O documentário “Linha de Montagem”, de Renato Tapajós, volta às telas depois de passar por um processo de restauração e recuperação de imagem e som. O filme foi limpado digitalmente e transferido para 35mm. O impacto na telona do cinema é grande, e o filme nos transporta para São Bernardo do Campo no final dos anos 1970 e início dos 1980, particularmente para as históricas greves de 78, 79 e 1980. O cabeça do movimento sindical de São Bernardo na época respondia pelo nome de Luis Inácio da Silva, vulgo “Lula”.
Quem assistiu “Peões”, de Eduardo Coutinho, conhece uma das histórias associadas a este filme. Feito pelo Sindicato dos Metalúrgicos, em plena ditadura militar, o filme quase foi tomado pelos militares durante sua primeira exibição. O filme foi “contrabandeado” para fora do sindicato dentro da bolsa de uma faxineira, enquanto os militares procuravam por ele. Os anos se passaram e o negativo original se deteriorou e quase que o documentário se perde novamente. O trabalho de restauração, feito com dinheiro da Petrobrás, foi minucioso e teve de ser feito praticamente quadro a quadro da cópia original.
Não é um documentário isento. Produzido pelo Sindicato dos Metalúrgicos, em alguns momentos tem-se a sensação de se estar assistindo a um institucional O filme mostra depoimentos filmados no sindicato de seus vários diretores e do próprio Lula, explicando sua visão dos anos anteriores e das greves que comandou. O lado mais “cinema verdade” acontece quando a câmera sai às ruas e acompanha os manifestantes em assembléias gigantescas no ginásio de futebol de São Bernardo, em que mais de 100 mil trabalhadores se reuniam para decidir os rumos do movimento grevista, ou nos fundos da Igreja de São Bernardo, para onde a diretoria do sindicato se mudou quando a sede foi tomada pelo governo.
Na greve de 1979, vemos Lula comandando a multidão e citando uma trégua de 45 dias proposta pelos empresários, que é rejeitada. Lula é preso e retorna alguns dias depois para a assembléia sugerindo que o acordo seja feito. Durante estes 45 dias, o acordo dizia que as empresas não demitiriam nenhum funcionário, mas a Equipamentos Villares demite mais de 300 deles, o que causa uma pequena greve que dura apenas dois dias, sem resultados. Segundo um dos sindicalistas, foi “falta de politização” dos trabalhadores. A força de Lula em seus discursos e como condutor da massa de trabalhadores é de impressionar. Acabados os 45 dias, os trabalhadores voltam à Assembléia sedentos por greve, e são surpreendidos pela recomendação contrária de Lula. Por um momento imagina-se que a massa vai se rebelar, mas não demora muito e estão todos gritando o nome de Lula a todos pulmões e concordando com ele. Dois dias depois, o sindicato é reaberto.
O ponto chave, na verdade, é este. Até que ponto os movimentos grevistas tinham como fim os interesses mais imediatos dos trabalhadores, como o aumento de salários, ou, na verdade, almejavam aumentar a força do Sindicato dos Metalúrgicos? Um dos manifestantes, em dado momento, se vira diretamente para a câmera e diz que o movimento "não é político, é apenas reivindicatório". Mas o próprio Lula, no final do filme, diz que o maior resultado das greves foi a conscientização política dos trabalhadores. E que esta força política fez com que um novo rumo fosse dado ao movimento em direção da criação de um partido político: nascia o Partido dos Trabalhadores. Lula, em 1982, diz que o resultado disso só seria visto dentro de alguns anos. Vinte anos depois, ele assumiria a Presidência da República.
Cinematograficamente falando, o filme é muito bem feito, com destaque para a edição de Roberto Gervitz, que seria depois diretor de filmes como Feliz Ano Velho e Jogo Subterrâneo. Sua montagem mostra ações paralelas como um show no primeiro de maio para arrecadar dinheiro para o "fundo de greve", com imagens do jornal do sindicato sendo impresso. A trilha sonora contou com a colaboração de Chico Buarque, que canta a música tema. O relançamento de Linha de Montagem é uma viagem no tempo interessante, que pode ser complementada com o documentário "Peões", vinte anos depois, para checar os resultados.
2 comentários:
fiquei um pouco receosa em ver esse filme.
ainda estou me decidindo se vou pagar pra vê-lo.
na melhor das hipóteses, será mais um documentário pra minha lista.
como sempre, textos riquíssimos João.
=)
Brigado pelo comentário, moça. O documentário é bom sim, ainda mais restaurado como foi. A imagem tá com cara de nova, e é uma viagem no tempo para a moda, cabelos e carros no início da década de 1980, hehe (muuuuuuitos Fuscas).
bjo
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