terça-feira, 30 de setembro de 2008

A Missão

A primeira vez que vi "A Missão" foi em 1987, quando estava no colegial. O filme, feito em 1986, havia saído em VHS e minha professora de literatura resolveu mostrá-lo para os alunos. Vinte de um anos depois, entrando em uma dessas lojas "express" das Americanas, encontro o filme em DVD Especial por meros nove reais e noventa centavos. Por algum motivo que não sei dizer, nunca mais havia tido a oportunidade de revê-lo, e minhas memórias eram escarsas. Eu me lembrava da sensacional trilha de Ennio Morricone e de Robert De Niro escalando as Cataratas do Iguaçu, mas não muito mais do que isso.

Pude agora revê-lo em "widescreen" e som 5.1 e é realmente impressionante. Não é apenas um filme histórico. Filmado em locações próximas aos locais onde realmente aquelas missões jesuítas existiram, o filme é como uma máquina do tempo nos transportando para o século 18, quando espanhóis e portugueses disputavam os territórios onde hoje fica a fronteira entre o Brasil, o Paraguay e a Argentina. É também um registro de como os filmes costumavam ser produzidos, fotografados e editados há vinte anos. Não é muito tempo, mas de lá para cá muita coisa mudou na maneira de se fazer filmes, pricipalmente nos recursos de efeitos digitais e trucagens. Dirigido por Roland Joffé, "A Missão" é um filme das antigas, feito realmente nas Cataratas do Iguaçu. Quando Jeremy Irons começa a subir a queda d´água, sobre pedras escorregadias, tem-se a impressão que ele realmente está correndo perigo de morte. O DVD contem um "lado B" com extras que ainda não conferi, mas que contém um making of.

Há várias belas passagens, mas uma das mais memoráveis é a transformação pela qual passa o personagem de Robert DeNiro. No começo do filme ele é Mondoza, um cruel traficante de escravos que caça e mata índios na floresta virgem para vender para os espanhóis. Após matar o próprio irmão em um duelo por uma mulher, Mendoza fica com remorso e vai para um convento jesuíta e se recusa a comer. O jesuíta Gabriel (Jeremy Irons) o força a sair da inércia e o desafia a enfrentar sua penitência. Na sequência seguinte nós os vemos subindo as Cataratas, DeNiro carregando um fardo enorme e pesado nas costas. Ele enfrenta as águas, a floresta e o barro e se recusa a aceitar ajuda. Finalmente eles chegam em contato com os índios Guarani, muitos dos quais haviam sido mortos por Mendoza. Ele acha que vai ser morto, mas eles o acolhem. Emocionado, ele chora abertamente e podemos ver sua transformação de cruel mercenário em um ser humano de verdade. O grande elenco ainda conta com Liam Neeson (de A Lista de Schindler), como outro jesuíta.

A fotografia deslumbrante de Chris Menges lhe rendeu o Oscar. Foi o único do filme (indicado a outros seis prêmios). A maravilhosa trilha de Ennio Morricone foi apenas indicada, mas é dos pontos altos do filme. Um clássico que valeu ser revisitado.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Uma garota dividida em dois

A moça do tempo Gabrielle Deneige (Ludivine Sagnier) é tão bela, jovem e inocente que não passa um dia sem receber alguma proposta indecorosa das pessoas com quem ela trabalha. O diretor da TV quer levá-la para jantar para conhecer algumas pessoas supostamente importantes para a carreira dela. Um velho e consagrado escritor, Charles Saint-Denis (François Berléand), que vai fazer uma entrevista na televisão, bate os olhos nela e fica interessado. Sua beleza também atrai a atenção de Paul Gaudens (Benoit Magimel), herdeiro rico e mimado de um laboratório farmacêutico. A mãe de Gabrielle é dona de uma livraria onde Charles vai fazer uma tarde de autógrafos, e é lá que ele a convida para sair no sábado seguinte. Paul Gaudens também comparece ao evento e também convida a garota para sair. O escritor é considerado um "bon vivant", um homem bem sucedido, casado com uma mulher que ele chama de "santa" (simplesmente porque ela faz vista grossa a suas traições) e que tem uma linda e madura assessora de imprensa chamada Capucine (Mathilda May). Ele vive em uma daquelas casas cheias de paredes de vidro no interior, onde escreve seus livros, mas mantém um apartamento na cidade, para onde leva suas amantes. É para lá que ele leva Grabrielle após ter passado a tarde com ela em um leilão de livros antigos. "Você pensa que sou idiota?" ela lhe pergunta, pouco antes de se entregar para ele. Consumado o ato, Charles a repele. Ela fica então à mercê das investidas do jovem e mimado Paul Gaudens.


"Uma garota divivida em dois" é um filme do veterano diretor francês Claude Chabrol, que já está com 78 anos, e que faz cinema desde os anos 1950. Chabrol dirige com classe, com elenco afinado. O roteiro é bem "europeu" (isto é, adulto), e lida com este triângulo amoroso de forma por vezes chocante. Nenhum dos personagens atrai muita simpatia da platéia (a não ser, talvez, a garota), e o filme expõe suas fraquezas, desejos e mesmo seus desvios. O velho escritor é mostrado como um homem realista ao ponto do cinismo ou da hipocrisia. Ele trata Gabrielle como um troféu por ele conquistado e usa frequentemente a palavra "amor", mas a trata como um fetiche sexual. A garota, por seu lado, ainda tem fantasias a respeito de romance e de afeição, mas também não quer parecer uma inexperiente ao lado do parceiro com idade para ser seu avô, e pede que Charles "lhe ensine". Já Paul é um jovem mimado que nunca teve que trabalhar um dia na vida e que vive na sombra do que foi seu pai e sob a tutela severa da mãe. Gabrielle, para ele, representa aquilo que o dinheiro não pode comprar. Ela a princípio repele suas investidas, mas diante dos problemas com Charles, ela começa a ceder. Mas será que Paul está preparado para lidar com ela?


O filme corre o risco de se tornar enfadonho quando um crime inesperado dá uma reviravolta na história e joga a personagem de Gabrielle em outro turbilhão de problemas. Estranhei um pouco o modo como Chabrol corta seu filme. Há sequências pouco interessantes que se arrastam desnecessariamente (como uma conversa entre a mãe de Gabrielle e um tio). Em outras sequências, Chabrol corta a cena justo no momento em que se espera algum tipo de reação importante dos personagens. O filme é um tanto frio e os personagens pouco simpáticos, mas há bons momentos e diálogos inteligentes. E o final, apesar de um pouco literal, é muito bom.

domingo, 28 de setembro de 2008

Linha de Montagem

O documentário “Linha de Montagem”, de Renato Tapajós, volta às telas depois de passar por um processo de restauração e recuperação de imagem e som. O filme foi limpado digitalmente e transferido para 35mm. O impacto na telona do cinema é grande, e o filme nos transporta para São Bernardo do Campo no final dos anos 1970 e início dos 1980, particularmente para as históricas greves de 78, 79 e 1980. O cabeça do movimento sindical de São Bernardo na época respondia pelo nome de Luis Inácio da Silva, vulgo “Lula”.

