quarta-feira, 30 de abril de 2008

GATTACA


Esses dias revi Gattaca, esta inteligente ficção-científica escrita e dirigida por Andrew Niccol em 1997. Niccol é o competente roteirista por trás de "O Show de Truman", dirigido por Peter Weir em 1998, que tratava de um reality show que acompanhava a vida inteira de um rapaz (Jim Carrey) sem que ele soubesse. Niccol se dedica a tocar na ferida de certos aspectos da nossa sociedade, como a exposição da mídia (em "O Show de Truman" ou em "SIMONE", escrito e dirigido por ele), ou as consequências do comércio de armas (em "O Senhor da Guerra", com Nicholas Cage, roteiro e direção de Niccol). Em "Gattaca", Niccol imaginou uma sociedade em que, segundo uma frase do próprio roteiro, a discriminação foi levada ao nível da ciência. O código genético não só já foi todo desvendado como os pais podem encomendar os filhos segundo as maiores probabilidades de sucesso físico e mental. Os membros desta nova geração são chamados de "válidos" e, por força do próprio código genético, têm lugar garantido nos melhores postos da nova sociedade. As crianças geradas no modo tradicional são chamadas de "filhos de fé", "filhos do amor" ou, mais preconceituosamente, de "inválidos". A eles são destinados os postos de faxineiros e outras ocupações "menores", a não ser que haja um modo de burlar o sistema.

É aqui que entra Vincent (Ethan Hawke), um "inválido" que desde criança sonhava em trabalhar em GATTACA, a empresa responsável por enviar astronautas para o espaço. O nome GATTACA foi criado por Niccol a partir das bases do DNA, Guanina, Timina, Adenina e Citosina. Todos os funcionários, ao entrar na firma, têm que colocar o polegar em um identificador que tira uma gota de sangue e analisa o DNA. Para enganar o sistema, uma terceira classe de indivíduos existe nessa sociedade; eles são chamados de "escadas emprestadas", fraudadores que usam amostras de sangue, tecido, unhas, urina e qualquer outra forma de identificação genética de outras pessoas. Vincent usa a identidade de um antigo nadador chamado Jerome Morrow (Jude Law, no papel que o revelou no cinema). Jerome tentou se matar após pegar "apenas" segundo lugar em uma competição no exterior, mas acabou em uma cadeira de rodas. Ele vive escondido da sociedade e "empresta" (aluga, na verdade) seu material genético para Vincent, que usa pontas de dedo falsas, por exemplo, para enganar os identificadores genéticos de GATTACA. No início do filme vemos como Vincent limpa impecavelmente sua estação de trabalho para tirar os seus traços genéticos. Ao mesmo tempo ele discretamente espalha fios de cabelo e pedaços de unha de Jerome pelo local. O esquema está funcionando bem e Vincent, por seus próprios méritos (apesar do código genético "inferior"), vai subindo de posição na empresa e é o selecionado para a próxima missão a Saturno. O problema é que, mesmo nesta sociedade "superior", um brutal assassinato acontece em GATTACA e uma investigação cuidadosa é iniciada. Será que Vincent vai conseguir enganar até a polícia e seus métodos de investigação cuidadosos?

O filme tem orçamento relativamente baixo mas é muito inteligente no uso de cenários (a escada do apartamento de Jerome, por exemplo, lembra uma dupla hélice de DNA), no figurino "retrô" baseado nos filmes de detetive, no roteiro inteligente e no elenco que inclui Uma Thurman, Alan Arkin e Gore Vidal. Niccol levanta questões relevantes nessa sua parábola tecnológica. Até que ponto o mundo proposto por ele é plausível? Já há hoje uma espécie de "seleção genética" que discrimina pessoas apenas pela aparência, idade, porte físico e cor da pele. Empresas realizam processos de seleção cada vez mais elaborados que incluem o estudo da grafologia (o modo de escrever), dinâmicas de grupo, jogos, entrevistas e, sim, um exame médico completo. O que as impedirá de, em um futuro próximo, selecionar (ou discriminar?) pela informação genética? Niccol também levanta pontos interessantes sobre o determinismo. Uma pessoa bem nascida, portadora de um código genético "perfeito", tem garantia de ser uma pessoa bem sucedida? E quanto à força de vontade? Ela existe ou também pode ser meramente genética?

É um filme extremamente inteligente que pode render várias leituras. É interessante notar certos detalhes que Niccol acrescentou ao roteiro. Jerome, em sua cadeira de rodas, se considera um "inválido" mas empresta seu código genético "válido" para Vincent (que é visto como "inválido pela genética). Há também uma história paralela envolvendo um irmão de Vincent que foi criado geneticamente e, assim, seria "superior" a ele. Mas ele não consegue vencer Vincent em uma prova de natação no mar. Interessante notar que Jerome, quando ainda era atleta, era justamente um nadador e agora é praticamente um "irmão" de Vincent.

