termina com uma declaração de amor não só fora de hora, mas inconseqüente (não vemos resultado nas cenas seguintes). Apesar de certa teatralização, o circo político é plausível e podemos imaginar o que o verdadeiro professor deve ter passado para conquistar o que conseguiu. Nos créditos finais vemos imagens do verdadeiro Mozart Vieira e acompanhamos o destino de muitos de seus músicos, seguidos de uma frase que resume a moral do filme: "o artista só se curva para seu público". Filme irregular, mas bom.


sexta-feira, 7 de novembro de 2008

007 - Quantum of Solace

Bond, James Bond. Eu sempre me perguntei a lógica por trás desta frase. Por que um agente secreto sairia declarando seu nome verdadeiro o tempo todo, para todo mundo? Brincadeiras a parte, o espião mais famoso do cinema sobreviveu a seis atores diferentes, vinte e dois filmes oficiais e quarenta e seis anos de história. A ultima encarnação de Bond voltou na forma do ator Daniel Craig, escolha que desagradou muita gente. Loiro, durão e com cara de poucos amigos, Craig estava longe do charme normalmente associado ao personagem, ainda mais quando comparado a seu antecessor, Pierce Brosnan. Mas Craig atendia às demandas dos filmes de ação do século XXI, pós Jason Bourne. A trilogia estrelada por Matt Damon impôs um ritmo e um realismo impressionantes ao gênero dos filmes de ação, o que forçou uma reformulação do próprio James Bond. Foram-se o charme, o ar refinado e os brinquedos tecnológicos, dando lugar a um James Bond muito mais frio, preciso e indestrutível.

Após "Cassino Royale" (2006), o filme de estréia de Daniel Craig, Bond retorna com "Quantum of Solace", a primeira continuação da história do personagem. "Solace" continua a trama desfiada em "Royale", filme em que o primeiro amor de Bond, a bela Vésper Lynd (Eva Green) o traiu e morreu. Bond diz que não está buscando por vingança contra a organização responsável pela morte dela, mas nem sua chefe, M (a grande Judy Dench), acredita nisso. O filme já começa à toda velocidade, com uma perseguição de carros, na Itália, que dá lugar à um grande festival medieval em Siena. Após M quase ser morta por um agente duplo, segue-se outra perseguição ainda mais impressionante, em que Bond persegue o vilão pelos telhados, em uma seqüência que me lembrou muito cenas de "O Ultimato Bourne". Lá estão os pulos impossíveis de um telhado para outro, os vôos entre as janelas dos sobrados, a luta corpo a corpo, tudo.
A trama envolve um vilão chamado Dominic Greene (Mathieu Amalric) que tem uma "empresa" que, segundo ele, promove golpes de estado em países da América do Sul em troca de favores especiais. Tudo isso com o olhar complacente da CIA e, aparentemente, da MI-6 de 007. Greene se esconde por trás de uma fachada ecológica para conseguir apoio para depor o presidente da Bolívia e substituí-lo por um ditador próprio. Bond, seguindo pistas deixadas pelo traidor da MI-6, chega até Greene no Haiti, onde ele conhece a bela Camille (a estonteante Olga Kurylenko). Ela tem planos próprios, que envolvem matar o ditador Boliviano por vingança (ele teria matado a família dela). Assim, além dos olhos bonitos, Bond vê em Camille uma parceira na vingança. Há uma tentativa de humanizar o personagem, que sofre a perda de Vésper e que, agindo por vingança, estaria fora de controle. Mesmo assim, Bond continua o personagem "macho" de sempre, desfrutando de carros possantes, alto estilo de vida e belas mulheres.