Quem assistiu “Peões”, de Eduardo Coutinho, conhece uma das histórias associadas a este filme. Feito pelo Sindicato dos Metalúrgicos, em plena ditadura militar, o filme quase foi tomado pelos militares durante sua primeira exibição. O filme foi “contrabandeado” para fora do sindicato dentro da bolsa de uma faxineira, enquanto os militares procuravam por ele. Os anos se passaram e o negativo original se deteriorou e quase que o documentário se perde novamente. O trabalho de restauração, feito com dinheiro da Petrobrás, foi minucioso e teve de ser feito praticamente quadro a quadro da cópia original.

Não é um documentário isento. Produzido pelo Sindicato dos Metalúrgicos, em alguns momentos tem-se a sensação de se estar assistindo a um institucional O filme mostra depoimentos filmados no sindicato de seus vários diretores e do próprio Lula, explicando sua visão dos anos anteriores e das greves que comandou. O lado mais “cinema verdade” acontece quando a câmera sai às ruas e acompanha os manifestantes em assembléias gigantescas no ginásio de futebol de São Bernardo, em que mais de 100 mil trabalhadores se reuniam para decidir os rumos do movimento grevista, ou nos fundos da Igreja de São Bernardo, para onde a diretoria do sindicato se mudou quando a sede foi tomada pelo governo.

Na greve de 1979, vemos Lula comandando a multidão e citando uma trégua de 45 dias proposta pelos empresários, que é rejeitada. Lula é preso e retorna alguns dias depois para a assembléia sugerindo que o acordo seja feito. Durante estes 45 dias, o acordo dizia que as empresas não demitiriam nenhum funcionário, mas a Equipamentos Villares demite mais de 300 deles, o que causa uma pequena greve que dura apenas dois dias, sem resultados. Segundo um dos sindicalistas, foi “falta de politização” dos trabalhadores. A força de Lula em seus discursos e como condutor da massa de trabalhadores é de impressionar. Acabados os 45 dias, os trabalhadores voltam à Assembléia sedentos por greve, e são surpreendidos pela recomendação contrária de Lula. Por um momento imagina-se que a massa vai se rebelar, mas não demora muito e estão todos gritando o nome de Lula a todos pulmões e concordando com ele. Dois dias depois, o sindicato é reaberto.

O ponto chave, na verdade, é este. Até que ponto os movimentos grevistas tinham como fim os interesses mais imediatos dos trabalhadores, como o aumento de salários, ou, na verdade, almejavam aumentar a força do Sindicato dos Metalúrgicos? Um dos manifestantes, em dado momento, se vira diretamente para a câmera e diz que o movimento "não é político, é apenas reivindicatório". Mas o próprio Lula, no final do filme, diz que o maior resultado das greves foi a conscientização política dos trabalhadores. E que esta força política fez com que um novo rumo fosse dado ao movimento em direção da criação de um partido político: nascia o Partido dos Trabalhadores. Lula, em 1982, diz que o resultado disso só seria visto dentro de alguns anos. Vinte anos depois, ele assumiria a Presidência da República.

Cinematograficamente falando, o filme é muito bem feito, com destaque para a edição de Roberto Gervitz, que seria depois diretor de filmes como Feliz Ano Velho e Jogo Subterrâneo. Sua montagem mostra ações paralelas como um show no primeiro de maio para arrecadar dinheiro para o "fundo de greve", com imagens do jornal do sindicato sendo impresso. A trilha sonora contou com a colaboração de Chico Buarque, que canta a música tema. O relançamento de Linha de Montagem é uma viagem no tempo interessante, que pode ser complementada com o documentário "Peões", vinte anos depois, para checar os resultados.



sábado, 27 de setembro de 2008

Morre Paul Newman

O cinema perde um de seus grandes astros, o ator Paul Newman (1925-2008), que faleceu de câncer sexta-feira, 26 de setembro. Conhecido pelos seus olhos azuis, o ator começou seguindo a linha de atuação "metódica" desenvolvida pelo Actor´s Studio, famosa escola de interpretação de onde saíram Marlon Brando, James Dean, Al Pacino e dezenas de outros. Newman era do tipo clássico do herói americano, rebelde, sarcástico, solitário. Mas alguns de seus maiores sucessos vieram com os dois filmes que fez com o colega Robert Redford. Em 1969 fez o western "Butch Cassidy and the Sundance Kid", retratando de forma romanceada a vida de dois assaltantes de trem. Das cenas famosas há a luta resolvida rapidamente por Newman com outro membro da gangue, um salto de um precipício para um rio e o famoso final, quando a dupla é emboscada em uma cidade da Bolívia. Em 1973 se juntou novamente com Redford e o diretor George Roy Hill e fez "Golpe de Mestre" (The Sting), que levou o Oscar de Melhor Filme. É dos melhores filmes de gângster do cinema e Newman faz o líder de um grupo que pretende dar um golpe em um gângster rival (vivido por Robert Shaw). Em tom nostálgico, o filme tinha bela direção de arte, a música de piano de Scott Joplin e um final surpreendente. No ano seguinte se juntou a um grande elenco para fazer "Inferno na Torre" (Towering Inferno, 1974), um dos vários filmes de desastre que se fez nos anos 1970. O filme contava com nomes como Steve McQueen, Fred Astaire, William Holden, Faye Dunaway no grande elenco.

Newman foi indicado ao Oscar de Melhor Ator diversas vezes, mas só levou em 1986 com "A Cor do Dinheiro", de Martin Scorsese. Newman interpretava Eddie Felson, papel que já havia vivido antes, em 1961, no filme "Desafio à Corrupção". Em "A Cor do Dinheiro", Newman é um vendedor de bebidas de segunda classe que fica impressionado com um jovem jogador de sinuca vivido por Tom Cruise. Ele se oferece para empresariar o jovem e sai Estados Unidos afora com Cruise e sua bela namorada (Mary Elisabeth Mastrantonio). Paul Newman havia completado 60 anos e era considerado um ator em decadência quando o filme saiu. O Oscar colocou o ator de volta no mercado e ainda gerou grandes interpretações como em "A Roda da Fortuna" (The Hudsucker Proxy,1994, dos irmãos Coen), ou "Estrada para a Perdição" (Road to Perdition, 2002, Sam Mendes). Uma de suas melhores interpretações, em minha opinião, foi em "O Veredito" (The Veredict, 1982, de Sydney Lumet), em que interpreta um advogado decadente e alcoólatra que é contratado para defender uma paciente vítiva de erro médico. Com elenco formado por atores como o grande James Mason e Charlotte Rampling, Neswman está estraordinário e vale o filme.