O filme foi lançado recentemente em DVD duplo e imagem restaurada. Recomendo também os outros filmes de Niccol citados acima (apesar de "SIMONE" ser fraquinho). Niccol nos faz pensar como poucos nos dias de hoje.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Irina Palm



eufemismo
eu.fe.mis.mo

sm (gr euphemismós) Figura de retórica pela qual se suavizam expressões tristes ou desagradáveis empregando outras mais suaves e delicadas. Ex: Este trabalho poderia ser melhor (em vez de está ruim).

Em uma cena de “Irina Palm”, é usando de um “eufemismo” que o personagem Miki explica para uma respeitável senhora o que o trabalho de “atendente” implica. E desconfio que para escrever este texto eu também terei de usar de vários eufemismos. Maggie (interpretada por Marianne Faithfull) é uma senhora inglesa tradicional. Viúva, é dedicada ao filho único Tom (Kevin Bishop), sua nora Sarah (Siobhan Hewlett) e ao neto querido, Ollie (Corey Burke). O problema é que Ollie se encontra internado no hospital sofrendo de uma doença grave e fatal. Se ele não receber um tratamento novo desenvolvido na Austrália, ele morrerá. O tratamento é gratuito, mas como pagar os altos custos de transporte e estadia do outro lado do mundo? Maggie tenta um empréstimo no banco, mas é recusada. A mesma resposta negativa recebe de uma agência de empregos. Andando pelas ruas de Londres, ela se depara com uma oferta de “atendente” em um clube privado, acreditando se tratar de trabalho de limpeza. O dono do clube é Miki (Miki Manojlovic, que eu achei muito parecido com o falecido Walter Matthau), que explica o “eufemismo” do início do texto. Maggie é obviamente muito velha para trabalhar como prostituta, mas Miki nota que ela tem mãos muito macias e suaves, que seriam apropriadas para determinado tipo de “trabalho manual”. A princípio Maggie se recusa, mas como conseguir levantar as seis mil libras necessárias para salvar a vida do neto?
“Irina Palm” é dirigido por Sam Garbarski de forma ao mesmo tempo chocante e suave. Não há como não sentir certo horror à situação proposta pelo roteiro, mas o filme usa de ângulos criativos para esconder o “ato” em si (mas não foge dele). Maggie tem como “professora” uma jovem chamada Luisa (Dorka Gryllus, excelente) que, pragmática, explica como se deve apertar o botão vermelho e aguardar que o próximo cliente coloque o “membro” por um buraco na parede, como lubrificar as mãos, e assim por diante. Bizarro? Sem dúvida, mas mais bizarro ainda é imaginar que lugares como este existam, e que provavelmente a pessoa do outro lado da parede não seja nenhuma top model, mas uma senhora como Maggie. Enojada de início, Maggie aos poucos vai se mostrando uma “expert” no trabalho e começa a atrair mais e mais clientes. Enquanto isso, suas amigas de carteado e sua família ficam imaginando onde é que ela passa as tardes.
Justiça seja feita à Marianne Faithfull e à sua brilhante interpretação. E não deixa de ser chocante vê-la hoje, com mais de sessenta anos, e comparar com o símbolo sexual que ela era nos anos 60. Ela passa uma determinação e carisma que fazem com que seu personagem se torne crível e interessante. Em um filme com tema menos polêmico ela provavelmente teria recebido uma indicação ao Oscar pelo trabalho. Miki Manojlovic, como o dono do clube, também faz um ótimo trabalho como um homem de negócios seco e direto que, aos poucos, vai se dobrando diante da determinação de Maggie. Mas o roteiro tem seus problemas. A justificativa para a nova “profissão” de Maggie é a doença de seu neto, e os primeiros minutos de filme passam a informação de que ele deve ser tratado urgentemente. O problema é que quando Maggie consegue o dinheiro necessário para as despesas adiantado, esta urgência como que desaparece. Os pais do menino, ao invés de comprarem imediatamente as passagens para a Austrália e partirem, ficam “enrolando” sem motivo e o tempo vai passando.
Não é um filme fácil e, sem dúvida, ele se equilibra em uma linha fina entre o bizarro e o dramático. Mas há espaço até para o humor em algumas situações passadas por Maggie (como quando ela resolve decorar sua cabine como se fosse sua casa) e boas atuações do elenco.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Apenas uma Vez (Once)


Apenas uma vez” (Once - Irlanda - 2006) é um delicioso filme musical irlandês feito com apenas 160 mil dólares, usando atores amadores e câmeras digitais, pelo diretor John Carney. Em várias partes tem-se a sensação de se estar assistindo a um documentário passado em Dublin sobre um músico de rua que conhece uma imigrante tcheca. Ele é interpretado pelo músico Glen Hansard, que em 1991 fez parte da banda fictícia “The Commitments” no ótimo filme de mesmo nome dirigido por Alan Parker (de The Wall, veja resenha abaixo). A moça é interpretada pela música tcheca Marketá Irglová. Os dois se conhecem em uma rua cheia de pedestres de Dublin. A equipe de filmagem gravou tudo sem permissões oficiais ou barreiras separando atores do público. Assim, os pedestres que vemos na rua são todos “reais” e, de vez em quando, pode-se ver alguns deles olhando para a câmera. Hansard e Irglová não são atores profissionais, mas estão muito naturais em seus papéis, talvez porque sejam bem próximos deles na vida real. As músicas tocadas no filme foram todas compostas e cantadas por Glen Hansard e Irglová, que já se conheciam antes e já compuseram juntos.

O diretor John Carney é o baixista da banda irlandesa “The Frames”, liderada por Hansard, e teria pedido originalmente ao ator Cillian Murphy (de “Batman Begins”) para interpretar o músico de rua. Quando Murphy pulou fora o filme perdeu os financiadores e Carney pediu que Hansard fizesse o papel. Na minha opinião tanto Hansard quanto Irglová estão ótimos como o músico de rua e a imigrante. Os dois, curiosamente, não têm os nomes revelados ou ditos durante o filme, fato que só fui notar nos créditos finais (que os chama simplesmente de “guy” e “girl”).

No filme, Hansard faz um músico de rua que compõe canções de amor para a ex-namorada, que o traiu com um amigo e partiu seu coração. Ele voltou para Dublin e mora com o pai, que tem uma loja que conserta aspiradores de pó. Uma noite ele está tocando uma de suas canções e atrai a atenção de Irglová, que gosta da música e começa a conversar com ele. Ela trabalha vendendo flores na rua e fazendo serviços diversos, mas toda semana também toca piano em uma loja de instrumentos musicais. Hansard e Irglová vão a esta loja, começam a tocar e um daqueles momentos “mágicos” acontece: os dois se descobrem tanto como parceiros musicais quanto como amigos, e cantam juntos a música “Falling Slowly”, que venceu o Oscar de Melhor Canção no início deste ano. Este é daqueles filmes que trata da delicada relação entre amor e amizade entre homens e mulheres. O músico de rua e a imigrante são claramente “almas gêmeas” e foram feitos um para o outro, mas como transformar amizade em amor sem estragar a amizade? Uma coisa não deveria ser continuação da outra? Claro que nada é tão simples e em alguns momentos “Apenas uma vez” lembra o ótimo filme “Encontros e Desencontros”, de Sofia Coppola, em que um homem mais velho e uma garota gostam um do outro, têm afinidades e atração mútua, mas hesitam em partir para algo físico. Teria o fato do sexo ser hoje tão “acessível” complicado as relações amorosas?

O caso é que a garota também está saindo de um amor do passado e ambos acabam se aproximando musicalmente. Ele decide que vai voltar para Londres em busca da ex-namorada e atrás de uma carreira musical, e os dois vão para um estúdio gravar algumas canções. Quem já esteve em um estúdio de gravação ou edição sabe o trabalho que dá gravar, mas também conhece a satisfação de ver um trabalho pronto (seja um CD ou um curta metragem, por exemplo) depois de longas horas de dedicação. Alguns momentos (como a seqüência em que Hansard está cantando e assistindo vídeos da ex-namorada) são um pouco longos, e algumas músicas poderiam ser mais curtas, mas o filme é bastante tocante e gostoso de se ver. Os atores amadores são uma revelação e o toque “caseiro” da produção é bem vindo e apreciado. E o filme prova novamente que, com um bom roteiro (e um bom trabalho de som) a imagem digital pode render bom cinema, desde que feito com talento. Visto no Cine Jaraguá, em Campinas.

domingo, 20 de abril de 2008

Rescue Dawn (O Sobrevivente)


O diretor Werner Herzog é famosos tanto por seus trabalhos de ficção quanto por seus documentários. Há sempre uma linha tênue separando um gênero do outro. Quando ele embarcou para a Amazônia para filmar tanto “Aguirre” (1972) quanto “Fitzcarraldo” (1982) havia pouca diferença entre o que atores estavam passando na tela e o que a equipe estava sofrendo no set de filmagem. Há inclusive lendas de mortes ocorrendo entre as centenas de figurantes em ambos os filmes, e seu “alter ego” Klaus Kinski se entregava de corpo e alma aos papéis.

Herzog se juntou agora a Christian Bale, este jovem e talentoso ator inglês, que interpreta Dieter Dengler, um alemão que se naturalizou americano para pilotar aviões na Força Aérea. Dengler é enviado em uma missão secreta ao Laos em 1966, é abatido e colocado em um campo de prisioneiros. O curioso é que o primeiro filme de Bale, “Império do Sol” (1987), de Steven Spielberg, também tratava de um prisioneiro de guerra, o escritor J.G. Ballard, que passou alguns anos de sua infância em um campo de prisioneiros na China, na II Guerra Mundial. Curiosa também é a história que Dengler conta a seus companheiros, sobre o porquê dele ter se tornado piloto. Quando era criança, na II Guerra, Dengler viu um caça voando baixo em sua direção e disparando suas metralhadoras. Ele fez contato visual com o piloto e ficou fascinado: tinha que se tornar um piloto um dia. A história se parece muito com uma cena de “Império do Sol” em que o garoto Jim, fascinado por aviões, sobe em um dos prédios do campo e fica gritando e acenando para os caças americanos.

