quinta-feira, 29 de maio de 2008

Caché


Caché ("escondido", em francês) é um exercício de cinema de suspense. E é também um exercício de cinema como manipulação da imagem e do ponto de vista de quem filma (e de quem assiste). Os créditos iniciais, pequenos e de difícil leitura, são todos exibidos sobre um plano estático: uma rua que dá para uma casa. Vemos o portão, vemos uma fileira de janelas e o sótão. Escutamos apenas som ambiente...carros passando, passos de pessoas. De repente, a imagem começa a voltar sozinha e vemos marcas de fita rebobinando na tela, e por um instante checamos o controle remoto do DVD para ver se não apertamos o rewind acidentalmente. Não, quem está voltando a imagem (e o filme, por consequência), são os personagens na tela.


A casa pertence a um apresentador de televisão chamado Georges Laurent (o sempre competente Daniel Auteuil), sua esposa Anne (Juliette Binoche, muito bem neste filme) e seu filho adolescente. A suposta harmonia familiar está sendo ameaçada por misteriosas fitas de video que estão sendo deixadas anonimamente na porta da casa. Elas sempre apresentam a mesma coisa: uma imagem da casa gravada do ponto de vista da rua, por um cameraman escondido. Quem estaria gravando estas imagens? E para que? O casal vai até a polícia, mas eles dizem que não podem fazer nada. É curioso o jogo do diretor Michael Haneke em mostrar primeiro a imagem do ponto de vista da camera escondida, e depois, quando conhecemos os personagens da casa, o ângulo se inverte. Em uma dessas imagens escondidas feitas durante a noite, um carro chega e seus faróis lançam uma sombra bem nítida de uma câmera na parede à esquerda da imagem. Mas quando o personagem principal desce do carro e passa ao lado da suposta câmera ele não a vê. Teria sido a sombra acidental durante a filmagem ou o diretor está nos dizendo alguma coisa?


O fato é que há muitas coisas escondidas neste filme, além do cameraman misterioso. Aos poucos, junto com as fitas, começam a chegar desenhos que mostram um garoto com sangue na boca, ou então uma galinha com o pescoço cortado, e pela reação de Georges percebe-se que ele está começando a se lembrar de algo. Ao mesmo tempo, estranhas (e assustadoras) cenas começam a aparecer rapidamente no filme, às vezes entrecortadas com as imagens das fitas, e não sabemos mais o que é real ou imaginação dos personagens. Juliette Binoche está muito bem como uma mulher aparentemente segura de si que, de repente, não sabe mais em quem confiar e se assusta com o simples tocar do telefone. Através de pistas nas imagens Georges tem uma idéia de quem possa ser o remetente das fitas e vai atrás da pessoa. O que ele encontra se torna mais uma peça no complicado quebra cabeças apresentado no filme. E por que será que, de repente, ele começa a mentir para a esposa?


"Caché" pode, talvez, frustrar um espectador mais convencional, que espera ter todas suas perguntas respondidas e/ou um filme mais tradicional. O filme cria suspense às vezes pela supressão de informações, nos deixando "no ar". Em outros momentos, o suspense é criado pela simples imobilidade da câmera, mostrando uma sequência que acontece inteira diante de nossos olhos, sem cortes de imagem, mas nem por isso mais reveladora. Mais do que entregar respostas prontas, "Caché" levanta questões sobre o que é a imagem e qual sua validade como verdade absoluta. Um sonho é uma imagem? E uma lembrança? Interessante também como a TV, quando não está servindo para passar as imagens das fitas, geralmente está passando imagens dos notíciários sobre a Guerra do Iraque ou outroas problemas mundiais. Novamente, fica a questão da validade e da importância das imagens.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Bullitt (ou Cut to the chace!)


Há uma expressão no cinema americano que diz “Cut to the chace!”. Literalmente, significa “Corte para a perseguição!”. A frase diz muito sobre o filme americano tradicional que, no fundo, nada mais é do que uma série de perseguições entrecortadas por algum diálogo. E isso vem desde os primórdios de Hollywood. “The Great Train Robbery” (“O grande roubo do trem”, de 1903), de Edwin Porter, assombrou as platéias do início do cinema com suas cenas de perseguição. O filme serviu de base para, basicamente, todo o cinema americano que se seguiu.

Falando em perseguição, um clássico vem à mente: o filme “Bullitt”, interpretado por Steve McQueen em 1968. Dirigido por Peter Yates, “Bullitt” tem uma das mais famosas cenas de perseguição do cinema. Steve McQueen era piloto de moto e carro e diz a lenda que ele pilotou seu Mustang pessoalmente durante toda a seqüência. Irônico pensar que a famosa perseguição dura por volta de onze minutos em um filme com aproximadamente duas horas; “O grande roubo do trem” de Porter tinha, no total, doze minutos de duração.

A seqüência deu ao filme o Oscar de montagem (edição) em 1969 e, apesar de conter certas falhas óbvias (reparem que o mesmo Fusca verde aparece pelo menos três vezes durante a seqüência), é um primor de ritmo e montagem. Curioso também como os papéis de perseguidor e perseguido se invertem. Steve McQueen interpreta um policial encarregado por Robert Vaughn de proteger uma testemunha chave que iria depor contra a “Organização” (provavelmente a máfia). A testemunha acaba sendo morta pelos dois assassinos profissionais que são perseguidos por McQueen na famosa cena. “Bullitt” foi dos precursores de um tipo de filme policial que se consolidaria nos anos 70 com Clint Eastwood e seu “Dirty Harry”.