Casado com a atriz Joanne Woodward por mais de 40 anos, Newman também se interessava por corridas de carro (teve uma equipe de fórmula Indy) e tinha importante trabalho filantrópico, com uma linha de alimentos com seu nome cuja venda era revertida totalmente à obras de caridade. Ator que conseguiu prevalecer por várias fases do cinema, que trabalhou com grandes diretores como Alfred Hitchcock, Sidney Lumet, Robert Altman e Martin Scorsese, além de inúmeros outros, Newman fará falta por sua brilhante interpretação e por seu trabalho humanitário. Descanse em paz.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Meu irmão é filho único

"Meu irmão é filho único" é passado sob as cores quentes da Itália dos anos 1960. Quente também era a política da época, e as pessoas que a praticavam. Em uma pequena cidade chamada "Latina", uma família tradicional se vê às voltas com as vontades políticas de seus filhos, principalmente Manrico Benassi (Riccardo Scamascio), o mais velho, e Accio Benassi (Elio Germano), o mais novo. Accio, no começo do filme, está em um seminário estudando para ser padre. Mas uma visita do irmão mais velho, que lhe deixa uma foto de uma bela atriz de cinema, faz com que o adolescente tenha uma "crise de fé" (na verdade, repetidas masturbações noturnas) que o fazem abandonar a vida religiosa. Em pouco tempo o jovem Accio está metido com um vendedor de rua, Mario (Luca Zingaretti), que começa a lhe ensinar os princípios básicos do fascismo. O jovem fica fascinado com a figura do "Ducce" e se torna um fascista com carteirinha e tudo, para desgosto da família. O irmão mais velho se torna operário e comunista, e tem várias brigas políticas com Accio. Para complicar a situação, aparece a bela Francesca (Diane Fleri), a namorada de Manrico, que também é comunista e tem discussões com Accio, mas há sempre "algo" no ar quando os dois estão juntos.

Com direção de Daniele Luchetti, o filme é sempre muito colorido, exagerado e italiano. As mudanças ideológicas pelas quais Accio passa representam o modo passional com que os italianos lidam com a política. Accio entra de cabeça nas atividades dos fascistas, que consistiam basicamente em atrapalhar os comunistas e prestar honras a Mussolini. Mas aos poucos as atividades do grupo vão se tornando cada vez mais sérias e perigosas e Accio começa a ter dúvidas sobre o grupo. Fica patente que ele está apaixonado pela namorada do irmão, Francesca, e as discussões políticas entre os dois, no fundo, escondem uma vontade grande de estarem juntos. Accio abandona o grupo dos fascistas apenas para começar um caso com a esposa de seu ex-companheiro, Mario.

Tudo parece leve e inconseqüente, mas com o tempo as coisas ficam mais complicadas principalmente para o irmão mais velhos de Accio, Manrico, que aparentemente está envolvido em atentados terroristas promovidos pelos comunistas. Quanto a Accio, há uma cena em que o próprio comenta que as revoluções de 1968 varreram o mundo todo, menos a pequena cidade de Latina, onde ele se encontrava. Não demora muito, porém, que os problemas do irmão cheguem até ele, que tem que decidir se vai se envolver ou não.

Um filme vibrante e divertido, com uma energia que, por vezes, lembra os bons tempos do velho cinema italiano.

domingo, 21 de setembro de 2008

Lemon Tree

"Lemon Tree" é um filme inteligente e sensível sobre intolerância e os absurdos que ocorrem na fronteira entre Israel e a Palestina. Salma Zidade (Hiam Abass) é uma viúva árabe que cuida de um pomar de limões desde que herdou as terras do pai. O limoeiro faz parte da família por gerações e apesar de sua produção não ser grande, ele tem um valor cultural e sentimental inestimável. O problema é que os fundos da propriedade dão para a fronteira com Israel, onde ninguém menos do que o Ministro da Defesa (Doron Tavory) se muda com a esposa, Mira Navon (Rona Lipaz-Michael). De uma hora para outra, a tranqüilidade do pomar e interrompida pela entrada constante de homens do exército israelense e do serviço secreto, que vêm o pomar como uma ameaça à segurança do Ministro. Guaritas são colocadas e uma grande cerca com arame farpado é colocada separando as duas propriedades. Mas o serviço secreto não acha isso suficiente, e ordena que Salma derrube todo o pomar e abandone as terras da família. Isso leva a uma disputa judicial entre o Estado de Israel e Salma, com a ajuda de um advogado chamado Ziad Daud (Ali Suliman). Este advogado tem uma particularidade interessante para nós brasileiros: por grande parte do filme ele veste um agasalho verde e amarelo, com um emblema escrito "Champion" sobre uma bandeira do Brasil.

Baseado em fatos reais (o roteirista/diretor israelense Eran Riklis estudou vários casos similares antes de se decidir por filmar este), o filme não tenta impor nenhuma opinião, apesar de sentirmos empatia maior pela personagem da viúva. O ministro da defesa israelense é mostrado como um homem egocêntrico e mulherengo, mas a personagem de sua esposa, Mira, é cheia de nuances e profundidade. Bonita e inteligente, ela recebe as notícias do processo movido por sua vizinha com naturalidade. "Eu faria o mesmo", diz ela a um marido contrafeito. A cerca erguida entre a casa moderna israelense e o rudimentar pomar palestino, no fundo, é uma metáfora para o grande muro que Israel está construindo entre os dois países, por "razões de segurança", segundo a política oficial. Em uma região tão masculina e machista, é interessante ver como os dois grandes papéis femininos do filme, a viúva palestina e a esposa devotada israelense, lidam com a situação. Em diversas ocasiões as duas podem se ver através da cerca, e a sensação que dá é que se as duas apenas se sentassem para conversar o problema estaria terminado em minutos. Mas a política reina na região, com sua burocracia e entraves.

A viúva Salma, aos poucos, vai ganhando força também como mulher. Apesar da foto do marido morto ainda estar na sala, Salma vai recobrando sua feminilidade principalmente em seus encontros com o advogado Ziad, que também é um solitário que tem uma filha que gerou em Moscou. A aproximação entre os dois é mais platônica do que física, mas é o suficiente para a sociedade machista palestina enviar alguém avisar Salma de que ela poderia estar manchando a honra do marido.