Escrito e dirigido por Herzog, “Rescue Dawn” (que tem o título bobo e revelador brasileiro “O Sobrevivente”) é um ótimo filme de prisioneiros que consegue ser bem sucedido em escapar dos clichês normalmente encontrados no gênero. Filmado na Tailândia, o filme é extremamente realista e o elenco está excelente. Bale é famoso por se entregar completamente a seus papéis, e de fato ele carrega o filme. Entre os outros prisioneiros que ele encontra no campo está Eugene (ninguém consegue fazer o papel de louco como o sempre fascinante Jeremy Davies) e o inseguro Duane (Steve Zahn), que estão presos há mais de dois anos. Oficialmente os americanos nem deveriam estar ali (a Guerra do Vietnam ainda não havia começado), então suas chances de libertação são pequenas. Dengler começa a bolar planos de fuga desde o primeiro dia, mas ele tem que esperar a chegada da época das chuvas e lidar com os guardas do campo (que têm apelidos como “Pequeno Hitler”, “Cavalo Louco”, “Walkie-talkie” e “Jumbo”), além da desconfiança de Eugene. Os vietcongs estão sempre tão famintos e desesperados quanto os prisioneiros, então há maus tratos e abusos, mas o filme não é sádico a ponto de ficar explorando muito isso. O plano de fuga é mostrado metodicamente e o suspense aumenta conforme a data marcada para escapar se aproxima. Enquanto isso, há cenas muito boas como a do aniversário de Dengler no campo, ou o ritual dos prisioneiros famintos de ficar descrevendo o que haveria dentro da geladeira ideal deles.

Como descrita por um dos personagens, a verdadeira prisão, na verdade, é a própria selva. Ela é tão fechada que em algumas cenas pode-se perceber a dificuldade dos atores (e da câmera) em cruzar poucos metros. Soube que Herzog já contou esta história na forma do documentário “Little Dieter Needs to Fly”, de 1997, que não assisti. Seria interessante poder comparar as duas versões, a “real” e a “ficção”. O final do filme, com os soldados em festa, me pareceu um pouco satírica. A Guerra do Vietnam começaria logo e duraria longos anos, custando a vida de milhares de jovens como Dieter, e milhões de asiáticos.
Trailer:

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Jumper

Para uma segunda feira à noite, chovendo e com cinema em promoção, "Jumper" não é de todo ruim. Claro que não dá pra levar a sério o roteiro, e a interpretação do elenco está sofrível. O diretor é Doug Liman, do celebrado "A Identidade Bourne", um dos melhores filmes de espião dos últimos tempos.

Mas, repito, o filme não é assim tão ruim. A premissa me lembrou muito um filme "B" dos anos 80 que acabou se tornando "cult" (e gerou péssimas continuações), "Highlander, O Guerreiro Imortal", dirigido em 1986 por Russel Mulcahy. "Highlander" tratava da história absurda de que havia no mundo uma classe especial de "guerreiros" que seriam imortais (a não ser que tivessem as cabeças cortadas), e cujo objetivo na vida seria se tornar o último Highlander vivo. O roteiro era bem ruinzinho, mas a direção criativa e o ótimo uso da edição de imagens (com algumas das melhores transições do cinema) e da trilha sonora do Queen garantiram a longevidade da fita.

A trama de "Jumper" me pareceu semelhante. O filme acompanha a história de David Rice (Hayden Christensen, bonitinho mas sofrível como seu Anakin Skywalker da série Star Wars), um garoto que era o "nerd" na escola e que descobre, um dia, que pode se teletransportar. No início ele não tem muito controle. O dom salva sua vida quando ele cai acidentalmente dentro de um rio congelado, e em seguida o livra de um confronto com o pai, mas David não sabe direito quais os limites do seu poder. Aos poucos ele vai pegando o jeito e começa a usar do teletransporte para invadir cofres de bancos e roubar dinheiro. Mas há um limite para seu dom: ele só pode se teletransportar para um lugar onde já esteve antes, o que não faz o menor sentido. Ele certamente nunca esteve dentro do cofre do banco, por exemplo... embora ele tenha estado perto dele, o que eu não acho que sirva.

O tempo passa e David se transforma em uma espécie de "playboy" cheio da grana, que pode tomar café no Rio de Janeiro, almoçar em Londres e dormir em Nova York em seu apartamento enorme. Com boa pinta e a carteira cheia de dinheiro ele consegue mulheres facilmente, mas seu coração pertence a uma antiga colega da escola, Millie Harris (Rachel Bilson, igualmente sofrível). Ele volta à sua cidade natal e tenta conquistar a garota levando-a para passear em Roma.

Tudo seria uma lua-de-mel se não fosse um porém: os "jumpers" têm um inimigo na forma de Samuel L. Jackson, desperdiçando seu talento interpretando um "paladino", o inimigo número um dos "jumpers". Os paladinos estariam em guerra com os jumpers desde a Idade Média.... certo? Conseguiu entender? Claro que não faz o menor sentido mas, pensando bem, não se poderia esperar muita lógica em um filme como este.

