
O suspense vai aos poucos se instalando a partir de uma característica técnica: o diretor alterna planos curtos, que geralmente representam cenas de transição mostrando Otilia em movimento, pegando ônibus ou andando pelas ruas, com longos planos ininterruptos de diálogo, geralmente entre duas pessoas. Isso força o espectador a ter que acompanhar em tempo real os percalços que Otilia passa para conseguir alguma coisa, geralmente tendo que subornar alguém. Ela vai à um hotel e reserva um quarto para três noites. Depois vai se encontrar com um homem que, desconfiado, lhe faz um monte de perguntas. Finalmente, os dois se encontram com Gabriela no quarto do hotel e ficamos sabendo do que se trata o filme. Gabriela está grávida, e o homem (ironicamente chamado de Sr. Bebe) está ali para realizar um aborto clandestino. Interpretado por Vlad Ivanov, o homem aos poucos descreve friamente o que vai acontecer, e como irá realizar o aborto. Novamente os planos sem cortes criam uma tensão palpável, enquanto percebemos a gravidade da situação e, pior, percebemos o que o Sr. Bebe vai exigir em troca como pagamento. No cinema, neste momento, alguns espectadores se levantaram e deixaram a sala.
Frio e sem música, o filme é muito bem feito em criar tensão sem necessidade de apelar para cenas fortes. A situação é pesada o suficiente para deixar o espectador em suspense e o ritmo lento só faz a imaginação criar o pior. Anamaria Marinca faz um ótimo trabalho ao interpretar Otilia, uma moça decidida que, ao querer ajudar uma colega de quarto, passa por situações inimagináveis. Há um ótimo plano contínuo que a foca sentada à mesa de jantar no aniversário da mãe do namorado. Enquanto todos os convidados batem papo percebemos na feições dela a preocupação com a amiga que deixou no quarto de hotel. Ela também imagina o que aconteceria se ela estivesse na mesma situação, e desabafa suas preocupações com o namorado. O cena final é aberta, mas alguns detalhes sugerem problemas para o Sr. Bebe.
Um filme seco, sobre um assunto polêmico. Pode ser usado, imagino, tanto por pessoas contra o aborto quanto pelas que são a favor. Visto em 35mm na CPFL Cultura, em Campinas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário