terça-feira, 18 de março de 2008

Adeus Arthur C. Clarke

Arthur Clarke estava com 90 anos. Nascido em Somerset, Inglaterra, em 1917, se tornaria um dos mais cultuados escritores de ficção científica, visionário e divulgador da ciência como um modo de ajudar a Humanidade. Seu trabalho mais famoso foi o roteiro (e o livro) que escreveu para o cineasta Stanley Kubrick chamado "2001, Uma Odisséia no Espaço" (leia minha interpretação para o filme aqui), mas, pessoalmente, creio que ele tenha escrito livros melhores. Este que aqui escreve passou boa parte da sua juventude (talvez mais do que o que seria "saudável") mergulhado nas palavras de Clarke e de seu "rival" Isaac Asimov.
Mais do que prever o futuro, Clarke criou e antecipou o futuro. Nos anos 50, quando o mundo ainda se recuperava da destruição causada pela II Guerra Mundial, Clarke usou de seu conhecimento científico e de sua vasta imaginação para visualizar uma rede de satélites que, girando sempre à mesma velocidade da rotação da Terra, serviriam como retransmissores de dados e de telefone. A área ao redor da Terra onde hoje ficam os satélites artificiais recebe o nome de "Cinturão Clarke". Seu livro de 1956, "A Cidade e as Estrelas", mostra uma sociedade que vive em um mundo cercado por coisas que, hoje, não parecem assim tão impossíveis: a juventude se diverte em jogos de realidade virtual, em que os jogadores podem assumir personagens e simular diversos mundos diferentes. Todo o conhecimento humano está a disposição a partir de um toque, e as pessoas podem "nascer de novo" a partir de corpos clonados. O livro foi escrito há 52 anos, mas já se podem reconhecer nele o video-game, a realidade virtual, a clonagem e a internet. "O Fim da Infância" (1965) já falava sobre a pílula anticoncepcional, o exame de paternidade a partir do DNA, a computação gráfica e os aviões particulares.
Mas nada disso importaria se, no fundo, Clarke não fosse capaz de conquistar o leitor com sua prosa imaginativa e seus personagens, geralmente sonhadores em busca de um mundo melhor. Alvin, de "A Cidade e as Estrelas", por exemplo, é um rapaz que nasce sem o medo que assola o resto dos seus semelhantes, o medo de espaços abertos e do que estaria fora da sua cidade natal, "Diaspar". Sua ânsia em conquistar novos horizontes tira a humanidade de seu comodismo tecnológico e abre espaço para novas conquistas.
Sua descrição dos mundos em que são passadas suas histórias são detalhadas e inspiradas, mesmo quando baseadas em dados puramente científicos. Sou capaz de jurar que já estive entre os grandes satélites de Júpiter (Io, Europa, Ganimedes e Calixto) pela maravilhosa descrição dada por Clarke em sua continuação para "2001", o livro "2010" (transformado em filme apenas razoável por Peter Hyans). Em "As Fontes do Paraíso" (1979), Clarke imagina um "elevador espacial" que seria composto por um gigantesco cabo que ligaria a Terra a um satélite artificial em órbita do planeta. Assim, para se ir ao espaço não seria mais necessário usar grandes e caros foguetes, bastando subir em um elevador que o levaria até a órbita terrestre.
Seu livro mais espetacular (e meu preferido) é "Encontro com Rama" (1973). Nele Clarke imaginou uma sonda alienígena em forma de um gigantesco cilindro que foi detectado entrando no Sistema Solar. Uma nave terrestre é enviada para investigar e descobre que o cilindro, de 40 quilômetros de extensão, é na verdade oco, e a tripulação resolve investigar. O mundo que Clarke criou dentro deste cilindro é fantasticamente imaginativo. A rotação do cilindro cria em seu interior uma gravidade artificial (assim como a água de um balde não cai quando você o gira depressa o suficiente). Há um "mar" de gelo dentro de uma fenda no interior do cilindro que, conforme "Rama" (como foi batizada a sonda) vai se aproximando do Sol e derrete, se transformando em água líquida. A água produz vapor e cria uma atmosfera respirável. Clarke cria assim um mundo artificial que pode viajar por milhares de anos para chegar a seu destino. Há boatos sobre um filme sobre "Rama" rondando Hollywood há quase uma década, mas nada de concreto ainda foi oficializado.
Clarke vinha batalhando há anos pelo uso pacífico do espaço e pelo final das guerras. Era também ferrenho opositor às religiões que causavam ignorância científica e fundamentalismo religioso. Nos últimos anos foi acometido por uma paralisia que o deixou em uma cadeira de rodas em sua casa em Colombo, Sri Lanka, para onde se mudou nos anos 60. Foi autor de dezenas de obras primas da ficção científica e de livros científicos, além de apresentador e criador de programas de televisão, foi consultor da NASA e serviu de inspiração para um sem número de invenções e novas idéias.
Mas uma das coisas mais impressionantes sobre Clarke era sua longevidade. Viveu por quase todo o século XX, viu nascer (e mesmo ajudou a criar) um sem número de maravilhas tecnológicas e continuou ativo depois de 8 décadas de vida. É com surpresa (e tristeza) que soube hoje de seu falecimento (e a ficha, na verdade, ainda não caiu). Ficam seus livros, suas idéias e seu legado.
Que sejamos inteligentes o suficiente para continuarmos sua história.

(ao lado: a "Star Child" imaginada por Clarke e Kubrick em "2001", o próximo estágio na evolução humana

2 comentários:

Raphael R Barbosa disse...

É uma pena... Também fico triste com a notícia. Nunca li Clark, mas adorei 2001 (Já Asimov li demais!!! Adoro a Trilogia da Fundação).

É uma pena mesmo que perdemos mais um grande escritor.

João Solimeo disse...

Pois é, Raphael, uma pena mesmo. Mas 90 anos foi uma vida e tanto, não? Recomendo a leitura de "Encontro com Rama" (Rendezvous with Rama) e "A Cidade e as Estrelas" (The City and the Stars), de Clarke, para ler. Há também o ótimo livro de contos "O Outro lado do Céu", muito bom.
Abraço.