Engraçado ver o nascimento de certos clichês como o policial que passa por cima da lei para conseguir seu objetivo, ou o chefe de polícia que dá um sermão a seu subordinado, para em seguida liberá-lo, e assim por diante. O filme tem uma bela e realista fotografia em Cinemascope de William A. Fraker e trilha do famoso compositor Lalo Schifrin. A montagem vencedora do Oscar é de Frank P. Keller. Notem também a presença de Robert Duvall como um motorista de táxi. Um DVD duplo foi lançado uns anos atrás com vários extras, como um documentário sobre a arte invisível da edição. O filme serviu de inspiração para várias outras produções, como “Fogo contra Fogo” (“Heat”, 1995), grande filme de Michael Mann com Robert DeNiro, Al Pacino e Val Kilmer. Toda a seqüência final passada no aeroporto de “Fogo contra Fogo”, por exemplo, é muito semelhante à seqüência final de “Bullitt”. A maravilhosa Jacqueline Bisset está em “Bullitt” apenas como “material decorativo”. Há só uma cena, francamente desnecessária, em que a personagem de Bisset fala mais do que alguns segundos, questionando a moral e os sentimentos de Bullittt. Steve McQueen era famoso por seu temperamento ruim e por ataques de ciúme contra companheiros de tela, principalmente em seus filmes em “grupo” como “Sete Homens e um Destino” e “Fugindo do Inferno”. Mas em “Bullittt” ele reina sozinho. E o que importa, de verdade, é quando o filme corta para a próxima cena de perseguição.
Cut to the chace!

Veja abaixo a perseguição em Bullitt

Veja "The Great Train Robbery":

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Morre ator e diretor Sydney Pollack



Morreu o ator e diretor americano Sydney Pollack, de 73 anos, de câncer, nos EUA. Além de diretor, Pollack era bom ator, econômico, e chegou a trabalhar com Stanley Kubrick, em "De Olhos bem Fechados" ("Eyes Wide Shut", 1999), no papel de um médico. Recentemente fez o papel do chefe de George Clooney em "Conduta de Risco" ("Michael Clayton", 2007), interpretando o inescrupuloso presidente de uma firma de advocacia. Fez participações especiais em diversos seriados como "Mad About You", "Família Soprano" e "Frasier".

Como diretor, trabalhou sempre com grandes astros como Paul Newman em "Ausência de Malícia" ("Absence of Malice", 1981), Dustin Hoffman na comédia "Tootsie" (1982), Tom Cruise em "A Firma" ("The Firm", 1993), Harrison Ford no romance "Sabrina" (1995) e no drama "Destinos Cruzados" (Random Hearts, 1999) e Sean Penn e Nicole Kidman em "A Intérprete" ("The Interpreter", 2005).

Pollack trabalhou com Robert Redford em quatro filmes, ganhando o Oscar de Melhor Diretor por "Entre dois amores" ("Out of Africa", 1985), também com Meryl Streep no elenco. Era um bom diretor, competente e cuidadoso com os atores e atrizes sob seu comando. Gostava muito de seu trabalho como ator também, sempre elegante e com classe. "Destinos Cruzados", com Harrison Ford e a britânica Kristin Scott Thomas, foi um filme pouco visto e considerado ruim, mas que eu acho bastante interessante. O roteiro sem dúvida é falho, mas gostei do modo como Pollack conseguiu elevar o material e criar um quadro muito bem feito das relações entre homens e mulheres e como cada um enfrenta de modo diferente a questão da traição e do adultério. "A Intérprete" também foi um suspense competente, explorando a trama e as boas interpretações de Sean Penn e Nicole Kidman. Uma perda considerável para o cinema.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal



A espera finalmente terminou. Após 19 anos de rumores, fofocas, boatos e roteiros cancelados, o maior aventureiro do cinema, Indiana Jones, está de volta. E a boa notícia é que "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" é tudo o que se podia esperar de um bom filme de Indiana Jones.


Pessoalmente, considero "Caçadores da Arca Perdida" (1981), o primeiro filme da série, o melhor filme de aventura de todos os tempos. O personagem, o arqueólogo aventureiro Indiana Jones, nasceu da vontade de Steven Spielberg de dirigir um filme da série James Bond. Um dia ele comentou isso com o colega George Lucas, que lhe falou da idéia de recuperar a magia dos antigos seriados de aventura do cinema usando da tecnologia moderna de efeitos especiais e um grande orçamento. Lucas se juntou a Philip Kauffman para criar o roteiro de "Caçadores", que foi um grande sucesso quando lançado. O filme tinha aventura sem parar, um personagem humano o suficiente para ter medo de cobras, vilões detestáveis (na forma de nazistas interessados em artefatos religiosos), a produção de George Lucas, direção de Steven Spielberg e música do mestre John Williams. Claro que se tornou um clássico instantâneo. Para interpretar o herói, Harrison Ford, grande sucesso como Han Solo na outra série de Lucas, Guerra nas Estrelas. A princípio Lucas não queria Ford no papel e pensaram em chamar Tom Selleck, da série Magnum, para seu lugar. Quando o contrato de Selleck apresentou problemas, Ford assumiu o posto que lhe cabia de direito e deu vida ao personagem.


Indiana Jones voltaria em "O Templo da Perdição", em 1984, com menos brilho. George Lucas queria um filme mais sombrio e assustador que o anterior e ele apresentou cenas muito violentas para as crianças que lotaram os cinemas. Spielberg não ficou satisfeito, Harrison Ford teve problemas nas costas durante as filmagens e ficou afastado por semanas, e o filme sofreu com isso. O que não impediu que fosse um grande sucesso de bilheteria e tivesse grandes sequências de ação, como a perseguição dentro de uma mina abandonada.