Lemon Tree venceu o prêmio do júri popular no último Festival de Berlim e é uma ótima mistura de política, comédia e drama.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Piaf, um hino ao amor

Apesar das inegáveis qualidades técnicas, este é do tipo de filme cujos méritos repousam quase que totalmente nos ombros da atriz principal. Marion Cotillard dá uma interpretação magistral como a mais famosa cantora francesa, Edith Piaf (1915-1963). Cotillard, merecidamente, ganhou o Oscar de Melhor Atriz no início do ano pelo feito. O filme "Piaf, Um Hino ao Amor" (La Môme, França, 2007) foi dirigido por Olivier Dahan e é tão errático quanto a vida da cantora retratada. Piaf era filha de uma cantora frustrada e de um contorcionista de circo. Quando o pai volta da guerra, em 1918, a esposa havia partido e deixado a pequena Edith com parentes. O pai a leva para a avó, que gerencia um bordel na Normandia, e volta para o circo.

A menina, de saúde frágil, se torna a "mascote" das prostitutas do local, especialmente de Titine (Emmanuelle Seigner, que estreou no cinema com Harrison Ford em "Busca Frenética", em 1988), que a trata como filha. Uma infecção na vista deixa a menina cega, mas uma peregrinação para rezar a Santa Tereza a cura "milagrosamente". O retorno do pai lança Edith novamente em uma vida nômade, se apresentando com ele pelas ruas de Paris, onde seu talento para o canto é descoberto. O dono de um cabaré, Louis Lepplé (Gerard Depardieu, sempre ótimo), vê Edith cantando, aos 20 anos de idade, e a lança na carreira artística, adotando o nome de "La Môme Piaf" (O pequeno pardal). O filme não é muito diferente da biografia cinematográfica tradicional: a vida de Piaf é retratada como uma série de grandes sucessos entrecortados por tragédias pessoais. O roteiro é um pouco caótico, cortando aparentemente a esmo entre diversas fases da vida da cantora, o que torna o entendimento da sua cronologia um pouco difícil. Há uma sucessão de datas e lugares aparecendo na tela, de Paris à Normandia e à Nova York, com Edith Piaf sendo retratada desde criança até sua morte prematura, aos 48 anos de idade (apesar de, visualmente, ela parecer ser muito mais velha). Senti falta de um aprofundamento maior em alguns pontos da vida dela. A II Guerra Mundial (1939-1945), por exemplo, não é sequer citada no filme, o que é muito estranho, pois ocorreu justamente quando a carreira de Piaf estava no auge. E o filme não foca o processo criativo da cantora, como a composição das canções que a tornaram um ícone da música francesa. Piaf é vista como uma garota de rua talentosa que conseguiu chegar ao sucesso através de sua voz.

Problemas de roteiro à parte, tecnicamente o filme é muito bem produzido. Há um plano-seqüência excepcional em que a câmera, sem cortes, acompanha Piaf andando por um grande apartamento de Nova York, enquanto imagina estar tendo uma conversa com seu amado, o boxeador Marcel Cerdan (Jean-Pierre Martins). Quando o empresário e amigos lhe comunicam uma tragédia, Cotillard passa da alegria para a descrença e chega ao desespero, tudo em frente à câmera que, continuamente, vai registrando todas estas emoções. O plano termina em uma cena em que Piaf passa magicamente do quarto para um teatro lotado, em que termina uma canção dramática. Esta seqüência, e a maravilhosa interpretação de Marion Cotillard, já valem o filme. O espectador pode ficar um pouco confuso com relação à vida da cantora, mas leva de presente suas canções. Visto no espaço CPFL Cultura, em Campinas, em projeção em 35mm. Disponível em DVD.


segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Richard Wright (1943-2008)


Peço licença para abrir um parêntese musical e falar sobre a morte deste grande músico, Richard Wright, fundador e tecladista do Pink Floyd. Nascido em Londres em 25 de julho de 1943, Richard Wright, junto com Roger Waters (baixo), Nick Mason (bateria) e Syd Barrett (vocal e guitarra, substituído depois por David Gilmour), fundou o grupo Pink Floyd nos anos 1960, em plena psicodelia londrina. Wright não era nenhum virtuoso no teclado como Rick Wakeman (do Yes) ou Keith Emmerson (do Emmerson, Lake & Palmer), mas seus teclados foram fundamentais na criação de um tipo de som que, para fugir do rótulo genérico "progressivo", foi chamado de "floydiano". Este som consistia em longas escalas e improvisações de Wright que serviam de base para o resto da banda decolar. Seu teclado celestial foi fundamental em músicas como "A Saucerful of Secrets" (1968) ou "Careful with that Axe, Eugene" (1969). "Echoes", do disco "Meddle" (1971), é freqüentemente considerada pelos fãs a melhor música do quarteto Waters/Gilmour/Wright/Mason, e começa com uma simples nota do piano de Wright. Quase vinte e três minutos depois (nos tempos em que o lado do vinil forçava a música a acabar) era com os teclados de Wright que "Echoes" terminava. Para se ter uma idéia visual e sonora de como isso funcionava, recomendo o DVD "Pink Floyd Live at Pompeii", do diretor Adrian Maben, que documentou a banda tocando "ao vivo" para uma platéia de fantasmas na cidade destruída de Pompéia.



Em 1973, o Pink Floyd lançou sua obra prima, o disco "Dark Side of the Moon", um dos três discos mais vendidos na história. Muito se fala das letras (fantásticas) de Roger Waters, mas a presença de Wright, principalmente em conjunto vocal e musical com David Gilmour, é fundamental para o sucesso do disco, particularmente em "Time". Duas composições suas, "The Great Gig in the Sky" (com os vocais instrumentais de Clare Torry) e "Us and Them", fazem parte da alma do álbum. No disco seguinte, "Wish you were here" (1975), seus teclados são novamente fundamentais para a longa "Shine on you crazy diamond", homenagem a Syd Barrett.

Em 1979, após o disco "Animals" (de 1977, última vez que os quatro membros clássicos do grupo gravaram um disco juntos), vem o projeto pessoal de Roger Waters, "The Wall", sobre a separação que ele sentia entre a banda e a platéia. As gravações, por causa do perfeccionismo de Waters, foram difíceis para Wright, que não passava por um bom período e não concordava com a visão de Waters sobre a banda. Isso levou ao seu afastamento do Pink Floyd, embora ele tenha participado da turnê do "The Wall" como músico convidado.