Há bons momentos. O filme se passa em vários países do mundo como Estados Unidos, Itália, China, Japão e Egito. Falando nisso, o filme repete diversas vezes o plano que mostra David em cima da Esfinge, com as pirâmides ao fundo. A cena se repete tantas vezes que vira uma espécie de piada. O diretor Liman, aparentemente, gostou das viagens que podia fazer com Jason Bourne e resolveu repetir a dose neste filme. Em alguns momentos parece que você está assistindo a algum documentário turístico. Hayden Christensen fica fazendo caras e bocas que se fazem passar por uma "interpretação", mas não convence. Há a participação enigmática de Diane Lane como a mãe de David, e Samuel L. Jackson tem seus momentos. Mas no geral o filme é uma sucessão de perseguições cheias de "pulos" de um ponto a outro do mundo.

Para uma segunda feira chuvosa, é um bom programa. Talvez seja até uma boa pedida em DVD. Mas não passa disso.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Pink Floyd - The Wall

Em 1977, o grupo inglês Pink Floyd estava em plena turnê mundial do disco "Animals", lançado recentemente. O letrista e baixista Roger Waters não estava gostando do show. A banda havia ficado famosa demais, as demandas técnicas muito específicas, o público cada vez mais barulhento e fanático. Um desses fãs estava na primeira fila gritando histericamente quando, de repente, Waters perdeu a paciência e cuspiu no rosto do rapaz. Ao sair do show, espantado com a própria atitude, Waters imaginou um conceito tão ousado quanto inédito: para representar a sensação de separação entre a banda e o público, Waters imaginou um grande muro em frente ao palco, encobrindo toda a visão da platéia. Alguns anos depois, em 1979, era lançado o disco duplo "The Wall", uma das maiores conquistas artísticas do grupo, e também um dos responsáveis pela extinção da banda em sua formação mais tradicional (este é um assunto para mais tarde). Os shows ao vivo do disco eram dos mais teatrais já imaginados no rock. Conforme as músicas iam sendo tocadas, assistentes de palco iam montando um gigantesco muro branco que ia crescendo, tijolo a tijolo, escondendo a banda do público. No meio do show o último tijolo era inserido e o isolamento da banda (e do personagem principal do disco) estava completo. O muro branco então era usado como uma tela de cinema onde eram projetadas animações produzidas pelo chargista Gerald Scarfe. O muro literalmente vinha abaixo ao final de cada show enquanto a banda, protegida por uma grade, continuava tocando sob a chuva de tijolos que caia.
O diretor Alan Parker foi convidado a dirigir a versão cinematográfica do roteiro criado por Waters enquanto Gerald Scarfe produziria seqüências animadas para completar o filme. Lançado em 1982, "Pink Floyd - The Wall" era um filme à frente do seu tempo. Antes da MTV e da era dos videoclipes, Parker e Scarfe criaram um espetáculo audiovisual para ilustrar a música perfeccionista do Pink Floyd e os conceitos fortes de Waters. Já vi o filme diversas vezes e tive a oportunidade de revê-lo no "Cine Paradiso", um tradicional cineclube que fica no centro de Campinas e que tem resistido às ameaças de fechamento há anos.