"Quantum of Solace" não tem muito a dizer, é verdade. Mas é sem dúvida um filme de ação espetacular, feito em um estilo "cinemão", em largo cinemascope. É visível que rios de dinheiro foram gastos na produção bem cuidada e nos aspectos técnicos. Quanto ao ser humano 007, ele continua o velho Bond, James Bond.


quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Morreu Michael Crichton

Um post rápido sobre a morte de Michael Crichton. Ele tinha apenas 66 anos e morreu de câncer nesta terça-feira, dia 4 de novembro, em Los Angeles. De formação médica, Crichton fez fortuna escrevendo best sellers que, invariavelmente, iam parar na telona dos cinemas, fazendo ainda mais dinheiro. É dele o livro "Jurassic Park" que, em 1993, se tornou um dos últimos filmes "for fun" de Steven Spielberg (antes de virar diretor "sério" e ganhar seus Oscar). Coincidentemente, estava folheando o livro esses dias. Crichton tinha um estilo de escrita direto, cheio de termos técnicos que davam alguma credibilidade científica a suas fantasias, como recriando dinossauros via DNA pré-histórico no citado Jurassic Park. Ele também se aventurou no cinema, dirigindo filmes como "Westworld" (1973), uma espécie de pré-Jurassic Park (o mesmo tema do parque de diversões em que tudo dá errado), em que Yul Brynner (de Sete Homens e Um Destino), parodiava a si mesmo. Ele interpretava um caubói andróide que se revoltava contra seus criadores e começava a matar os turistas. Crichton também foi o criador da série televisiva E.R., no ar desde 1994.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Mar Adentro

Antes de começar, dois avisos: a resenha a seguir contém opiniões minhas sobre eutanásia. Segundo aviso: caso não tenha visto o filme e não queira saber de detalhes, recomendo que alugue o DVD e depois volte aqui.

Avisos dados, assisti hoje na CPFL Campinas, em 35 mm, a este filme do diretor chileno Alejandro Amenábar. Baseado em fatos reais, trata da história de Ramón Sampedro (o excelente Javier Bardem), um homem divertido, inteligente, capaz de escrever belos poemas e debater arduamente com qualquer pessoa sobre o que acha certo.

Há quase trinta anos Ramón vive em uma cama, na casa de seu irmão mais velho. Quando tinha 19 anos, um mergulho mal calculado no mar resultou em uma vértebra quebrada e na paralisia total dos membros abaixo do pescoço. Ramón acredita que deveria ter morrido naquele acidente e, desde então, tem tentado convencer as autoridades (e qualquer pessoa que queira escutar) a permitirem que ele morra com "dignidade". Ele contata uma associação que promete lutar pelo "direito de escolha", que lhe envia uma bela advogada, Julia (Belém Rueda), para tratar de seu caso. É um tema polêmico e minha opinião é a de que eutanásia poderia ser pensada, no máximo, em algum caso de dor e sofrimento extremos. Mas é complicado ver um homem inteligente e, ironicamente, cheio de "vida" como Ramón lutando tão bravamente para tentar terminar com a própria existência. Como cinema, "Mar Adentro" é um grande filme.

Há de se louvar a decisão de não transformá-lo em um simples panfleto pró (ou anti) eutanásia. É, antes de tudo, um filme sobre grandes pessoas, passando por uma situação difícil e polêmica. Ramón mora com o irmão mais velho (que é totalmente contra as idéias suicidas dele), com a cunhada Manuela (Mabel Rivera), o sobrinho Javi (Tamar Novas) e seu velho pai. Todos tomam conta de uma pequena chácara e cuidam de Ramón. Quando as notícias sobre o pedido dele ao Estado pedindo a eutanásia chegam à imprensa, um padre (também tetraplégico) aparece na televisão e diz que Ramón só está querendo chamar a atenção da família, que não lhe daria amor o suficiente, o que deixa todos revoltados. Há uma seqüência muito bem escrita, e engraçada, em que este padre vai visitar Ramón e os dois têm um debate interessante sobre razão versus religião. E há as mulheres que, cada um a seu modo, são apaixonadas por ele. A primeira é a própria cunhada Manuela, que trata dele como a um filho. A advogada Julia também acaba se apaixonando por ele e, ao descobrirmos que ela tem uma doença degenerativa, ela se torna uma possível aliada em um ato suicida de amor. E há Rosa (Lola Dueñas), uma operária simples, mãe de dois filhos, que vê Ramón na televisão e se torna sua amiga, tentando a todo custo fazer com que ele mude de idéia.

