quarta-feira, 4 de junho de 2008

O Sonho de Cassandra



"O Sonho de Cassandra" é mais um filme da "fase britânica" de Woody Allen. O diretor, famoso por seus filmes passados em Nova York, nos últimos anos se apaixonou por Londres e fez filmes como o bom "Machpoint" (2005) e "Scoop" (2006), que eu não assisti. Allen tem seus altos e baixos, lançando um filme novo praticamente todos os anos. É de certa forma reconfortante ver um filme que comece simplesmente mostrando os créditos (de forma simples, letras brancas em fundo preto), característica dos filmes de Allen. A equipe e elenco impressionam, como a fotografia do veterano Vilmos Zsigmond ou a trilha sonora característica de Philip Glass. No elenco, dois grandes atores, Ewan McGregor e Colin Farrell são Ian e Terry, irmãos que compram um pequeno veleiro no início do filme e o batizam de "O Sonho de Cassandra". O nome veio de um cachorro que Terry, jogador inverterado, apostou nas corridas. "Cassandra", assim me lembra a Wikipedia, vem da mitologia grega; o deus Apollo lhe deu o dom da profecia por causa de sua grande beleza, mas ela não retribuiu seu amor. Ela assim recebeu a maldição de que ninguém acreditaria em suas previsões (como a queda de Tróia, por exemplo), e teria enlouquecido.

Ian e Terry estão sempre no limite entre o risco e a malandragem. Terry (Farrell) está sempre devendo dinheiro a alguém por causa de suas apostas em corridas ou jogos de pôker. Ian (McGregor) é boa pinta e empreendedor, mas sempre sonha alto demais e engana suas namoradas usando carros esportes que ele empresta da oficina de Terry. Uma destas garotas é Angela (Haylay Atwell), uma bela atriz de teatro que aparentemente faria de tudo para conseguir um grande papel em Hollywood. O filme começa bem, mostrando as malandragens dos irmãos e sua complicada relação com os pais. A mãe (Clare Higgins, muito bem) está sempre ralhando com o pai e falando bem de um tal de "tio Howard", que seria um parente rico dono de hotéis e restaurantes em vários países do mundo. Os diálogos de Allen são interessantes e o filme, até aqui, é dirigido de forma impecável. Há uma cena curiosa (e muito bem fotografada) em que os irmãos levam as namoradas para passear no veleiro e eles estão cantando "Show me the way to go home", que remete diretamente ao clássico "Tubarão" (1975), de Steven Spielberg. Em outras palavras, algo muito errado está para acontecer, e rápido.

O problema é que o filme, de repente, perde um pouco o foco justo quando o misterioso "tio Howard" (ninguém menos que Tom Wilkinson) entra em cena. Tudo apontava para a chegada de mais um trambiqueiro, mas não é o que acontece. Aparentemente Howard é mesmo rico e bem sucedido, mas ele tem um problema. Um sócio está para testemunhar contra ele no tribunal e isso pode enviá-lo para a cadeia. Terry está devendo uma fortuna para agiotas e precisa da ajuda financeira do tio para sobreviver, assim como Ian, que tem planos de se mudar para a Califórnia com Angela. Howard, então, pede ajuda para os sobrinhos para "se livrarem" do tal sócio e, em troca, ele os ajudaria financeiramente. O filme, infelizmente, começa a decair a partir deste momento. Colin Farrell, que não é mal ator, começa a ter problemas de consciência não muito convincentes mais por culpa do roteiro do que por sua interpretação. De jovem irresponsável, mas irreverente, ele de repente passa a um alcoólatra que também tem problemas com remédios, além das crises de consciência. Allen escreve diálogos cheios de culpa freudiana que, repito, não soam muito convincentes, assim como as situações vividas pelos personagens. As cenas que levam ao crime em si tem certo suspense e sem dúvida são bem feitas, mas não são suficientes para justificar os problemas que o filme enfrenta. Allen já esteve muito melhor em "Crimes e Pecados" (1989), que também lidava com questões morais a respeito de assassinato mas de forma muito mais profunda e equilibrada. "O Sonho de Cassandra", apesar de seus bons momentos, acaba soando falso e vazio.

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