“The Wall” fala sobre um rock star chamado “Pink” (interpretado pelo músico Bob Geldof), que já está cheio. Ele não agüenta mais os shows, a vida em hotéis, as orgias nos bastidores, as drogas, as mulheres, tudo. O filme o mostra trancado dentro de um quarto de hotel em Los Angeles gradualmente perdendo a razão enquanto acompanhamos sua trajetória em flash backs. O personagem “Pink” é baseado em duas pessoas. Uma, obviamente, é o próprio Roger Waters, que não conheceu o pai morto na II Guerra Mundial. O outro é o fundador do Pink Floyd, Syd Barrett, que não agüentou a pressão do sucesso inicial da banda e, afundado em drogas, se retirou da cena artística no final dos anos 60. Barrett acabaria morrendo aos 60 anos na casa da família, onde se manteve recluso e se tornou uma figura “cult” no mundo do rock. Os flash backs de Alan Parker recriam a morte do pai de Pink na II Guerra em uma seqüência no início do filme que é revisitada várias vezes. Acompanhamos também a infância dele na Inglaterra, crescendo com uma mãe castradora e sofrendo abusos na escola. A seqüência do professor em “Another Brick in the Wall part 2” é a mais conhecida da produção, e a música chegou ao número um tanto na Inglaterra quando nos Estados Unidos na virada dos anos 70 para os 80. O refrão “we don´t need no education” se tornou um slogan em várias partes do mundo, e é freqüentemente mal compreendido. Antes que um protesto contra a educação, era um protesto contra o rigoroso método educacional inglês, que ainda permitia que os professores batessem nos alunos quando “necessário” e era contra qualquer tipo de criatividade. A música se transforma em uma seqüência fantástica em que o pequeno Pink imagina a escola como um labirinto de ratos, em que todos os alunos têm o mesmo rosto e marcham como soldados para um moedor de carne. O solo final do guitarrista David Gilmour é dos mais simples e perfeitos da história do rock.
“The Wall” deixaria Freud orgulhoso. Vemos como as experiências sofridas pelo jovem Pink acabam afetando sua vida como adulto bem sucedido financeiramente, mas um desastre pessoalmente. Há uma seqüência em que vemos o garoto interessado na vizinha que troca de roupa na casa ao lado, enquanto em uma montagem paralela vemos Pink adulto ignorando a bela esposa que tenta chamar sua atenção. Cada experiência destas é representada por mais um tijolo em um muro psicológico que o personagem vai construindo ao redor de si mesmo. É curioso também, para quem conhece a história da banda, ver como o personagem de “Pink” vai se tornando cada vez mais parecido com a personalidade difícil e autoritária de Roger Waters, conhecido por querer tudo absolutamente à sua maneira e por maltratar os parceiros de banda David Gilmour (guitarra e vocais), Richard Wright (teclado) e Nick Mason (bateria). Wright foi uma das vítimas do abuso e saiu da banda ainda durante as gravações do disco. Anos depois ele diria que não conseguia entender o conceito de distância dos fãs (é fato também que ele sofria de abuso de cocaína na mesma época). Mason se tornou um músico de estúdio e apenas David Gilmour (que mais tarde reformaria o Pink Floyd à sua maneira) oferecia algum tipo de resistência ao domínio de Waters e deu contribuições artísticas inegáveis. Gilmour foi o diretor musical do álbum e o produtor da gravação para o filme. Também compôs as faixas “Young Lust”, “Run like Hell” e “Comfortably Numb”, um ponto chave do filme: os empresários de Pink invadem o quarto destruído e o encontram desacordado, ferido e com as sobrancelhas raspadas. Um médico dá uma injeção em Pink que, com um grito de dor, acorda e é levado dopado para apresentar seu show.
É então que Pink se imagina como um ditador, e seu show vira uma espécie de comício fascista. Ele vê os fãs apenas como um bando de seguidores fanáticos e começa a fazer uma seleção racista em que judeus, negros e homossexuais são retirados à força por seus capangas e levados para o “muro”. Há quem diga que Waters levou seus medos e paranóias um pouco longe demais e que a analogia entre um concerto de rock e um comício nazista seria, no mínimo, imprópria. De qualquer forma, a cena é assustadora e fascinante, e o diretor Alan Parker diria depois que ele teve problemas em controlar a multidão de figurantes ensandecidos, muitos deles “skinheads” de verdade que não sabiam a diferença entre fantasia e realidade.
O final é composto pela animação sarcástica de Scarfe e é passado em um tribunal imaginário dentro da mente perturbada de Pink. Lá ele é julgado diante de um juiz concebido por Scarfe como um grande traseiro que literalmente fala pelo ânus. Pink escuta depoimentos dados por seu antigo professor do colégio, por sua mãe superprotetora e pela ex-esposa. Pink é considerado culpado e sentenciado ao pior dos pesadelos: ser exposto diante do mundo sem a proteção do muro que foi construindo durante a vida. No show ao vivo era o momento em que o muro vinha abaixo diante da platéia. No filme, Parker mostra o muro explodindo violentamente, tijolos voando em câmera lenta, enquanto se escuta o grito de dor de Pink.
Vinte e seis anos depois, o filme ainda resiste ao tempo e é freqüentemente estudado em escolas. A mensagem anti bélica está mais atual do que nunca e, apesar dos avanços visuais no cinema, The Wall permanece uma grande obra artística. Quanto à mensagem de Waters contra a desumanização dos concertos de rock e de ter repetido continuamente ser contra os shows em grandes estádios, ele continuou contraditório como sempre. Enquanto seus desafetos David Gilmour e Richard Wright vêm se apresentando em lugares menores e apresentando shows cada vez mais intimistas, Waters tem feito grandes turnês mundiais em que se apresenta para platéias em estádios lotados (como no Morumbi em São Paulo, ano passado). Não importa. Sua contribuição para o rock está garantida.

terça-feira, 8 de abril de 2008

All you need is love (Across the Universe)


Os Beatles. Pois é...ícones culturais, a maior banda do Universo, certo? Mas confesso que ainda não os descobri direito. Ainda. Será que estou guardando para uma fase apropriada? Claro que eu conheço Help, All you need is love, Strawberry fields forever. Eu me lembro de Joe Cocker dando uma interpretação maravilhosa para "With a little help from my friends" no Festival de Woodstock; a mesma música me faz lembrar "Anos Incríveis", Kevin, Paul e a gracinha da Winnie Cooper; "Twist and Shout" me lembra Matthew Broderick em cima de um carro alegórico, no meio de uma avenida de Chicago, comandando uma multidão como Ferris Bueller; "Helter Skelter" me lembra "Charles Manson stole this song from the Beatles...we´re stealing it back", Bono Vox no início de "Rattle & Humm".