Nos anos 1980, Waters deixou a banda e David Gilmour resolveu retomar os rumos musicais do grupo, chamando Wright de volta. Segue-se o disco "A Momentary Lapse of Reason" (1987) em que, a bem da verdade, Wright teve pouca participação nas gravações. Mas ele estava de volta ao grupo como tecladista na turnê que se seguiu ("The Delicate Sound of Thunder"), e sua presença foi fundamental para o som do grupo. O mesmo se deu no álbum seguinte (o último de estúdio do Pink Floyd), "The Division Bell" (1994), seguida da turnê "PULSE". Richard Wright lançou dois discos solo, o simpático "Wet Dream" (1978) e o pesado e conceitual "Broken China" (1996), que trata da depressão da sua esposa. Deste último destaco a faixa "Breakthrough", que conta com vocais de Sinead O´Connor.

Dos anos 1990 para cá, sua ligação com David Gilmour se estreitou cada vez mais. Os dois compuseram juntos a maioria das faixas do álbum "The Division Bell" e, já neste século, Wright foi colaborador freqüente nos projetos de Gilmour, como no disco solo "On an Island" (2006). Wright saiu em turnê com Gilmour e, segundo este diz em seu site, Wright sempre se surpreendia com a reação calorosa dos fãs. Os dois podem ser vistos juntos nos DVDs "David Gilmour in Concert" (2002) e "Remember that Night" (2007).

O site oficial do Pink Floyd publicou uma nota simples dizendo que a família de Wright lamenta informar que ele faleceu após uma “breve luta contra o câncer”. David Gilmour, em seu site oficial, diz que Wright era insubstituível, que o amava e vai sentir muito sua falta. Assim como, certamente, todos os fãs do Pink Floyd e de Richard Wright.


domingo, 14 de setembro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira

Chega às telas o novo filme de Fernando Meirelles (Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel), "Ensaio sobre a Cegueira" (Blindness, 2008), co-produção do Brasil, Canadá e Japão, baseado no livro de José Saramago. O filme foi exibido na abertura do último Festival de Cannes e teve recepção morna. Fernando Meirelles, em entrevista no Roda Viva (TV Cultura) semana passada, declarou que havia tentado comprar os direitos para o livro há muitos anos, mas Saramago se recusava a vender. Após o sucesso internacional, Meirelles recebeu o roteiro do filme escrito pelo canadense Don McKellar e decidiu realizá-lo.

Não li o livro de José Saramago, de modo que não posso julgar se o resultado é fiel ou não. Só sei que, como filme, ele tem problemas. A história básica é interessante: em uma cidade qualquer do mundo, pessoas começam a sofrer de uma estranha "cegueira branca", que é contagiosa e inexplicável. Os infectados são levados à uma espécie de "campo de prisioneiros" onde são trancafiados. Julianne Moore interpreta uma mulher que, apesar do marido ter sido infectado, ela não perde a visão. Mesmo assim, ela prefere acompanhar o marido para o "hospital" e é encarcerada junto. Praticamente todo o filme se passa dentro desta espécie de sanatório/prisão, em que os cegos são deixados em número cada vez maior, vigiados por soldados armados. O mundo em que se passa a história é ficcional. A cidade não é identificada (embora seja claramente São Paulo, em diversas cenas) e, curiosamente, os personagens não têm nome. Imagino que, no livro, isso não cause problemas, por ser uma alegoria de Saramago. Mas no cinema não funciona muito bem. Esta falta de identidade acaba provocando algo fatal para um filme: a falta de identificação do espectador. Meirelles, que é mestre em manter o ritmo de seus filmes sempre em alta, tropeça com um roteiro que, de repente, empaca e não sai do lugar.

O filme foi modificado várias vezes após sessões teste e mesmo após a exibição em Cannes, onde não foi bem recebido. O famoso editor e teórico de cinema Walter Murch, em seu livro "Num piscar de olhos", diz que se deve ter cuidado com os resultados de exibições teste. Ele diz que é como os sintomas de uma dor no cotovelo, por exemplo. Não adianta tratar o cotovelo, talvez a dor seja apenas um sintoma de um problema em outro lugar. Meirelles citou, em várias entrevistas, ter atenuado ou cortado as cenas de um estupro que acontece no hospital, mas creio que o problema não seja este. Não adianta modificar a cena do estupro, o problema é criar um ambiente para que esta cena faça algum sentido. Gabriel Garcia Bernal aparece no filme como um homem que tem uma arma e se intitula o "Rei da ala 3". Ele declara que todos têm que começar a pagar pela comida e, na falta de dinheiro, as mulheres devem pagar com seus corpos. Não faz muito sentido. De onde veio a arma? Como é que a "Ala 3" tem controle sobre a comida? Ela é entregue primeiro ali? Nada no roteiro indica isso. E há Julianne Moore, como a única pessoa que pode enxergar do lugar, e é construída pelo roteiro como uma mulher forte e decidida desde o início do filme. Por que ela se submeteria aos caprichos do personagem de Bernal? Mesmo assim, o filme a mostra guiando um grupo de mulheres que, como animais para o sacrifício, vão vender seus corpos em troca de comida. Por que? A tão falada cena de "estupro" se torna gratuita não só pela violência, mas por não fazer sentido. O filme tenta passar mensagens como a baixeza humana e a falta de solidariedade com o próximo, mas tudo soa artificial demais.

Há alguma melhora quando, de repente, os guardas desaparecem e Moore, seguida por Mark Ruffalo, Alice Braga e Danny Glover saem pelas ruas de São Paulo (que não é São Paulo, mas a cidade fictícia, com placas em inglês) em busca de comida. Cinematograficamente falando, há mais oportunidades para o filme acontecer. Mas, mesmo assim, fica a sensação de que um ótimo filme está para acontecer logo ali na esquina, mas Meirelles não vai até lá. Há uma cena passada em uma igreja, em que Julianne Moore entra e vê que todas as imagens estão vendadas, como se também estivessem cegas. Interessante, certo? Na cena seguinte, a "mágica" é quebrada por um diálogo desnecessário que tenta explicar quem teria colocado as vendas. O que importa?
Talvez seja culpa do roteiro, talvez seja culpa da falta de identidade e do elenco internacional ou talvez seja um problema de tradução ruim das páginas do livro para o cinema. O fato é que, infelizmente, "Ensaio sobre a Cegueira" decepciona.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Perfume - A história de um assassino

A CPFL, em Campinas, exibe toda quarta-feira, às 19 horas, um filme em 35mm, gratuitamente. A programação é muito boa, e pode ser conferida aqui. Nesta quarta-feira pude conferir o ótimo "Perfume - A História de um Assassino". O filme foi baseado em um livro de Patrick Süskind e dirigido pelo alemão Tom Tykwer. Ele foi o diretor responsável por "Corra, Lola, Corra", de 1998, com seu visual contemporâneo e edição de videoclip. Nada poderia ser mais distante do que o estilo de "Perfume", passado na França do século 18. É lá que nasceu Jean-Baptiste Grenouille, um órfão que veio ao mundo em pleno mercado de Paris. Segundo o narrador (John Hurt), um dos lugares com pior cheiro na cidade. Curioso que o sentido do olfato seja um dos poucos que ainda não puderam ser incorporados ao cinema, de modo que o diretor teve que se valer de outros sentidos para tentar passar os cheiros, que são tão importantes neste filme.