Em 1989 eu entrava no cinema para ver a estréia de "Indiana Jones e A Última Cruzada", que conseguiu recuperar o "clima" do primeiro filme, o bom humor e, de quebra, trazia James Bond em pessoa, Sean Connery, para viver o pai de Indiana Jones. O filme era ótimo e aparentemente encerrava a série com chave de ouro, com os personagens partindo em direção ao pôr do sol ao som da marcha de John Williams. Era o final da trilogia Indiana Jones. Harrison Ford disse que não voltaria ao personagem, Spilberg partiu para projetos mais sérios e Lucas voltou para a série Star Wars (com resultados duvidosos).


Mas os anos foram passando, Spielberg foi ganhando Oscars e Harrison Ford, com excessão de "O Fugitivo", de 1994, nunca mais fez um filme que agradasse ao público de verdade. George Lucas criou uma série de TV, o "Jovem Indiana Jones" que, apesar de bem produzida e de lidar com temas históricos, não tinha muito a ver com o espírito do personagem. A internet começou a espalhar rumores de uma continuação. Os temas eram vários: Indy ganharia uma filha e partiria em aventuras com ela. Indiana Jones iria enfrentar os russos durante a Guerra Fria, ou talvez fosse investigar o suposto OVNI que caiu em Roswell, Novo México, em 1947. Ele iria procurar pela cidade perdida de Atlântida ou, quem sabe, iria atrás da mítica Eldorado. Supostos roteiros vazavam na rede, nomes de roteiristas eram anunciados e desmentidos, até que, finalmente, era oficial. Frank Darabont, renomado diretor e roteirista de "Um Sonho de Liberdade", "À Espera de um Milagre" e "Cine Majestic", entre outros, havia sido contratado para escrever o roteiro. Spielberg ficou satisfeito com o resultado e até Harrison Ford gostou e disse que vestiria de novo o chapéu pelo roteiro de Darabont. Mas George Lucas, na última hora, e ainda envolvido com seus filmes sobre Star Wars, vetou o projeto.


Se você leu até aqui e não quer saber detalhes do novo filme, sugiro que pare por aqui e volte depois de ver o filme.

Finalmente a espera acabou. Indiana Jones está de volta em um roteiro (escrito por David Koepp) que, incrivelmente, conseguiu juntar várias das teorias pensadas acima na forma de um grande filme de aventura. Assim, estamos em 1957 e Indiana Jones não está mais lutando com os nazistas. Estamos na Guerra Fria e o clima de paranóia contra os comunistas está à solta nos Estados Unidos. Os russos levam Indy para a famosa "área 51", para um galpão cheio de caixas que são imediatamente familiares para os fãs da série: foi ali que a Arca da Aliança, encontrada por Indy em "Caçadores", foi guardada. Cate Blanchett interpreta a vilã, uma soviética chamada Irina Spalko, que faz Indiana Jones encontrar os restos do suposto alien que caiu em Roswell dez anos antes. O roteiro parte disso e nos leva para uma série de situações, uma mais deliciosamente absurda que a outra, até terminar no meio da Floresta Amazônica. Indy enfrenta um teste nuclear no estado de Nevada (do qual ele foge de forma inusitada), conhece um rapaz arrogante (Shia LaBeouf) que o leva até o Peru atrás de uma "Caveira de Cristal" que teria poderes místicos e que levaria à Eldorado. De quebra, reencontra um amor antigo, Marion Ravenwood (Karen Allen, de Caçadores da Arca Perdida, considerada pelos fãs a "verdadeira" namorada do herói) e descobre que o rapaz é seu filho. Claro que nada pode ser levado à sério. A começar pelo fato de que Harrison Ford estava com 64 anos durante as filmagens. Apesar disso, Ford recuperou o antigo "charme" e o personagem está de volta, com o mesmo modo de andar, falar e esmurrar os adversários.


Colaboradores antigos como Denholm Elliot (que morreu em 1992), que interpretava Marcus Brody, ou John Rhys-Davies (Sallah), não estão mais presentes. Também não está de volta Sean Connery como pai de Indiana Jones, por motivos óbvios. Mas a adição de Shia LaBeouf como filho de Indy foi uma escolha acertada. LaBeouf está "quente" em Hollywood no momento e tem participado de produções de sucesso como "Transformers" e "Paranóia". Cate Blanchett, sempre talentosa, está apropriadamente exagerada como a vilã soviética de sotaque carregado e Ray Winstone faz o papel de um amigo não muito confiável de Jones. Para completar o elenco, John Hurt faz o papel de um arqueólogo meio maluco que originalmente descobriu a Caveira de Cristal.


Spielberg dirige com segurança e está em casa nas cenas de perseguição à pé, de moto, de carro, caminhão, barco e qualquer coisa que se mova que acontecem no filme. O clima de matinê reina absoluto e há cenas absurdas, mas divertidas, como uma perseguição em que os personagens ficam pulando de um carro para outro, ou até mesmo duelando com espadas à toda velocidade, desviando por mágica das árvores da floresta. As Cataratas do Iguaçu mudam de local e vão parar lá no Amazonas, para mais algumas cenas absurdas. E tudo termina em uma seqüência espetacular de efeitos especiais, com Indiana Jones em primeiro plano, testemunhando uma mudança na paisagem realizada pelos mágicos da Industrial Light and Magic, a veterana empresa de efeitos especiais da Lucasfilm.


