sábado, 29 de março de 2008

Os Camelos Também Choram


O velho senhor mongol, com roupa tradicional e o rosto marcado pela idade e pela experiência, olha para a câmera e começa a contar uma história. Ele fala que os camelos, quando foram criados por Deus, tinham chifres. Mas um dia um veado, invejoso, pediu os chifres emprestados para ir a uma festa e nunca mais voltou. É por isso que, até hoje, os camelos parecem estar sempre olhando para o horizonte, esperando o veado voltar.

É com essa lenda que começa “Os camelos também choram”, documentário de 2003. Ele foi rodado inteiramente no Deserto de Gobi, Mongólia, em meio a grandes planícies áridas, vento constante e temperatura que varia do quente de dia ao gélido à noite. Nesta paisagem desolada as pessoas vivem em tendas fortificadas que parecem pobres por fora, mas que escondem um lar confortável e ricamente decorado por dentro. E há os camelos (ou dromedários, com duas corcovas), altos, fortes, fiéis, que são usados para tudo pelos moradores. A família retratada no filme está às voltas com o nascimento de alguns filhotes, e particularmente preocupada com o parto difícil de uma fêmea. Ela grita de dor enquanto tenta parir o filhote, e dois dias se passam até que consegue. É um filhote albino e um pouco fraco, e sua mãe, talvez traumatizada pelo parto difícil, não quer nada com ele. A família fica preocupada com o filhote e tenta vários métodos para atrair a mãe para ele, sem resultado. Até que eles resolvem usar um ritual tradicional de chamar um músico da cidade que, com seu instrumento, conseguiria sensibilizar a fêmea e trazê-la para perto de seu filhote. Reza a lenda que, quando isso acontecesse, a fêmea choraria de emoção.

Tudo isso é mostrado de forma extremamente lenta e cuidadosa. Não há música nem narração, a não ser os sons produzidos pela família ou pelos animais. O filme concorreu ao Oscar de Melhor Documentário em 2004, mas a indicação gerou certa polêmica. Confesso que, a princípio, tive certa dificuldade em aceitar o filme como documentário. Há fatos documentais extremamente interessantes como o modo de vida austero da família e a relação entre seus membros. A história do camelo e seu filhote é certamente tocante, mas a vida simples e tradicional desta família no meio do deserto na Mongólia também é. O fato é que os diretores, Luigi Falorni e Byambasuren Davaa, usaram do recurso de recriar várias seqüências para contar esta história que, a bem da verdade, soa mais como a lenda contada pelo senhor no início do filme do que como um fato real. Mas isso não importa; a cena da música é extremamente bem feita e emocionante. E é sempre interessante quando se pode ver o modo de vida de um povo que, para nós ocidentais cercados de tecnologia, parece de outra época ou outro mundo.

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