Assim, claro que eu reconheço as canções e a importância cultural dos "quatro rapazes de Liverpool", mas não conseguiria dizer de que disco ou de que ano é determinada música. Cada coisa a seu tempo. Isso posto, acabei de assistir a "Across the Universe", o filme que provavelmente é a cereja do bolo de qualquer beatlemaníaco. Como já declarei que não sou um deles, devo no entanto dizer que gostei do filme, e reconheci a maioria das músicas, mesmo assim. Dirigido por Julie Taimor, "Across the Universe" usa as músicas dos Beatles para contar a história de um rapaz inglês chamado Jude (Jim Sturgess, que me lembrou muito Paul McCartney jovem) que atravessa o Atlântico para procurar pelo pai que ele nunca conheceu. Nos EUA ele conhece um rapaz chamado Max (Joe Anderson) que se torna seu melhor amigo. Max tem uma irmã chamada Lucy (Evan Rachel Wood), e automaticamente você fica esperando o momento do filme em que vai escutar "Hey, Jude" e "Lucy in the Sky with Diamonds". São os anos 60, há uma revolução cultural acontecendo enquanto milhares de jovens são enviados ao Vietnam para morrer. Jude, Max e Lucy vão para Greenwich Village, Nova York, morar em um daqueles apartamentos estilo "república" em que vivem artistas de vários tipos. Há Sadie (Dana Fuchs), por exemplo, uma cantora que lembra muito Janis Joplin. Saddie namora um guitarrista negro chamado Jo-Jo (Martin Luther McCoy), que apesar de não ser canhoto se parece muito e toca como um certo Jimmi Hendrix.


O filme também tem diálogos "normais", mas eles são entrecortados por vários números musicais, todos eles se aproveitando de canções dos Beatles. Há participações especiais de músicos como o citado Joe Cocker e de Bono Vox, entre outros. O mérito do filme é conseguir, através das músicas, contar uma história interessante que engloba romance e mostra o quadro político e social da época. Por vezes a diretora embarca em "viagens" um pouco exageradas na interpretação das canções que lembram um "Moulin Rouge" pobre. O filme é melhor quando as canções acontecem mais naturalmente, sem a necessidade de se criarem "videoclips".
veja Joe Cocker cantando "Come Together":

domingo, 6 de abril de 2008

Antonioni, Bergman e a Livraria Cultura

Neste sábado fui à concorrida sessão no Cinesesc na Augusta assistir a três documentários curtos sobre (e com) os mestres Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman. O primeiro se chamava "O olhar de Michelangelo" (Michelangelo Eye to Eye), um filme de 15 minutos composto basicamente por uma série de planos e contra planos entre o rosto do próprio Antonioni com detalhes de estátuas de Michelangelo. Os 15 minutos, a bem da verdade, passam como se fossem uma hora. O cinema lotado fazia silêncio enquanto o filme rodava e, quando ele acabou, seguiram-se algumas palmas esparsas pela sala. Fica complicado falar mal de um filme de Antonioni, certo? Seriam aqueles três planos repetidos do mestre italiano colocando a mão no rosto algum lance genial ou o editor não tinha mesmo outra opção? Na dúvida, então, prefiro achar que eu estava aquém do curta e não se fala mais nisso.

"O Rosto de Karin" (Karin´s Face, 1984), de Ingmar Bergman, é um pouco mais acessível, mas não muito. É basicamente um "slide show" da família de Bergman acompanhado por notas dissonantes de um piano. O foco principal é a mãe do cineasta sueco, Karin, e as fotos vão mostrando cenas de sua vida da juventude à velhice.


O terceiro documentário, "Ingmar Bergman: Intermezzo", foi o mais interessante, consistindo em uma entrevista de 40 minutos com Bergman realizada por Gunnar Bergdahl em 2002. Bergman estava com 83 anos e extremamente lúcido, e logo ao se sentar para a entrevista resolveu mudar tudo o que estava programado. Pediu que uma luz fosse jogada também no entrevistador e inverteu o jogo, perguntando a Bergdahl sobre como ele havia se envolvido com cinema, qual havia sido o primeiro filme que ele havia visto na tela grande, e se ele se considerava um "viciado" em cinema. Bergman confessou que o cinema era o único lugar em que seus "demônios" o deixavam em paz. Falou também sobre ficar velho e continuar trabalhando. Para ele, era ótimo ser produtivo e estava tudo bem enquanto ele estava só escrevendo algum roteiro ou fazendo traduções em sua casa; a dificuldade em ficar velho era durante a produção de seus filmes e peças de teatro, porque há sempre muita gente envolvida e ele tinha de prestar contas a um monte de pessoas. É um prazer ver o velho sueco falando sobre suas influências, sobre como ele passou pouco a pouco a aceitar a chegada da morte e, sempre com um olhar "maroto" no rosto, ver como ele trata bem a equipe de gravação e faz, na verdade, uma espécie de auto-entrevista.