Confesso que me surpreendi com a receptividade do filme durante a pré-estréia em que fui. As duas sessões em que estive (sim, vi o filme duas vezes) estavam lotadas, e grande parte do público me pareceu jovem demais para sequer ter nascido antes dos 19 anos que se passaram desde o último filme. Prova de que Indiana Jones se tornou parte da cultura popular e já é um clássico do cinema. "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" é uma boa pedida. A espera, afinal, valeu a pena.

domingo, 18 de maio de 2008

Paixão Proibida



Em meio à névoa, distinguimos as formas de uma mulher de costas, se banhando. A câmera vai se aproximando da imagem em meio ao vapor que sobe da água e não sabemos se a figura é real ou apenas um sonho. Não me lembro agora quem foi que disse que o oriente nada mais é do que uma miragem do ocidente, mas é o que esta imagem inicial me passou. Há "algo" no oriente que provoca uma reação nos ocidentais, uma impressão de mistério, de algo que deve ser revelado. O problema é que, de perto, talvez o mistério não seja assim tão interessante, ou o que se esperava. É desse mistério que "Paixão Proibida" ("Silk", seda, no título original) trata. O filme é uma história de amor... mas qual amor? Será o amor que o jovem Herve Joncour (Michael Pitt) sente pela bela esposa Helene (Keira Knightly)? Ou o amor que ele encontra, ou acha que encontra, do outro lado do mundo, no Japão?


Herve mora em uma pequena cidade francesa, no século 19, e está de licença do exército. Ele se apaixona por Helene e os dois se casam, mas eles estão fadados a passarem pouco tempo juntos. Um empresário local, Baldabiou (Alfred Molina) reativou a produção de seda local e está trazendo grande riqueza para a cidade. O problema é que uma doença desconhecida está matando os bichos da seda e Baldabiou precisa que Herve parta para o Japão para buscar ovos saudáveis para continuar a produção. A viagem é longa e passa por toda Europa e Ásia, em pleno inverno, até chegar ao outro lado do mundo. A fotografia do filme é muito boa e vemos belas paisagens pela França, Áustria, Rússia, China e finalmente Japão. Fica difícil no mundo globalizado em que vivemos imaginar como tudo deveria ser lento e trabalhoso naquela época, e talvez o filme seja lento exatamente por isso. Herve finalmente chega a uma pequena vila onde consegue comprar os ovos do bicho da seda. Lá ele conhece um samurai chamado Hara Jubei (Kôji Yakusho), que está às voltas com problemas políticos internos, e sua concubina. É então que Herve se apaixona, ou acha que se apaixona, pela garota (de quem nem sabemos o nome, interpretada por Sei Ashina).


Herve volta à Europa e para a esposa e embora tudo pareça ir bem ele não consegue se esquecer do Japão e da moça misteriosa. O filme, assim, é basicamente um embate entre esses dois mundos. Herve ama a esposa de verdade, mas não consegue se livrar da "miragem" do outro lado do mundo, e a necessidade de buscar mais ovos o manda ao Japão por outras ocasiões. "Paixão Proibida" é, ao mesmo tempo, bonito e decepcionante. Não deixa de ser bom, de vez em quando, ver no cinema um filme sobre pessoas e sentimentos, e não apenas efeitos especiais e explosões. O problema é que o filme talvez seja sutil demais, lento demais, mesmo que, o tempo todo, nos apresente magníficas imagens para se olhar. Alguns pontos da história me lembraram "A Época da Inocência", de Martin Scorsese, que também lidava com um jovem casal e a fascinação de um homem por outra mulher. Havia até uma cena, perto do final, em que o personagem de Daniel Day-Lewis estava olhando umas gravuras japonesas e pensando em largar tudo para partir para uma longa viagem.


"Paixão Proibida" é um filme bonito e bem feito, mas o roteiro deixa um pouco a desejar. Há algumas questões que são levantadas, mas não são bem explicadas. Por exemplo, qual a razão de apresentar uma vizinha de Herve e Helene que foi abandonada pelo marido? Ela tem um filho pequeno e, por vezes, têm-se a impressão que algo vai ser "revelado" sobre eles, mas nada acontece. Há também uma cena em que, no Japão, um comerciante de armas alemão diz a Herve que a concubina não seria japonesa. De onde ela veio então? E qual a relevância disso para o roteiro?


A direção é de François Girard, que baseou a história em um livro de Alessandro Baricco, e a produção é internacional (França, Itália, Japão). A trilha sonora é do veterano Ryuichi Sakamoto e é bonita, embora seus solos de piano, como o filme, também se estendam demais.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Shine a Light


Martin Scorsese declarou certa vez que ele é um músico frustrado. Quem está familiarizado com seus filmes certamente já notou como a música é um ponto forte não só sonorizando a história, mas servindo como força motriz para a narrativa, para movimentos de câmera e momentos chave do roteiro. Já em “Mean Streets” (1973), um jovem Robert DeNiro aparecia na tela ao som de “Jumpin´ Jack Flash”, dos Rolling Stones. E a música de Mick Jagger e Keith Richards invariavelmente apareceu em quase todos os filmes da carreira de Scorsese. É de se admirar que um filme como “Shine a Light”, o tardio encontro entre os Stones e Scorsese, tenha demorado tanto tempo para aparecer. Scorsese tem credenciais de sobra em documentários de música. Ele fez parte da equipe de filmagem e edição do lendário documentário sobre o Festival de Woodstock, que inovou na técnica ao usar imagens divididas na tela (split screen), algo tecnicamente complicado de se fazer naquela era analógica do cinema. Ele também dirigiu “The Last Waltz” (1978), que documentou a última turnê da banda canadense “The Band” e, recentemente, realizou “The Blues” (2003), uma série para a televisão, e “No Direction Home” (2005), sobre a vida e arte de Bob Dylan.

