Grant e Fiona estão casados há 44 anos. Foi ela quem propôs, aos 18 anos, a idéia de que "seria legal se eles se casassem". Ele aceitou na hora porque não conseguiria ficar longe dela. Agora, na casa dos 60 anos, eles ainda se amam e estão juntos fisicamente, mas há um problema. Fiona (Julie Christie) está apresentando os primeiros sinais de Alzheimmer, e seu marido Grant (Gordon Pincent) nada pode fazer a não ser apoiá-la e estar com ela. Este é um fime que poderia, em mãos menos hábeis, ter se transformado em um dramalhão pronto para a TV, mas a roteirista e diretora Sarah Polley conduz a narrativa com grande talento e sensibilidade. O elenco ajuda muito. Julie Christie está ótima (concorreu ao Oscar de Melhor Atriz no início do ano). Ela é uma verdadeira "dama", nas palavras de uma personagem. O marido a descreve como "direta e vaga... doce e irônica". Os dois são obviamente apaixonados mas inteligentes e cultos o suficiente para saber que o futuro não é promissor. Gordon Pincent dá uma interpretação tocante como um marido que está perdendo a esposa que conhece em frente de seus olhos. Fiona, como que preparando o marido para o pior, e para manter a cabeça ocupada, lê em voz alta livros que descrevem os sintomas da doença e suas conseqüências.
Aos poucos os problemas de memória dela vão ficando mais graves e eles decidem que ela deve ser internada em uma clínica especializada. A visita de Grant à clínica é sofrida. Apesar de bem equipada e organizada, a clínica nada mais é do que uma mistura de asilo e sanatório, e compartilamos com Grant o receio de deixar uma mulher inteligente e vibrante como Fiona em um lugar como aquele. O filme é passado no Canadá e a neve (ou a brancura da neve) funciona como uma metáfora para a memória e o esquecimento. A clínica é fotografada com uma luminosidade branca constante, que lembra a paisagem nevada onde moram Grant e Fiona. Enquanto, no lago congelado, eles praticavam caminhadas com ski de um lado para o outro, na clínica os idosos se locomovem com andadores por entre corredores esterelizados, vigiados pela profissional mas distante Madeleine. Desconheço os procedimentos médicos nesses casos, mas há um detalhe visto no filme que me pareceu desnecessariamente cruel. Para ajudar na "adaptação" dos pacientes, a clínica proíbe qualquer contato externo com o novo paciente por um mês. A cena da separação de Grant e Fiona é emocionante. "Quero que faça amor comigo" - diz Fiona - "e depois vá embora, porque se não vou chorar para sempre". Grant está desconsolado, mas o pior acontece um mês depois. Fiona não só não se lembra dele como firmou grande amizade com outro interno, Aubrey (Michael Murphy), que não consegue fazer mais nada sem ela. Grant se transforma em um estranho para Fiona, que não sabe como lidar com aquele estranho que a visita todos os dias. Aubrey é casado com Marian (Olympia Dukakis, ótima), que tem planos próprios para ela e Grant.
O filme guarda semelhanças com o drama "Íris", em que Judy Dench interpreta uma escritora famosa que também é afetada pelo Alzheimmer e começa e "desaparecer" aos olhos do marido. É um tema sensível e assustador. As memórias são o que formam nossa identidade e nossa bagagem cultural. Mas também podem ser nosso tormento. Em uma cena irônica, Fiona mostra para o marido que, apesar do casamento ser longo e verdadeiramente apaixonado, não foi livre de percalços. "Há coisas que eu gostaria de esquecer", diz ela, citando em seguida um "pecado" cometido pelo marido quando eles ainda eram jovens. Grant não sabe se fica feliz pela memória dela ainda estar boa ou chateado pelo assunto ter sido trazido à tona.
Um drama muito bem dirigido e marcado por grandes interpretações.
2 comentários:
Fantástico filme, vi duas vezes com minha mae no cinema!
Muito bom, né? Bom ver um filme que investe na força dos atores como este.
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