Saindo do cinema fui até o Conjunto Nacional, na esquina da Avenida Paulista com a Augusta, e entrei na mega livraria Cultura, instalada onde funcionava o saudoso Cine Astor. Sim, doeu ver o espaço do cinema ocupado por outra coisa, mas ao menos não havia ali um bingo ou alguma atividade evangélica qualquer. Essas mega livrarias me espantam e, ao mesmo tempo, me fascinam. Há tamanha profusão de cores, cheiros, o barulho de centenas de pessoas e um ar que mistura cultura com mercadão mesmo. São Paulo tem dessas coisas. É grande, fria, complicada, implacável, assustadora mas, ao mesmo tempo, em quantos lugares do mundo você pode sair de um festival de documentários em que viu Ingmar Bergman e, em seguida, ir para uma mega livraria daquela?

Mas... havia uma sensação estranha que não podia identificar até que escutei um casal atrás de mim dizendo:

"Você vai comprar este livro?"
"Eu tenho que comprar esse livro"
"Como assim?"
"Este é daqueles livros que eu tenho vergonha de não ter lido".

Era isso! Você se encontra em meio aos Joyce, Kant, Schopenhauer, Hemingway lado a lado com os caçadores de pipas, os John Grisham, Tom Clancy, Coelho, King, livros de bolso, de arte, de poesia, de ficção científica, de auto-ajuda, de cinema, de.... e você se sente perdido. Ou, como disse a moça, você se sente culpado por todos os livros "obrigatórios" que nunca leu, pelas teorias científicas que nunca pesquisou, pelos tratados filosóficos que não pensou e assim por diante. Você até está genuinamente interessado em um livro de contos de Yukio Mishima mas, em meio a rejeições e separações você sente que talvez não seja inteligente ler um livro de um cara que se matou em um suicídio ritual cortando a própria barriga. Você compra o Nick Hornby e vai para casa feliz, por enquanto. Que tal passar no McDonald´s antes?

Como cansa ser "culto"!

sábado, 5 de abril de 2008

A Espiã


O holandês Paul Verhoeven é famoso por suas cenas de violência e sexo. Em alguns casos, cenas de ambos. É dele o já "clássico" Instinto Selvagem ("Basic Instinct), que em 1992 mostrou ao mundo a mais famosa cruzada de pernas do cinema, protagonizada por Sharon Stone. O filme não fazia o menor sentido em termos de roteiro, mas as cenas de Stone mais o suspense influenciado por Hitchcock fizeram muito sucesso. Verhoeven estreou no cinema americano com o estilizado "Conquista Sangrenta" (Flash and Blood, 1985), com Rutger Hauer e fez muito sucesso em seguida com "Robocop" (1987). Este último contém algumas das cenas mais violentas do cinema, mas era um primor em técnica (as cenas filmadas pelo ponto de vista de Robocop são brilhantes) e tinha bela trilha sonora de Basil Poledouris. Em seguida veio "O Vingador do Futuro" (Totall Recall, 1990), sobre um operário que se transforma em agente secreto e é enviado à Marte; ou será que é tudo um sonho? A história foi baseada em um conto de Philip K. Dick (de Blade Runner e Minority Report). Com essa série de sucessos no currículo, Verhoeven perdeu o rumo em uma série de fracassos, como "Showgirls" (1995, tão ruim que chega a ser cômico); "Tropas Estelares" (1997, pornograficamente violento) e "O Homem sem Sombra" (2000). Sua estrela parecia ter se apagado e ele desapareceu da cena cinematográfica americana.

Ele retorna agora com "A espiã", seu primeiro filme feito na Holanda em mais de vinte anos. O resultado é um filme bastante interessante e muito bem feito, mas com vários problemas. A atriz Carice van Houten está muito bem no papel de uma cantora judia que perde toda a família quando tenta fugir da Holanda. Ela consegue escapar milagrosamente de um massacre e começa a trabalhar para a resistência holandesa, espionando um alto oficial alemão chamado Ludwig Müntze. Bela e sensual, a garota adota o nome de Ellis de Vries e se envolve fisicamente com Müntze na tentativa de auxiliar os membros da resistência. O filme é passado na Holanda no final da Segunda Guerra Mundial e é muito bem feito, com estilo de cinema clássico e sem os efeitos especiais que fizeram Verhoeven famoso nos EUA. Carice van Houten está muito bem como Ellis e ela lembra as antigas divas da era de ouro de Hollywood. Mas este é um filme de Paul Verhoeven, o que significa que ela é vista nua em várias cenas. A direção, por vezes, é confusa. Quando a família de Ellis é massacrada em frente a seus olhos, por exemplo, ela permanece estranhamente fria e tranquila, mesmo tendo levado um tiro de raspão na cabeça. O roteiro é maniqueísta ao criar personagens "do bem" e "do mal" com quem o espectador pode se identificar (ou odiar). Falta também  uma explicação melhor sobre o passado da moça. Sabe-se que ela foi uma cantora, mas de que tipo? Ela foi famosa o suficiente para ser reconhecida durante a guerra? De onde ela veio? O roteiro mostra os pais e irmãos em uma cena apenas para matá-los em seguida, o que é uma saída simples demais. Mesmo com esses problemas (e com a duração longa), "A Espiã" é um filme interessante de se ver. E, quem sabe, o filme traga Verhoeven de volta às telas com mais frequência.