Tykwer mostra uma Paris que realmente parece mal cheirosa, suja, com suas ruas enlameadas, o chão do mercado coberto por restos de peixe, vermes, verduras, excremento. É neste ambiente que o recém-nascido Jean-Baptiste é abandonado pela mãe logo depois do parto. Ele é encontrado e levado a um orfanato, onde logo se vê que ele não é uma criança normal. A edição do filme mostra em planos rápidos as coisas que o bebê consegue cheirar com seu senso de olfato fora do comum. Além das imagens e da ótima reconstituição de época, a música também é usada para conseguir transmitir o cheiro das coisas. Há uma ótima seqüência quando vemos a primeira vez que Jean-Baptiste, já crescido (interpretado por Ben Whishaw), vai parar nas ruas de Paris. É lá que ele descobre o cheiro mais maravilhoso que já sentiu, o do corpo de uma vendedora de frutas, que ele passa a seguir. Mesmo adulto, ele ainda é como uma criança crescida e curiosa, e a garota acaba se tornando, acidentalmente, sua primeira vítima. Mas aparentemente ele nem se dá conta do que aconteceu. A única coisa que importa para ele é cheirar todo o corpo da moça, da cabeça aos pés. É então que descobre seu propósito na vida: ele quer descobrir como preservar o cheiro das coisas.

"Perfume" é daquele tipo de filme fascinante que, mesmo a contragosto, nos faz torcer pelo assassino. Jean-Baptiste é uma espécie de artista, misto de gênio e de psicopata, cuja vida complicada não lhe deu as condições mínimas de saber se comportar como um ser humano decente. Sua figura maltrapilha andando por entre as ruas de Paris me fez lembrar de Mowgli, o menino-lobo, ou mesmo de Tarzan, o homem-macaco. Ele sem dúvida é um assassino, e cada vez mais calculista com o decorrer do filme, mas parece agir mais por instinto do que por maldade. Dustin Hoffman (cuja persona atrapalha um pouco a aceitação dele como um perfumista italiano) passa a Jean-Baptiste seus conhecimentos em troca das fórmulas para novos perfumes, que lhe rendem uma fortuna. É também de Hoffman que Jean-Baptiste aprende que um bom perfume é feito com 12 essências (mais uma 13ª, que pode ser apenas lendária), que formam seus "acordes". Jean-Baptiste parte para a cidade de Grasse onde aprende a técnica da "eflorescência", que consistiria em retirar lentamente o perfume de uma flor enquanto ela está morrendo. Não demora muito, Jean-Baptiste está usando desses conhecimentos para tentar retirar a "essência" do próprio ser humano (ou, no caso, mulheres jovens e bonitas), que ele começa a matar para suas experiências.

Pena que, mais para o final, o filme tome ares cada vez mais fantásticos, fugindo completamente do plausível, culminando com um final, em aberto, que me pareceu simbólico. Mesmo assim, ele não deixa de ser sempre fascinante. O bom elenco ainda conta com Alan Rickman como o pai de uma das garotas que atraem a atenção de Jean-Baptiste. Disponível em DVD.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Fernando Meirelles na Cultura

Acabei de assistir à entrevista de Fernando Meirelles no Roda Viva, da TV Cultura (tinha filmes para ver mas resolvi seguir a entrevista depois de ler um comentário no blog do Luis Carlos Merten). Meirelles é um cineasta nato. Quando o programa terminou, por exemplo, e cortaram para a famosa câmera do Roda Viva, que fica girando, lá no alto, Meirelles começou a girar na cadeira para acompanhar o movimento, criando um efeito interessante na tela. Oficialmente ele estava no programa para falar sobre (e promover) seu mais novo filme, "Ensaio sobre a Cegueira", que estréia dia 12 de setembro agora, mas ele falou sobre vários assuntos. O mais recorrente, claro, foi sobre sua obra prima "Cidade de Deus". Meirelles disse houve uma época em que ele ficava ressentido de ter que falar sobre este filme o tempo todo, mas que agora ele já se acostumou. Pudera, "Cidade de Deus" foi um marco do chamado cinema da "retomada", conseguindo o feito raro de ser sucesso tanto de crítica quanto de público e gerando uma série de TV (Cidade dos Homens, que também virou filme de longa metragem) e vários filmes semelhantes (como "Tropa de Elite", por exemplo).


Meirelles é formado em arquitetura, mas a imagem sempre fez parte de sua vida. Nos anos 80, se juntou a Marcelo Tas (que hoje apresenta o programa CQC, na Bandeirantes) e juntos criaram o repórter Ernesto Varella, que é o precursor do estilo de entrevistas bem humoradas (mas com muito menos conteúdo) de programas como o "Pânico", por exemplo, ou o próprio CQC. Tas e Meirelles fundaram a produtora "Olhar Eletrônico", que revolucionou a linguagem do vídeo e produziu muita coisa experimental nos anos 80. Hoje Fernando Meirelles é sócio da mega produtora de publicidade e cinema O2, em São Paulo, e é o cineasta brasileiro mais bem sucedido do mundo (seguido por Walter Salles). "Cidade de Deus" foi indicado a quatro Oscar, inclusive o de Melhor Diretor, e Meirelles recebeu convites de trabalho do mundo todo, e de todo tipo (como dirigir um filme de James Bond, por exemplo). Preferiu seguir um caminho mais pessoal e dirigiu "O Jardineiro Fiel", que deu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante para Rachel Weiss, e agora trabalhou com Julianne Moore e grande elenco internacional em "Ensaio sobre a Cegueira".