Shine a Light” é montado a partir de duas apresentações ao vivo dos Rolling Stones em Nova York, em 2006. No início do filme vemos cenas em preto e branco com um making of da preparação para os shows. Apesar da mútua admiração, nem tudo parece ir bem entre os Stones e Scorsese. Mick Jagger não está muito satisfeito com o cenário do show, que teria sido projetado por Scorsese. Já o cineasta reclama da falta de informações com relação ao show em si, principalmente quais as músicas que serão tocadas e, o mais importante, em que ordem. Metódico, Scorsese tem planilhas com direções de câmera e iluminação para praticamente todas as músicas dos Stones, mas está visivelmente preocupado por não saber em que ordem elas serão apresentadas. Sua solução é deixar preparadas uma série de câmeras de cinema rodeando todo o palco, para não perder nenhuma tomada. Em dado momento escutamos Mick Jagger resmungar sobre como a platéia vai reagir com todas aquelas câmeras na frente deles. Mas isso me pareceu um pouco de drama para nos preparar para o show em si. Há até espaço para um pouco de política (ou propaganda política?) quando Bill Clinton e a esposa pré-candidata à presidência, Hillary, aparecem com um monte de convidados para cumprimentar a banda.

Quando os Stones entram no palco tudo isso é colocado de lado. As câmeras digitais dão lugar às imagens de cinema de um colorido espetacular e o show se inicia. Mick Jagger é uma máquina. Com 65 anos nas costas ele tem tanta energia quanto toda aquela iluminação no palco e é difícil acreditar que ele esteja fazendo isso há 45 anos. A música dos Stones, com sua mistura de rock, blues e country, é capturada pelas câmeras de todos os ângulos possíveis e a edição de David Tedeschi valoriza pequenos detalhes como a constante troca de olhares entre os guitarristas Ronnie Wood e Keith Richards, os flertes entre Jagger e a backing vocal, e a presença discreta do baterista Charlie Watts tocando (como um “gentleman”) no fundo do palco. É tecnicamente perfeito, mas como documentário o filme deixa um pouco a desejar. Há algumas interrupções mostrando entrevistas antigas da banda ao longo da carreira, geralmente respondendo à mesma pergunta (“quanto tempo vocês ainda pretendem fazer isso?”), mas o filme é centrado no show mesmo. Assim, não espere ver muito da banda na intimidade. Em termos de filmes de rock eu prefiro Pink Floyd Live at Pompeii, ou The Song Remains the Same do Led Zeppelin, ou Rattle & Hum, do U2. E achei a seqüência de músicas um pouco pesada demais. São duas horas seguidas de sucessos tocados a todo volume pela banda original mais backing vocals, um grupo de metais, percussão e a presença de convidados como Jack White (que não conheço e, francamente, não está à altura da apresentação), o bluesman Buddy Guy (dando um show) e até Christina Aguilera (correta). O filme não tem muito do “toque” de Scorsese, mas certamente é extremamente bem feito e captura a energia aparentemente sem fim desta banda.

Mais sobre Scorsese e sua obra em meu mini documentário:

sábado, 10 de maio de 2008

Cururueiros - Os Repentistas Paulistas


O Cine Paradiso, em Campinas, exibe hoje o documentário "Cururueiros - Os Repentistas Paulistas", produzido pelas jornalistas Cleide Elizeu, Inaiana Vicentin e Renata Oliveira. O documentário foi realizado como projeto de conclusão de curso de jornalismo da PUC-Campinas, em 2007, e foi gravado nas cidades de Piracicaba, Votorantim e Sorocaba, no Médio Tietê Paulista. A edição e arte do documentário foi feita por João Solimeo.


Cururu é uma manifestação folclórica do interior paulista em que cururueiros (repentistas) e violeiros desafiam uns aos outros na forma de música e versos, seguindo regras pré estabelecidas e rimas específicas. Os artistas cantam na forma do "Sagrado" (baseado em histórias religiosas) e do "Profano", mais popular. O documentário mostra entrevistas com cururueiros e violeiros da região como Cido Garoto, Jonata Neto, Natalino, entre outros, assim como apresentações musicais e a influência do cururu na região. O video também levanta a questão da continuidade da tradição do cururu no interior paulista e sua sobrevivência frente à cultura de massa e influências entrangeiras. Representantes da nova geração do cururu são apresentados e garantem que a tradição vai continuar.

Direção, roteiro e produção:
Cleide Elizeu, Inaiana Vicentim, Renata Oliveira
Edição e arte:
João Solimeo
Fotografia:
Marco Doretto
No Cine Paradiso, Rua Barão de Jaguara, 939, Centro, Campinas
10 de maio, 14 hs.
Entrada: R$ 2,00

