O início de "Pecados Inocentes" me fez lembrar da frase atribuída ao pensador Rousseau, que declarou que os homens nascem bons, é a sociedade que os corrompe. O narrador nos informa que ele é o sorridente bebê que vemos em cena, fruto do fogo que é sua mãe, Barbara, e do gelo que é seu pai Brooks (Stephen Dillane). Bárbara é interpretada por Julianne Moore em uma daquelas performances que são maiores (e talvez melhores) que o próprio filme. Ela é uma mulher que se casou pelo dinheiro de Brooks Bakaeland, herdeiro do inventor da "Bakelita", um tipo de plástico que trouxe fortuna à família. Bárbara é um furacão de emoções contraditórias e gosta de ser o centro das atenções. Ela ama seu bebê mas, ao sair para uma reunião no famoso Stork Club, em Nova York, fica ensaiando como é que vai se referir a ele para as outras pessoas. "Devo chamá-lo de Anthony ou de Tony?". Ela mantém cartões de visitas de famílias ilustres, como os Duchamp, à vista na entrada das várias casas em que a família mora com o passar dos anos. O filme se passa de 1946 a 1972 em cidades como Nova York, Paris e Londres, além do litoral quente da Espanha.
Tony, o filho, vai crescendo sob a influência sempre presente da mãe, que o mima e o treina para se comportar bem diante dos convidados. Brooks, o pai, tem aquele ar cansado de quem precisa de um momento para si mesmo. Ele venera a história da família, principalmente o avô, e tenta lidar com as mudanças de humor da esposa, sem sucesso. Há uma cena forte em que, como que se vingando de Bárbara, o filme mostra Brooks fazendo sexo anal com ela, violentamente. O diretor de "Pecados Inocentes" (Savage Grace, 2007) é Tom Kalin, que faz do filme um espetáculo curioso. A produção é impecável e ele é todo tomado por cores fortes, bela fotografia ao ar livre e um bom elenco. Mas é tudo aparência. Por baixo, o mundo cheio de dinheiro dos Bakaelend está claramente com problemas. Tony cresce e se transforma em um jovem (interpretado por Eddie Redmayne) que é culto, rico e bonito, mas que ainda sofre com a influência de Bárbara e com a indiferença de Brooks. Na Espanha ele até tenta se envolver com uma bela garota chamada Blanca (Elena Anaya), mas sua opção sexual é claramente outra. Para complicar, o pai Brooks vê em Blanca uma chance de mudar de vida e se separa de Bárbara para morar com ela.
O filme é tão bonito plasticamente e a interpretação de Julianne Moore tão forte que fica difícil julgar se "Savage Grace", por si só, é um bom filme ou não. O diretor não tem pudores em mostrar cenas de nus masculinos e femininos ou cenas de homossexualismo. Julianne Moore atrai tanta atenção que a função de Anthony na trama fica diminuida mas, perto do final, seus problemas se tornam mais evidentes. A relação com a mãe é tão próxima que não tem barreiras, sejam mentais ou físicas (como em uma cena edipiana de sexo que pode chocar muita gente). Confesso que não sabia que o roteiro é baseado em uma história real (tirada do livro de Nathalie Robins e Steven M. L. Aronson) sobre um crime chocante que ocorreu em 1972. O filme é interessante e bem feito. Mas não é daquele tipo para sair "contente" do cinema.
trailer abaixo (cuidado, contém spoilers):
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