Na entrevista, Meirelles falou sobre o cinema atual e sobre o futuro da arte. Ele disse que o mercado de cinema está diminuindo não só no Brasil, mas em todo mundo, por causa das novas mídias. Ao mesmo tempo, ele acha que o cinema não vai terminar, porque só o cinema dá o prazer do que ele chamou de "sonho coletivo", da experiência compartilhada de se ver um filme junto na sala de cinema. Ele disse que acha ótimo que as novas tecnologias estejam permitindo que cada vez mais gente tenha acesso à produção audio-visual, mas que o problema está na ponta da distribuição. Ele acredita que já que parte da produção de filmes no Brasil recebe verba do Governo, ele crê que as leis de incentivo também deveriam patrocinar o consumo de filmes brasileiros (na compra de ingressos, por exemplo). Ele acredita também que um caminho que já acontece e que vai ser cada vez mais comum é o das produções independentes feitas diretamente para a televisão, seja aberta ou fechada. Perguntado sobre o colega e diretor Walter Salles (que recentemente lançou o filme Linha de Passe), Meirelles não poupou elogios e disse que o conhecimento cinematográfico de Salles é muito superior ao dele.


O crítico Luis Carlos Merten pediu para Meirelles comentar um encontro que ele teve com Steven Spielberg, que lhe perguntou como ele conseguiu filmar a famosa cena da perseguição à galinha, no início de "Cidade de Deus". Spielberg queria saber que equipamento foi usado, e Meirelles explicou que César Charlone (diretor de fotografia) simplesmente amarrou com fita crepe uma câmera 16mm ao cabo de uma vassoura e correu atrás do bicho. Sobre "Ensaio", Meirelles comentou que fez algumas mudanças no filme após algumas exibições teste, como cortar ou amenizar algumas cenas de estupro e violência. E que também retirou quase toda a narração em off que Danny Glover fazia.


"Ensaio sobre a Cegueira" estréia nesta sexta-feira, 12 de setembro.

Patrulha da Montanha

Boa opção para se checar em DVD é "Patrulha da Montanha", filme chinês escrito e dirigido por Lu Chuan. Ele trata de um grupo de voluntários que vive em uma região da China chamada de Kekexili, onde caçadores ilegais estão dizimando a população de antílopes, por causa de sua pele. Um homem chamado Ri Tai (Duo Bujie) formou esta patrulha para combater os caçadores e preservar os antílopes a todo custo, mas a luta já custou a vida de um de seus homens. A imprensa de Pequim envia o repórter Ga Yu (Zhang Lei) para cobrir a história. Ele é recebido pelo grupo de Ri Tai e já na manhã seguinte eles partem para mais uma patrulha em busca dos caçadores ilegais. Ga Yu fica fascinado com o grupo e seu senso de camaradagem, e com a determinação de Ri Tai em achar os caçadores. Tal determinação vai levá-los a uma jornada árdua e perigosa pelas paisagens da região de Kekexili, no platô tibetano.

Passado na década de 1990, o filme é baseado em uma patrulha real que existiu entre os anos de 1993 e 1996. O combate contra os caçadores ilegais e a reportagem de Ga Yu acabou por forçar o governo chinês a transformar a área em parque nacional. O filme tem por vezes um tom documental, mas é também extremamente cinematográfico. Ri Tai e seus homens encontram um grupo que trabalhava para os caçadores, tirando as peles dos antílopes abatidos. Um senhor do grupo explica ao repórter que ele era um pastor, mas que a desertificação da região matou o pasto e o gado, forçando-o a colaborar com os caçadores. Há algo de mambembe no modo como a patrulha é filmada prendendo estes homens, tendo que tirar as calças para atravessar um rio gelado antes de chegar a eles, por exemplo.

A dedicação de Ri Tai se transforma aos poucos em obsessão em achar os caçadores. Seu equipamento e seus homens, aos poucos, começam a quebrar e a fraquejar e vão ficando pelo caminho, mas ele persiste. Lembrei-me do clássico "Rastros de Ódio", de John Ford. O repórter se torna, na prática, membro da patrulha e acompanha Ri Tai até o final.
Com enxutos 88 minutos, o filme soa honesto o tempo todo, e é implacável nos momentos de violência, seja contra animais ou homens. O deserto é como um outro personagem, belo e fascinante, mas também implacável com quem se descuida.

domingo, 7 de setembro de 2008

Don LaFontaine

Morreu dia primeiro de setembro último o homem conhecido como "a voz de Hollywood", o locutor Don LaFontaine. Ele foi o locutor de mais de 5 mil trailers, além de centenas de comerciais. Sua voz grave se tornou o modelo a ser imitado pela maioria dos locutores de trailers americanos, além de criar um estilo de trailer que era basicamente igual: frases curtas entrecortadas por imagens do filme e algum diálogo (ou explosões). Ele teria sido o criador da frase "In a world..." ("Em um mundo..."), presente em sem número de trailers nos últimos anos. Como locutor, seu rosto era desconhecido do grande público, até que ele começou a aparecer em comerciais que parodiavam ele mesmo, como o da Geiko, abaixo, em que ele transforma a história contada pela mulher em uma locução de trailer de filme:



Ele tinha 68 anos e deixou milhares de trailers, como o de Terminator 2.

sábado, 6 de setembro de 2008

Linha de Passe

“Linha de Passe" vem dez anos depois do sucesso internacional de "Central do Brasil", filme que catapultou o diretor Walter Salles ao mercado internacional. Em uma década, Salles fez os filmes "O Primeiro Dia", "Abril Despedaçado", "Diários de Motocicleta" e o "americano" "Dark Water", com Jennifer Connelly. Todos contando com algum financiamento do exterior para serem produzidos. Salles retoma a parceria com Daniela Thomas (com quem fez "Terra Estrangeira" e "O Primeiro Dia") e com Vinícius de Oliveira, o garoto de "Central do Brasil", para pintar um quadro sobre a periferia paulista, na visão de uma mãe solteira e seus quatro filhos. A mãe é Cleuza (Sandra Corveloni, que ganhou o prêmio de Melhor Atriz em Cannes pelo trabalho), uma empregada doméstica que faz o que pode para manter os quatro filhos na linha. Grávida de um quinto filho, toda manhã ela pega um ônibus lotado para ir limpar o apartamento de uma médica de classe média alta no centro de São Paulo. Seus filhos são Dario (Vinícius de Oliveira), um aspirante a jogador profissional de futebol; Denis (João Baldasserini), um motoboy que tem um filho pequeno e uma namorada que ele tenta sustentar com o serviço perigoso que é pilotar uma moto pelo trânsito da capital; Dinho (José Geraldo Rodrigues) é um frentista que virou "crente" e entregou a vida a Jesus, mas está em dúvidas com relação a sua fé. E há o caçula, Reginaldo (Kaique Jesus Santos, roubando a cena), que é negro e passa o dia andando de ônibus pela cidade, à procura do pai.