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Vênus




O primeiro papel no cinema de Peter O´Toole foi no épico “Lawrence da Arábia” (1962), de David Lean. O´Toole deu a interpretação de sua carreira, que foi seguida de uma série de sucessos e de outras grandes atuações, mas nunca recebeu o Oscar de Melhor Ator. Alguns anos atrás ele recebeu um prêmio honorário da Academia, o que não é a mesma coisa. Em 2007, aos 75 anos, O´Toole foi novamente indicado (e novamente derrotado) ao prêmio por sua brilhante interpretação em “Vênus”, um bom filme dirigido em 2006 por Roger Michell. Não deixa de ser chocante ver o efeito dos anos nas feições do antigo Lawrence da Arábia. O´Toole exibe as marcas da idade em seu rosto, sua voz e no modo de andar. O “consolo” é que tudo isso é perfeitamente adequado ao papel que ele está interpretando, Maurice, um velho ator que passa seus dias indo ao teatro e na companhia de velhos amigos. Um deles é Ian (Leslie Phillips, ótimo), a própria definição do “velho rabugento”. Ian também foi um ator de sucesso modesto e que está ansioso com a notícia de que uma sobrinha de 19 anos virá morar com ele. Ian tem fantasias de que a sobrinha Jessie será uma espécie de enfermeira particular, cuidando dele e fazendo suas vontades, mas a realidade é bem diferente. Jessie (Jodie Whittaker) é a típica adolescente revoltada e insolente, que não liga para o tio e o trata mal.

Mas Maurice sente uma inesperada atração pela atitude da garota e começa a usar do seu velho charme para conquistá-la. Ian pergunta a Maurice, indignado: “o que você faz com ela, na sua idade?”. E Maurice responde simplesmente “algo muito difícil... eu a trato bem”. De fato, a relação entre Maurice e Jessie não é inteiramente platônica... há um subtexto sexual ocorrendo o tempo todo, mas é fato que a idade avançada de Maurice não permite que nada muito físico ocorra. Assim, Maurice passa as tardes levando Jessie ao teatro e a jantares, onde Jessie descobre que ele é razoavelmente famoso. Ele também lhe arruma um emprego como modelo (nua) em uma classe de desenho, mas ela não permite que ele a veja. Maurice começa a chamá-la de “Vênus” depois de levá-la ao museu de arte para ver o quadro de mesmo nome de Diego Velázquez. A garota não tem maturidade para entender os motivos do interesse de Maurice, mas claro que gosta da atenção e, em alguns momentos, permite certas liberdades da parte dele, como deixar que ele beije seu pescoço ou segure suas mãos. Estas cenas (um velho de 74 anos e uma garota de 19) podem soar “impróprias” mas são feitas com muita sensibilidade. Maurice claramente foi um ator belo e desejado na juventude (assim como Peter O´Toole), e a figura de Jessie lhe trás de volta velhos desejos. Jessie (que teve um filho abortado recentemente) não está acostumada a ser bem tratada por ninguém, muito menos por homens.

Vale notar também a presença de Vanessa Redgrave, maravilhosamente “real” e idosa, como a ex-esposa de Maurice. Eles ainda cultivam uma amizade antiga, mas ela guarda certo ressentimento pelas aventuras amorosas que Maurice teve nos tempos de juventude. Há uma bela cena entre os dois em que Maurice demonstra arrependimento pelo que fez. Peter O´Toole está magnífico nos pequenos detalhes de seu personagem e em seu claro declínio físico. O filme não tem ilusões com relação à velhice e também mostra o lado “ruim” (ainda que natural) da idade, como embaraçosas consultas a médicos, problemas físicos e a presença inevitável da morte. O filme está em DVD.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Um Beijo Roubado

Não conheço os filmes do chinês Wong Kar Wai. Sei que é um diretor famoso e que estou em dívida com ele, mas o fato é que não vi seus filmes. Assim, ao entrar no cinema para assistir a seu primeiro filme em inglês, "Um Beijo Roubado" (ou "My Blueberry Nights", no original), não sabia o que esperar. O elenco sem dúvida foi um atrativo; Jude Law interpreta um inglês que é dono de um "café" em Nova York. Ele não se lembra direito do nome dos clientes, mas lembra do que eles gostam de comer e tem um jarro com várias chaves deixadas no balcão. Ele não as joga fora porque não quer ser "responsável por certas portas ficarem fechadas para sempre". Uma dessas chaves pertence a uma moça chamada Elizabeth (interpretada pela cantora Norah Jones, em seu primeiro filme), que acabou de ser trocada pelo namorado por outra mulher. Ela passa a freqüentar o café todas as noites para comer um pedaço de torta de blueberry (uma espécie de amora), que quase nunca é escolhida pelos clientes. Um noite ela parte de Nova York e começa uma viagem Estados Unidos adentro, trabalhando como garçonete em várias cidades e, de vez em quando, escrevendo cartas para Jude Law contando suas aventuras.

O filme é sempre interessante, mas sua estrutura fragmentada não funciona muito bem. Há uma série de boas histórias em Um Beijo Roubado que provavelmente dariam filmes melhores se fossem desenvolvidas sozinhas. Elizabeth encontra pelo caminho Arnie, um policial alcoólatra interpretado pelo ótimo David Strathairn (de "Boa noite, boa sorte") que ainda é apaixonado pela ex-mulher (Rachel Weiss). Weiss está ótima e ela recita um longo monólogo sobre como conheceu Arnie que vale a pena ver. Em Nevada, Elizabeth conhece uma jogadora compulsiva chamada Leslie, interpretada surpreendentemente bem por Natalie Portman. Ela está radiante, sexy e longe de seu tipo "boa moça" que costuma interpretar. Leslie arrasta Elizabeth até Las Vegas em uma seqüência que me lembrou um pouco Thelma & Louise, e há até uma insinuação leve de que pode haver algo mais do que apenas amizade entre as duas. Leslie está tentando ensinar Elizabeth a ser menos ingênua e a confiar menos nas pessoas, e Elizabeth tenta fazer o contrário com Leslie. Enquanto isso, em Nova York, Jude Law claramente se apaixonou por Elizabeth e tenta entrar em contato com ela de várias formas, sem sucesso (Elizabeth não coloca remetente nas várias cartas que escreve?).

