É uma e vinte da manhã e acabei de chegar da exibição de "Os Desafinados" no I Festival de Cinema de Paulínia. O filme foi mostrado no novíssimo teatro da cidade que, assim como todo o projeto cinematográfico de Paulínia, tem proporções faraônicas. O auditório tem capacidade para mil e trezentas pessoas, e a entrada estava decorada estilo "Hollywood", com direito a luzes cortando o céu e um longo tapete vermelho (simulando o Oscar) até a entrada do teatro. O filme estava marcado para começar às 20h, mas houve um atraso considerável até a entrada ser liberada para o público que esperava na fila no saguão do teatro.
O apresentador Serginho Groisman deu as boas vindas ao público e, antes da exibição do longa metragem, chamou ao palco Elke Maravilha, espalhafatosa como sempre, pois seria exibido um curta metragem a seu respeito (o curta é apenas razoável, dirigido pela filha de Sérgio Rezende). O ator Ney Latorraca entregou um prêmio especial ao diretor Mauro Lima pelo filme "Meu nome não é Johnny", que foi aceito pela produtora do filme e por Selton Mello, grande figura do cinema nacional recente. Selton mal desceu do palco e teve que voltar novamente, como parte do elenco de "Os Desafinados", o filme principal da noite. Também ao palco subiu o diretor Walter Lima Jr, que falou um pouco sobre a produção. Ele disse que parte do filme foi feita em Nova York e que as cenas da década de 1960 foram todas compradas de arquivos de imagens americanos. "Eles são muito organizados", disse o diretor. Na prática, o filme levou oito anos para ser finalizado, mas Walter Lima disse que o filme estava com ele há trinta anos. "Há vários filmes dentro da gente. Quando se encontram pessoas que sonham junto, a gente se enche de coragem", disse o diretor. E então, finalmente, "Os Desafinados" foi exibido.
O filme é muito bom, mas por vezes parece ser um "work in progress". O produtor Flávio Tambellini avisou, antes do início da projeção, que não houve tempo de colocar as legendas para os diálogos em inglês desta cópia. É de se imaginar que o filme ainda vá passar por algum tipo de edição final. Atrevo-me a dizer que, apesar de muito bom, ele precisa desta edição. "Os Desafinados" faz referência, claro, à Bossa Nova, estilo musical dos anos 1960 que misturou a influência do jazz americano com o samba brasileiro. O filme funciona (ou não...) em duas épocas; o "presente" mostra um grupo de senhores no Rio de Janeiro que estão surpresos e chocados com a morte de uma antiga cantora da bossa nova chamada Glória, que cantou com um grupo chamado Os Desafinados. Estes senhores, logo ficamos sabendo, eram membros deste grupo, e a imprensa está interessada na história deles. Isto serve de ponte para que o "passado" entre em cena. O grupo era formado por Joaquim (Rodrigo Santoro), Davi (Angelo Paes Leme), Geraldo (Jair Oliveira) e PC (André Moraes). Depois de falhar em um concurso que estava escolhendo grupos para tocar em Nova York, Os Desafinados decidem bancar a viagem do próprio bolso e partem para Manhatann. Junto com o grupo vai Selton Mello, interpretando o cineasta Dico, que é amigo e espécie de documentarista do grupo. Selton, apesar de ótimo como sempre, me pareceu estar no filme "apenas" pela grande simpatia que o público tem por ele. Seu personagem, apesar de servir como elo de ligação (até certo ponto) entre o passado e o presente (por causa de suas imagens), me pareceu mais o que se costuma chamar de "comic relief". Selton está muito bem mas corre o perigo, suponho, de se tornar uma caricatura de si mesmo. Todas as "tiradas" engraçadas do roteiro são ditas por ele e o público adora e morre de rir, mas talvez ele merecesse um papel mais sério.
A produção é bem cuidada e a recriação de época bem feita, mesclando imagens de arquivo (aquelas citadas pelo diretor) com outras feitas em locações de Nova York. O grupo, não conseguindo se apresentar em casas de espetáculo, começa a ganhar dinheiro e atrair atenção tocando nas ruas e em bares. Rodrigo Santoro, muito bem, faz o compositor do grupo e o personagem mais introspectivo do filme. Ele deixou no Brasil a esposa Luíza (Alessandra Negrini), que está grávida. Mas ao encontrar a música de rua Glória (Cláudia Abreu, em grande interpretação, sensual e confiante) tocando no Central Park, um se apaixona pelo outro e praticamente o grupo todo se muda para o apartamento da moça. Há belas passagens musicais como quando o grupo começa a improvisar sua bossa nova com uma banda de jazz em um bar, ou quando Santoro e Abreu fazem um dueto de violão e flauta no Central Park. O filme também mostra como os americanos se apropriavam dos direitos autorais dos compositores brasileiros apenas mudando a letra e registrando a música sob outro nome. A música do filme, a propósito, além de usar canções conhecidas de Tom Jobim, entre outros, também foi composta por Wagner Tiso.
Toda esta passagem em Nova York é bastante envolvente e bem feita. O problema, a meu ver, é que o filme fica retomando a trama que acontece no tempo presente, quebrando freqüentemente o "clima" e o andamento do filme. A trama do presente circula em torno da vontade do cineasta Dico (interpretado quando mais velho por Arthur Kohl) de reunir o grupo e fazer uma espécie de "especial" em vídeo para vender para a televisão. Há um grande contraste entre o glamour do passado e as condições do presente. O local da reunião do grupo, por exemplo, se dá em um bar de striptease. Como se não bastasse estas indas e vindas pelo tempo, o roteiro ainda tem a ambição de se enveredar pela parte política da história do Brasil, como o golpe de 64, a censura aos artistas e os abusos da ditadura. Tudo isso, repito, é produzido com muita competência mas, a meu ver, o roteiro acaba sofrendo com isso. O filme, que tem a longa duração de duas horas e meia, ganharia com uma edição mais rigorosa e a retirada de algumas cenas desnecessárias.
Isso posto, é um bom filme, com elenco afinado (me desculpem o trocadilho) e bela produção.
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