O tema da procura pela figura paterna também estava presente em "Central do Brasil", e aqui é bastante forte. Não sabemos quem são os pais dos filhos de Cleuza, nem do que está para nascer. O mais novo é quem está mais determinado a descobrir suas origens, e há ecos do seu personagem com o de Josué de "Central do Brasil", como a vontade de aprender a dirigir. A trama é linear e acompanha a trajetória destes cinco personagens, mãe e filhos, na luta para sobreviver e tentar melhorar de vida. Não é um tema fácil, mas achei que Salles e Thomas carregaram um pouco na mão. O início é muito bom. Uma montagem paralela estabelece a relação entre os personagens e as paixões típicas do brasileiro: futebol e fé. Dario é visto disputando uma seletiva para tentar ser escolhido para um time de futebol. Enquanto isso vemos sua mãe Cleuza em meio à gigantesca torcida corinthiana, no Morumbi, em um clássico contra o São Paulo. A montagem intercala planos dos jogadores profissionais com os de Dario jogando na várzea, com grande efeito. Também é interessante a ligação entre a fé dos torcedores misturada com cenas da fé de Dinho em um culto evangélico.

A direção de fotografia, de Mauro Pinheiro Jr, dá ao filme um tom semidocumental, com muita câmera na mão e iluminação natural. São Paulo é vista sempre com um visual "sujo" e sob chuva. A trilha "new age" é do oscarizado Gustavo Santaolalla. O roteiro (de Daniela Thomas e George Moura), nem sempre dá conta de acompanhar os personagens como deveria. O destino do motoboy, por exemplo, e sua transição para o crime, me pareceu um tanto simplista. O melhor desenvolvido é Dario, que representa o brasileiro comum, com muito talento, mas com falta de oportunidades para se desenvolver. Todos sabem que ele é um bom jogador de futebol, mas ele tem contra a idade (que já passou do ponto de corte dos clubes) e a falta de dinheiro para "molhar a mão" dos olheiros. Por um momento achei que o tom pesado do filme seria levado às últimas conseqüências, mas o final, em aberto, deixa lugar para alguma esperança. Mas sem dúvida não é o mesmo tipo de esperança do final de "Central". Uma década depois, o olhar de Walter Salles me pareceu mais pessimista e desesperançoso com relação ao Brasil e seus habitantes.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Comunidade do orkut


Olá, pessoal. Para expandir o leque de divulgação e participação dos leitores, estamos abrindo uma comunidade no orkut chamada Câmera Escura. Participe, envie tópicos no fórum, discuta os filmes comentados por aqui.
Espero por vocês lá. Abraço.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O Nevoeiro

O roteirista e diretor Frank Darabont é um caso de grande profissional com carreira irregular. Ele tem como espécie de marca particular um tipo de filme que, geralmente, prima pela classe, pelo ritmo lento e pelos bons atores. Darabont também se especializou em adaptar as obras de Stephen King que fogem dos filmes de terror mais rasos para obras em que o suspense é mais importante. "Um Sonho de Liberdade", de 1994, é um grande filme com Tim Robbins e Morgan Freeman que conta, de forma comovente, o dia a dia de um grupo de presos, um deles inocente, que planeja uma espetacular fuga. Já "À Espera de um Milagre", de 1999, não achei assim tão bom, nem tão sutil, mas ainda era um filme interessante. "Cine Majestic", de 2001, foi uma nostálgica homenagem ao cinema e aos filmes de Frank Capra e John Ford, com um roteiro que misturava a magia de Cinema Paradiso com os filmes sobre o período do Macartismo.

Agora ele retorna a Stephen King com a adaptação de "O Nevoeiro" (The Mist, 2007), filme que chega só agora às telas brasileiras. Infelizmente, é uma grande decepção. Em uma pequena cidade dos Estados Unidos, uma estranha névoa surge das montanhas após uma violenta tempestade. David Drayton (Thomas Jane), um desenhista de pôsteres de cinema, vai à cidade com seu filho comprar mantimentos quando a tal névoa chega e cobre tudo, trazendo junto uma ameaça desconhecida: um homem, desesperado e com sangue no rosto, diz que há "algo" dentro do nevoeiro, e que ninguém deve sair do supermercado. O cenário e a situação são típicos dos filmes "B" de ficção científica dos anos 1950, com seus personagens unidimensionais e seus monstros de borracha. Mas Darabont leva seu filme à sério, com um estilo que lembra os filmes de M. Night Shyamalan, que já fez filmes bons como "Sinais" (2002) ou equívocos como "Fim dos Tempos" (2008). O supermercado se torna uma espécie de radiografia dos Estados Unidos, com personagens que representam os diversos pontos de vista encontrados no país. Acuados, lá estão o advogado racionalista, Norton (Andre Braugher) que não acredita que haja monstros lá fora, o caipira ignorante (William Sadler), a loira de classe média (Laurie Holden), e assim por diante. O fanatismo religioso é representado pela Sra Carmody (Marcia Gay Harden, fazendo o que pode), que acredita que o fim do mundo chegou e que ela é a mensageira de Deus para salvar as almas da perdição.

Darabont põe tudo a perder na cena em que mostra as criaturas. Em um filme como este teria sido muito melhor deixar a imaginação do espectador funcionar e, junto com os personagens do filme, imaginar as ameaças que existem lá fora. Mas não. Darabont, na primeira oportunidade, mostra tentáculos gigantes (claramente feitos em computação gráfica) invadirem o estoque do supermercado e, em uma cena com muito sangue, fazer sua primeira vítima. Por que mostrar tanto, tão cedo no filme? E, para piorar, os tais tentáculos não têm relação com nada do que se vê depois. Há uma cena um pouco mais eficiente quando, ao cair da noite, insetos enormes começam a pousar no vidro do supermercado. Apesar de visualmente artificiais, os insetos ainda conseguem causar um temor natural que as pessoas têm de criaturas que elas podem reconhecer. Mesmo assim, logo a mão pesada dos efeitos especiais ataca novamente e criaturas inverossímeis começam a fazer vítimas. O estranho é que as ameaças, como em um videogame, chegam em fases. O desenhista David Drayton se torna uma espécie de líder da parte mais racional do grupo, enquanto os outros se juntam ao fanatismo da Sra Carmody. Mas o roteiro nem mesmo se decide com relação às ameaças lá fora. Em um momento sair do supermercado significa morte certa. Em outro, nada acontece. Tudo isso em longos 126 minutos, que terminam de forma artificial e afetada. Se for para ver um filme de monstros menos auto-importante e muito mais eficiente, veja "Cloverfield".