O estilo de direção de Kar Wai me incomodou um pouco. A fotografia é bonita e o filme tem um clima sofisticado, mas há várias interferências digitais na imagem que não têm muita função a não ser estilo. A edição é interessante, mas em alguns momentos é como se o editor estivesse deslumbrado com recursos "baratos" da ilha de edição, como fusões de imagem e alguns efeitos. A música, claro, é cantada por Norah Jones, que é irregular como atriz. Há um certo clima de "teatro filmado" em grande parte do filme e, francamente, me surpreendi com a afirmação nos créditos de que a produção teria sido feita em locações pelos Estados Unidos. Todas as cenas no café de Jude Law, por exemplo, parecem feitas em estúdio.

O título brasileiro acaba explicando uma cena que acontece na primeira parte do filme e que é muito sutil e bonita. O problema é que ela se repete desnecessariamente no final e acaba perdendo a força. Como romance é um filme interessante, apesar de irregular. Resta agora ir atrás dos filmes anteriores de Wong Kar Wai para entender porque ele é tão comentado.




segunda-feira, 5 de maio de 2008

Hollywoodland

Boa opção em DVD é o filme “Hollywoodland”, de Allen Coulter. O filme é uma mistura de fatos reais com ficcionais e conta a história trágica de George Reeves (Ben Affleck), ator que aparentemente cometeu suicídio em 1959. O primeiro papel de Reeves no cinema foi no filme “...E o Vento Levou” (1939), com Clark Gable e Vivien Leigh, e esperava seguir carreira de sucesso. Mas a competição em Hollywood era acirrada e, com o crescimento da televisão na década de 50, Reeves sobrevivia de pequenas pontas na telinha até que emplacou no papel principal na série “Superman”. Ele odiava ter que vestir a roupa e a capa do “homem de aço”, mas ele se tornou um sucesso entre as crianças e era reconhecido nas ruas pelo papel. Hoje é comum atores trabalharem tanto na TV quanto no cinema, mas na época havia uma separação clara entre as duas mídias. Reeves, deprimido, teria se matado com um tiro na cabeça em 1959.

O filme começa com o suicídio e acompanha a carreira de um detetive de segunda classe chamado Louis Simo (Adrien Brody), que é contratado pela mãe de Reeves para investigar sua morte. A reconstituição de época é muito boa e mostra os dois mundos que havia em Hollywood na época: o aparente glamour dos astros e produtores que freqüentavam nightclubs famosos como o “Ciro´s”, e o lado “B” deste mundo, composto por aspirantes a estrelas que faziam de tudo para aparecer e conseguir um lugar entre os astros. O interessante é que há uma semelhança entre Reeves e Simo. Vemos cenas em flashback de Reeves tentando alcançar a fama usando de “truques” como sair em fotos com Rita Rayworth e outras estrelas; Simo usa de artifícios semelhantes (como sair em fotos com a mãe de Reeves) para chamar atenção sobre si. O personagem de Simo é fictício, mas há de fato várias teorias de que a morte de Reeves não tenha sido provocada por ele mesmo. Reeves se tornou amante de Toni Mannix (Diane Lane), esposa de um dos chefões da MGM (interpretado pelo ótimo Bob Hoskins). O caso era conhecido e Reeves era praticamente sustentado pela amante, que lhe comprou uma casa em Hollywood e tentou ajudá-lo em sua carreira no cinema. O problema é que a fama de “Superman” começou a atrapalhar. As pessoas viam Reeves na tela e faziam piadas sobre o homem de aço, o que fez com que ele fosse cortado de “A um passo da Eternidade”, por exemplo.

A escolha de Ben Affleck para interpretar Reeves foi acertada. Assim como o interpretado, Affleck é um ator que, apesar do “charme”, é claramente limitado. “Hollywoodland” tem produção e elenco de uma grande produção, mas passou em branco nos cinemas. Mas é um bom filme para se assistir com calma em DVD. Quanto a George Reeves, há quem diga que ele sofreu a “maldição de Superman”, que deu final trágico a vários dos que se associaram ao personagem. Anos depois, outro ator que o interpretou (e que tinha um nome bem parecido), Christopher Reeve, sofreu um acidente de cavalo que o deixou paralisado e o levou à morte em 2004.

sábado, 3 de maio de 2008

Não estou lá


Robert Allan Zimmerman. Cantor de música folk. Ativista político. Gênio. Fraude. Rock star. Pastor evangélico. Arrogante. Bob Dylan. Estou falando da mesma pessoa? Foi este o desafio que o diretor Todd Haynes enfrentou ao querer filmar a biografia de Dylan, uma "metamorfose ambulante" que desafiou todos os rótulos que quiseram lhe colocar. A solução encontrada por Haynes foi audaciosa mas bem sucedida: contratou seis atores diferentes para interpretar as várias fases (reais ou imaginárias) da vida de Bob Dylan. Detalhe: nenhum deles é chamado de "Bob Dylan" durante o filme, mas por nomes diferentes. Há um garoto (negro) de 11 anos interpretado por Marcus Carl Franklin. Christian Bale interpreta Dylan em duas fases, como "Jack Rollins" ele é Dylan em sua fase de música folk mais tradicional; como o "Pastor John" ele interpreta Dylan como um pastor evangélico. Ben Whishaw empresta o nome do poeta "Arthur Rinbaud" em uma entrevista. Richard Gere é "Billy the Kid" em uma fase imaginária da vida de Dylan em um cenário de faroeste. Heath Ledger (que morreu recentemente de overdose de remédios) interpreta um ator de cinema chamado "Robbie Clark" que, vejam a ironia, está fazendo um filme sobre um cantor chamado Jack Rollins (o personagem de Christian Bale). E há Cate Blanchett em uma interpretação maravilhosa como Jude Quinn, que representa a fase "elétrica" de Dylan, quando ele deixou a guitarra acústica e entrou de cabeça no rock ´n roll, o que desapontou (e enfureceu) seus fãs tradicionais. Blanchett, ironicamente, é quem está mais parecida com o Bob Dylan original. Há vários videos no YouTube (como este) que mostram Dylan nesta fase...vejam como Blanchett conseguiu pegar seu tom de voz, maquiagem e maneirismos perfeitamente.