Tecnicamente, o diretor Almenabár constrói várias seqüências muito bem feitas mostrando passagens de tempo e, mais poeticamente, os sonhos e fantasias que Ramón tem ao imaginar que está livre da paralisia. Alejandro Almenabár também assina o roteiro, a edição e, pásmem, a trilha sonora do filme. "Mar Adentro" ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2004.


domingo, 2 de novembro de 2008

Programa Vitrine, 18 Anos

Um post televisivo. Ontem, 01 de novembro de 2008, a TV Cultura de São Paulo exibiu um programa especial de 18 anos do Vitrine. Eu sou fã "nerd" da TV Cultura desde criança, quando assistia a programas infantis como "Bambalalão" ou, na adolescência, aos ótimos programas de auditório como "Quem Sabe, Sabe", "É Proibido Colar" e "Enigma". É...saudade da época em que se fazia televisão inteligente. Mas, apesar de uma certa banalização e a lamentável abertura da TV Cultura aos comerciais (assistir propaganda das Casas Bahia, com todo respeito, na TV Cultura, é algo difícil de engolir), a Fundação Padre Anchieta manteve e mantém certa qualidade de programação até os dias de hoje.

Prova disso é o Programa Vitrine, no ar há 18 anos. Sim, eu me lembro do lançamento do programa, ao vivo, com os apresentadores Nelson Araújo (nos últimos anos no Globo Rural) e Maria Antônia Demasi, e assisti a vários programas apresentados depois por Cassia Mello, Leonor Corrêa e Renata Ceribelli. Minhas fases preferidas, porém, foram as apresentadas por Maria Cristina Poli (entre 1994 e 1998) e pelo genial Marcelo Tas (1998 a 2004). Poli deu um ar mais internacional e jornalístico ao programa. Viajou a vários países e me lembro de assistir com interesse a seus programas direto do Japão (em 1998, eu mesmo partiria para lá, onde passei um ano).

Marcelo Tas, já prata da TV Cultura por suas participações e criações nos programas infantis como Rá-Tim-Bum (além de criador e diretor do Telecurso 2000), assumiu o programa em 1998, em pleno surgimento da internet no país. O Vitrine voltou a ser ao vivo, toda quarta feira, "dez e meeeeeeia da noite" (como anunciava Tas) e era muito bom. O programa se tornou cada vez mais interativo, com participação ao vivo de internautas via e-mail, e havia ótimas (e às vezes surpreendentes) entrevistas, como a de Ana Maria Braga. Rodrigo Rodrigues e Fernanda Danelon realizavam as reportagens externas.

Por um tempo o Vitrine passou por alguns problemas (que até hoje não entendi direito, pois fiquei sem acesso a TV Cultura por um tempo). Ele deixou de ser ao vivo e Marcelo Tas fez algumas apresentações do exterior, ou então havia reprises no lugar do programa. Voltei a acompanhar o Vitrine a partir do ano passado, agora sob o comando de Rodrigo Rodrigues e da bela Sabrina Parlatore. O programa, gravado, continua com boas reportagens e ainda é bem superior ao nível médio da televisão brasileira. No programa especial de ontem, todos os ex-apresentadores estavam presentes. Marcelo Tas está fazendo sucesso com o CQC, na TV Bandeirantes. Renata Ceribelli está na Globo. Leonor Corrêa na Record. Maria Cristina Poli, que havia voltado para a Globo, mas já saiu novamente, está produzindo programas independentes.

O site do programa é bastante informativo e é possível, inclusive, assistir a reportagens online desde 2001.