quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A Vida dos Outros

Gerd Wiesler (Ülrich Muhe) é um funcionário exemplar da Stasi, a polícia secreta alemã, e membro devotado do Partido Comunista. Ele está ensinando adolescentes, em uma universidade, a escutar o depoimento de um suspeito e notar se ele está dizendo a verdade ou a mentira. Um aluno, sensibilizado com o sofrimento do suspeito após horas de interrogatório, diz que aquilo é desumano. Wiesler anota o nome do aluno e explica que um inocente ficaria cada vez mais revoltado, enquanto que um culpado ficaria cada vez mais quieto, ou começaria a chorar. Na fita, escutamos os soluços do suspeito.

"A Vida dos Outros" é um ótimo filme passado durante os últimos anos da Guerra Fria, na antiga Berlim Oriental. A Stasi tem agentes infiltrados em todos os setores da sociedade e praticamente todos os cidadãos são vigiados. A arte é apenas tolerada e Georg Dreyman (Sebastian Koch de "A Espiã") é um dramaturgo bem visto pelo Partido e livre de suspeitas. Até o dia em que um funcionário da Stasi leva Wiesler para assistir a uma peça dele. Wiesler bate os olhos em Dreyman e diz: "Eu o poria sob vigilância. Ele é arrogante". Inicia-se assim uma operação secreta batizada de "Operação Lazlo", que forra o apartamento de Dreyman de microfones. Wiesler se instala no sótão do prédio e passa a escutar a vida de Dreyman e sua namorada, a bela atriz Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck). É então que algo extraordinário acontece: com o passar dos dias e a constante vigília sobre Dreyman, o frio e burocrático Wiesler começa a ficar sensibilizado pelo drama humano que escuta, e uma gradual mudança se inicia. Dreyman leva uma vida de artista, com vários colegas ativistas, cheios de idéias perigosas e revolucionárias, entre eles um diretor de teatro, Albert Jerska (Volkmer Kleinert) que foi colocado na "lista negra" pelo Partido. A princípio Wiesler apenas escuta a tudo e não se envolve, mas aos poucos sua passividade é colocada de lado. Christa-Maria, a atriz, é assediada sexualmente por um alto ministro alemão, e Wiesler, em uma manobra inteligente, arruma um meio de fazer com que Dreyman fique sabendo do caso. Espera-se uma briga dramática entre os amantes, mas não é o que ocorre. Depois de ser atacada pelo ministro, a moça simplesmente volta para casa, toma um banho e se deita na cama. Dreyman a abraça e, lá no sótão, vemos que Wiesler está tocado pelo fato.

A vida de Dreyman e Christa-Maria se torna uma espécie de "novela" para Wiesler, que passa a se interessar pela história deles e, quando pode, a se envolver. Ele percebe que o objetivo de seus superiores do Partido não são necessariamente nobres e que eles estão querendo destruir Dreyman apenas como uma forma de ascenção social. Quando Dreyman resolve escrever um artigo perigoso sobre os suicídios ocorridos na Alemanha Oriental, o que certamente seria considerado um ato de traição, Wiesler passa a mentir em seus relatórios, inventando que Dreyman está escrevendo uma peça em homenagem aos 40 anos da Alemanha Oriental. Assim, o burocrata passa, a seu modo, a se tornar um artista, pois tem que criar uma peça de ficção para encobrir a dura realidade do dramaturgo.

O roteiro é extraordinário e a direção de Henckel sóbria e equilibrada. O filme tem um formato clássico e elegante, sem pressa em contar sua história. Sebastian Koch, como o dramaturgo Dreyman, tem um estilo que me lembrou os antigos astros de Hollywood, centrado, decidido. Martina Gedeck compõe uma mulher apaixonada, mas humana, dividida entre sua arte e sua vida amorosa. Mas é Ülrich Muhe quem faz do espião Wiesler uma obra prima de interpretação. O que começa como um personagem frio e detestável se transforma aos poucos em um herói inesperado, que descobre na vida dos outros forças para despertar sua própria humanidade e fazer algo a respeito.


Filmão. Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2007. Disponível em DVD.


Visto no Espaço Cultural CPFL (agradecimentos pela dica da leitora Grazielle Fraga), em Campinas, em cópia 35mm. Soube que há planos para uma refilmagem americana que seria dirigida por Sydney Pollack. Como Pollack faleceu recentemente, esperemos que a idéia da refilmagem tenha morrido com ele.

Trailer:



2 comentários:

Anônimo disse...

Pela sua recomendaçao vi o filme e gostei MUITO! Me lembrou bastante o filme do Verhoeven, A Espiã, fica aí a dica sobre nazismo!

João Solimeo disse...

Pois é, Jaime, o ator é o mesmo nos dois filmes. Mas gostei mais deste do que de "A Espiã" (que também tem crítica aqui no blog). Valeu pela volta do Verhoeven.