"I´m not there" não foi feito para esclarecer a vida de Dylan. Pelo contrário, é possível que se saia do cinema ainda mais confuso sobre sua biografia. Como filme, os episódios vividos por Cate Blanchett e por Heath Ledger são os melhores. Como já disse, Blanchett se transforma em Dylan e nos mostra seu lado mais "estrela"; ele usa drogas, bebe, é arrogante e cruel com os jornalistas e com as mulheres com quem teve algum relacionamento. É também um artista em luta com os próprios fãs, que não o perdoam por ter deixado de lado a música acústica de protesto para se "vender" para o rock ´n roll. Já Ledger mostra um lado mais humano do personagem. Ele tem um romance atribulado com uma bela artista francesa com quem tem duas filhas. Mas o casamento desmorona por causa de sua carreira e a esposa pede pelo divórcio, o que o separa das filhas.

Para conhecer mais sobre o Bob Dylan "real", há dois bons documentários que devem ser vistos: "Don´t look back", de 1967, mostra Dylan em uma turnê em sua fase mais arrogante e encrenqueira. Martin Scorsese, em 2005, lançou "No Direction Home", um documentário mais abrangente sobre a vida e a obra de Dylan.


sexta-feira, 2 de maio de 2008

Homem de Ferro

Quando Robert Downey Jr. foi escolhido para interpretar o papel principal em "Homem de Ferro", muitos acharam a escolha estranha. Downey é um grande ator, mas seus filmes de adolescente já se passaram faz tempo e, com Tobey Maguire (o Homem Aranha) na cabeça, não achei que ele serviria. Não só estava enganado como pode-se dizer que Robert Downey Jr. é dos bons motivos para ir ver este filme.

Downey interpreta Tony Stark, um playboy milionário que herdou do pai uma lucrativa fábrica de armas de última geração, que ele comanda de jatinhos particulares e mesas de cassino. Belas jornalistas o perseguem com perguntas embaraçosas sobre ética e moral, mas ele se livra delas levando-as para passar uma noite em sua casa luxuosa em Malibu. Acontece que Stark vai fazer uma demonstração de mais uma de suas armas no Oriente Médio quando é sequestrado por um grupo de terrroristas. Ele quase morre durante o sequestro e sua vida depende de uma máquina que mantém estilhaços fatais longe do seu coração. Os terroristas exigem que ele lhes construa um míssil mas, com a ajuda de outro prisioneiro, Stark cria uma primeira versão de um "homem blindado" e consegue escapar.

De volta aos Estados Unidos, Stark muda de opinião com relação a suas próprias armas e, para desespero de seu sócio Obadiah (Jeff Bridges), declara que vai parar de fabricá-las e se dedicar a algo mais construtivo. Aos poucos, e usando de sua habilidade natural para invenções, ele constrói versões cada vez melhores do seu "Homem de Ferro" que, quando terminado, é capaz de voar a velocidades supersônicas, disparar mísseis, fugir de aviões, etc. "Homem de Ferro" é mais uma criação da fábrica de mitos da Marvel e de Stan Lee (que também criou o Homem Aranha e os X-Men, entre dezenas de outros heróis). Ele pertence à classe de heróis que não têm superpoderes mas que compensam isso criando acessórios sofisticados. O filme, dirigido por John Fafreau, é um bom exemplar da enxurrada de adaptações cinematográficas baseadas em quadrinhos que surgiu nos últimos anos. Robert Downey Jr., que na vida real está sempre metido em encrencas com a lei por causa de sua dependência de cocaína, está perfeito como o também encrenqueiro Tony Stark, mostrando um lado mais humano do personagem. Gwyneth Paltrow interpreta a fiel assistente de Stark, que tem o nome igualmente esquisito de Pepper Potts. Terrence Howard faz o papel do coadjuvante negro desnecessário, mas engraçado do filme, interpretando um coronel do exército amigo de Stark.

"Homem de Ferro" poderia ser só uma série de cenas de ação sem sentido, mas Favreau deixa espaço para os personagens respirarem e há muitos momentos de humor. Os efeitos especiais são da especialista Industrial Light and Magic e são muito bons. A trilha sonora, infelizmente, é um ponto fraco. Há o uso curioso de clássicos do rock como "Back in Black", do AC/DC, abrindo o filme e, claro, da música "Iron Man" do Black Sabbath, que foi muito usada durante os trailers e na campanha publicitária. Mas senti falta de uma trilha sonora orquestral mais vibrante e presente. Atenção: há uma cena extra escondida ao final dos créditos do filme que já mostra uma possível seqüência. Não saia do cinema antes do filme realmente terminar.